Liquidação Extrajudicial

A eficácia do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro.

Por Jaime de Carvalho Leite

O dia 22 de abril deste ano tornou-se uma data significativa para os brasileiros. Depois de um longo período de preparação, que contou com a participação do Banco Central (BC), demais bancos e outras entidades envolvidas com o Sistema Financeiro Nacional, entrou em funcionamento o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Particularmente, acreditamos tratar-se de um marco na história financeira do país. Além de dotar o sistema de maior segurança e confiabilidade, a nova estrutura de pagamentos não vai mais permitir que grandes somas de recursos públicos sejam destinadas à cobertura - em algumas situações - de rombos deixados pelo setor financeiro privado.

A título de exemplo, para citar apenas um caso, mas bastante representativo da situação, veja o que ocorre no âmbito das liquidações extrajudiciais - atividade à qual o BC exerce o papel de juiz do processo. É a ele que, entre outras coisas, cabe decretar a liquidação da instituição financeira e nomear o liquidante.

A lei define liquidação extrajudicial como uma das formas de o Banco Central interferir no Sistema Financeiro Nacional, visando resguardar de possíveis danos as finanças públicas, a poupança popular e o instituto do crédito.

Essa atividade é regulada pela Lei 6.024/74, de 13 de março de 1974, que nada mais é do que a consolidação de todos os atos legais que disciplinavam o assunto até então. Vale lembrar que, de uma forma ou de outra, desde a independência do Brasil sempre houve necessidade de intervenções governamentais para sanar as graves crises financeiras que ocorriam de tempos em tempos, sendo que as leis para regular essas anomalias eram criadas à medida que se faziam necessárias. Isso formava um amontoado de leis e de outros atos normativos difíceis de examinar.

De acordo com o artigo 15 dessa Lei, uma das situações em que uma instituição financeira fica sujeita à liquidação extrajudicial ocorre em razão do surgimento de fatos que comprometam sua situação econômica ou financeira, especialmente quando deixam de satisfazer, com pontualidade, seus compromissos.

Atualmente, conforme dados divulgados pelo Banco Central, existem 115 empresas em regime de liquidação extrajudicial (veja quadro na página ao lado). A razão determinante que levou a maioria dessas empresas à condição de liquidanda foi a mencionada acima, ou seja, situação econômico-financeira comprometedora.

Uma instituição financeira com problemas dessa natureza é séria candidata a não honrar o saldo devedor que, pela sistemática anterior, podia ocorrer em sua conta de Reservas Bancárias mantida junto ao Banco Central. Ela passava a viver, além da difícil situação de iliquidez, a possibilidade de ter a sua liquidação extrajudicial decretada pela autoridade monetária.

O que muda com o SPB

Anteriormente, durante o dia as contas Reservas Bancárias eram sensibilizadas em duas oportunidades. Às 7h, eram lançados os resultados financeiros apurados nas diferentes câmaras de compensação, relativos às transações dos dias anteriores e ao resultado da compensação de cheques. Às 23h, era lançado o resultado financeiro das negociações de títulos públicos federais realizadas entre os bancos ao longo do próprio dia.

Quando a instituição financeira não dispunha de saldo suficiente para cobrir os pagamentos lançados às 7h, criava-se a expectativa de que a regularização do respectivo saldo negativo gerado pela manhã seria efetuada na segunda etapa de lançamentos, às 23h. Isso, entretanto, nem sempre ocorria e criava, dessa forma, o ambiente que dá ao BC a possibilidade de, num ato de força, decretar a liquidação do inadimplente.

Esse ato, no entanto, não evitava o prejuízo já incorrido. Ao permitir saldo negativo na conta de Reservas Bancárias, o sistema anterior transferia ao Banco Central ou à sociedade brasileira o risco envolvido nas operações financeiras do setor privado, pois a eventual liquidação do banco faltoso não garantia que o saldo devedor fosse recuperado.

Para se ter uma idéia do que isso representa, o saldo devedor conjunto dessas contas, nas datas das liquidações, conforme balanço do BC de junho de 2001, é de R$ 12,3 bilhões.

Precaução

Uma forma de se evitar esse rombo seria a rejeição dos lançamentos da conta Reservas Bancárias que gerassem saldo negativo. Essa hipótese foi descartada sob o argumento de que tal procedimento transferiria a iliquidez de um banco devedor aos demais integrantes do sistema bancário, possibilitando a ocorrência de crise sistêmica.

A sociedade brasileira não podia mais conviver com desperdícios dessa magnitude. Novas regras se faziam necessárias. Era importante que o setor privado assumisse os riscos envolvidos em suas operações. Era premente exterminar os ralos por onde os recursos públicos se escoavam de forma improdutiva.

O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro veio nessa direção. Seu escopo básico é transferir os riscos do setor público para o setor privado. A partir de sua implantação, não se admite mais saldo negativo na conta Reservas Bancárias. Adicionalmente, ele agrega maior segurança e confiabilidade ao sistema financeiro, ingredientes necessários à atração de investimentos estrangeiros.

Enfim, temos certeza de que, partir da implantação do SPB, as eventuais intervenções do Banco Central, baseadas na Lei 6.024, ficam menos dolorosas à sociedade brasileira.

* Jaime de Carvalho Leite é administrador de empresas e ex-auditor do Banco Central.

OLHO 1: Desde a independência do Brasil, sempre houve necessidade de intervenções governamentais para sanar as graves crises financeiras.

 OLHO 2: O sistema anterior transferia ao Banco Central ou à sociedade brasileira o risco envolvido nas operações financeiras do setor privado.

 QUADRO: Estoque de liquidandas em 2002

Período da liquidação Número de empresas liquidadas Saldo devedor acumulado da conta Reservas Bancárias, nas datas das liquidações
1983/1985 003
1986/1989 008
1990/1994 006
1995/1999 067
2000/2002 031
Total 115

  R$12,3 bilhões

Material extraído da Revista Capitais - Edição de Maio/Junho - 2002

(A revista da ABAMEC / Centro Oeste - www.abamecco.com.br/revista.asp)          

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= Material disponibilizado neste site em 08/06/2002 =

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