ANOTAÇÕES E REFLEXÕES SOBRE O TERRORISMO DE ESTADO

 

POR

 

JAIME DE CARVALHO LEITE FILHO

 

 

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA E APROVADA PELA BANCA AVALIADORA CONSTITUÍDA PELOS ILUSTRES PROFESSORES ABAIXO ASSINADOS:

  

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PROF. DR. CHRISTIAN GUY CAUBET

(orientador)

 

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PROFa. Dra. THAÍS LUZIA COLAÇO

  

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PROF. DR. SELVINO JOSÉ ASSMANN

 

Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, fevereiro de 2002

 

 

RESUMO:

O objeto desta dissertação é o terrorismo de Estado. Trata-se de uma pesquisa, primordialmente, empírica, posto que são analisados exemplos da violência institucionalizada pelo Estado, que, em princípio não podem ser denominados de terrorismo, mas que possuem as mesmas características do terrorismo praticado pelos grupos clandestinos. A única diferença reside no fato de que violência estatal é justificada e sancionada pela lei. A teoria de base é o estudo da violência simbólica de Pierre Bourdieu, segundo a qual a violência monopolizada pelo Estado se legitima simbolicamente e passa ser aceita como normal. O método de abordagem será  o comparativo. Na primeira parte da obra serão analisadas as características do terrorismo dos grupos clandestinos. Na segunda parte serão reunidos vários exemplos  da violência institucionalizada pelo Estado, com o objetivo de evidenciar que não existem diferenças substanciais entre a violência dos grupos e praticada pelo Estado. Na terceira parte da dissertação será apresentado o estudo dos eventos referentes aos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA e a guerra no Afeganistão, como forma de demonstrar que em ambos os casos houve terrorismo, independentemente dos motivos de cada uma das ações. Os resultados apresentados pela pesquisa comprovaram a hipótese inicial, ou seja, de que o Estado pratica o terrorismo, mesmo quando a sua violência tenha como base a lei.  A pesquisa também chegou a um conceito de terrorismo que pode ser aplicado tanto à violência dos grupos como a praticada pelo Estado. Por fim, concluiu-se que a discussão sobre o ‘terrorismo de Estado’ deve ser debatida não só pela ciência política, mas, principalmente, pelo Direito.

 

ABSTRACT

This thesis proposes to study the state as terrorist. The research conducted was fundamentally empirical, dealing with actual examples of institutionalized violence practiced by the state. In principle, this ‘violence’ is not defined as terrorism, and yet it has the same characteristics as that terrorism practiced by clandestine groups. The only difference between the two is that the former is justified and even sanctioned by the law. This study is based upon Pierre Bourdieu’s theory of symbolic violence, which proposes that state violence is symbolically legitimate and is accepted as normal. The method of the study is comparative. The first part of the work will analysis the characteristics of terrorism as such relates to clandestine groups. In the second part, various examples of institutionalized violence will be analyzed with the ultimate objective of demonstrate that there are not substantial differences between the violence practiced by groups and by the state. The third part of the thesis will present the study of the events of September 11th, and the subsequent war in Afghanistan, in order to demonstrate that both events are terrorism regardless of the motives. The results of all the above research prove the initial hypothesis, in other words, that the state practices terrorism even when such violence is based upon law. The research finds a concept of terrorism that can be applied to clandestine groups as well as the state.  In conclusion, the state as terrorist should be discussed not just in terms of political science but principally in terms of law.

 

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS UTILIZADAS

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

AL – América Latina

ANP – Autoridade Nacional Palestina

CIA – Central Intelligence Agency  ( Organização Central de Informações)

CIJ – Corte Internacional de Justiça

CP – Código Penal

CPGD – Centro de Pós-Graduação em Direito

CGSB – Coordenadoria Guerrilheira Simon Bolivar

DIP – Direito Internacional Público

DOU – Diário Oficial da União

ELF – Earth Liberation Front (Frente para Liberação da Terra)

ELK – Exército de Libertação do Kosovo

EUA – Estado Unidos da América

ETA – Euzkadi Ta Askazuna ( Pátria Basca e Liberdade)

FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

FBI –  Federal Bureau of Investigation (Escritório Federal de Investigação)

IRA – Irish Republican Army ( Exército Republicano Irlandês)

KGB –  Comitê de Segurança do Estado

MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos

MRE – Ministério das Relações Exteriores

OEA – Organização dos Estados Americanos

OLP – Organização para Libertação da Palestina

OSN – Organização Setembro Negro

ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PKI – Partido Comunista da Indonésia

EU – União Européia

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WTC – World Trade Center ( Centro Mundial do Comércio)

WWW –  World Wide Web

 

SUMÁRIO:

Introdução

Capítulo I - Terrorismo dos grupos “clandestinos” e o senso comum

1. O terrorismo visto pelos órgãos de informação

1.1 “Propaganda armada”

1.2 Quem são os terroristas para a mídia?

1.3 A crueldade dos terroristas 

1.4 A mídia e a exploração política do terrorismo

2. O terrorismo clandestino e o seu contexto histórico

2.1 O anarquismo faz tremer a Europa

2.2 A Revolução Soviética 

2.3 Os movimentos de libertação nacional 

2.4 A guerrilha urbana

2.5 O terrorismo dos anos 70 e 80

3. O terrorismo explicado pela doutrina 

3.1 Qual o conceito de terrorismo?

3.2 Elementos característicos do terrorismo 

4. O Direito e o terrorismo 

4.1 Reação ao anarquismo do século XIX 

4.2 Legislação sobre o terrorismo a partir da metade do século XX

4.3 As legislações latino-americanas contra o terrorismo 

4.4 O terrorismo e o Direito Internacional 

5.Os principais grupos terroristas da atualidade 

5.1 AL-FATAH 

5.2 ETA (Pátria Basca e Liberdade) 

5.3 IRA (Exército Republicano Irlandês) 

5.4 As FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) 

6. “Novas” formas de terrorismo 

6.1 Terrorismo cibernético 

6.2 Terrorismo ecológico 

Capítulo II - Terrorismo de Estado

1. A legalidade do uso da violência

1.1 Santo Tomás de Aquino: tortura em nome de Deus 

1.2 Maquiavel e o medo dos súditos

1.3 Thomas Hobbes e o “ Leviatã” 

1.4 Max Weber e a violência legítima 

2. Totalitarismo: violência e terrorismo 

2.1 “Origens do totalitarismo”

2.2 Características dos regimes totalitários

2.3 Stalinismo: terror comunista 

2.4 Hitler e o terror nazista 

3. Alguns fenômenos ditatoriais após 1945

3.1 O golpe militar de 1964 e o terror no Brasil

3.2 O terrorismo de Estado na Argentina e no Chile

3.3 Coréia do Norte: crimes e terror

3.4 O Camboja de Pol Pot 

4. O Estado democrático de direito e o terrorismo

4.1 Lei e terror

4.2 Violência simbólica

4.3 Violação dos direitos humanos ou terrorismo de Estado? 

4.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica

5. Dimensões internacionais para o terrorismo de Estado 

5.1 A guerra no Kosovo e os ‘erros’ da OTAN 

5.2 Terrorismo russo na Chechênia 

5.3 O massacre no Timor Leste e a hipocrisia ocidental 

5.4 A questão palestina e o terrorismo de Estado sionista 

Capítulo III- Epifenômeno: os atentados de 11 de setembro e a guerra no Afeganistão

1. Os atentados de 11 de setembro: terrorismo ou guerra? 

1.1 Os fatos que marcaram o dia 11 de setembro 

1.2 O medo e o papel da mídia 

1.3 A reação política e a dicotomia: “Bem x Mal” 

1.4 O terrorismo e as restrições à ‘liberdade’ individual 

1.5 O terrorismo biológico: de quem é a culpa?

2. O ataque ao Afeganistão: guerra ou terrorismo?

2.1 As provas apresentadas: ‘Dossiê Blair’

2.2 A guerra e o direito internacional: legítima defesa? 

2.3 O país atacado: Afeganistão

2.4 Os interesses econômicos na Ásia central 

2.5 ‘Guerra contra o terror’ ou terrorismo de Estado? 

Consideração Finais 

Bibliografia 

Glossário 

 

Por que você me mata ?

Como?

Você não vive do outro lado do rio?

Meu caro, se você vivesse deste lado eu seria um assassino, assim seria injusto matá-lo; mas já que você permanece do outro lado, eu sou um bravo e isso é justo.

(Pascal, Pensamentos, VI, 3)

 

Introdução

O objetivo principal desta dissertação é evidenciar que o Estado pode ser terrorista, mesmo quando a violência utilizada pelo seu aparelho repressivo seja fundamentada na lei. Como marco temporal inicial para o estudo proposto, será utilizada a Revolução Francesa, por dois motivos. Primeiro, porque ela marca o início da Idade Contemporânea, e é a partir dela que os principais Estados europeus se unificam e criam as suas respectivas identidades nacionais. Segundo, porque não faz sentido falar em ‘terrorismo político’ antes da monopolização da violência legítima por parte do Estado e o conseqüente surgimento de grupos que contestem este poder.

Mesmo no período da Paz da Westfália de 1648 - após a queda do Sacro-Império Romano-Germânico, quando o mapa político europeu começa a ser redesenhado e formados os principais Estados -, ainda não havia a idéia do Estado-Nação. Esta ideologia surgiu com o advento da Revolução Francesa e a ascensão da burguesia como classe dominante, ao longo do século XIX.

A Revolução Francesa não marca somente a discussão a respeito do terrorismo político, mas também, e sobretudo, a do próprio terrorismo estatal. Isto porque o “terror” gerado pelas execuções em massa e pelas prisões arbitrárias teve início com a tomada do poder pelos revolucionários.

Todavia, desde o advento do fenômeno do ‘terrorismo’ com finalidade política, encontrar a sua definição sempre foi uma tarefa complicada para as ciências sociais. O termo pode ser aplicado a uma infinidade de condutas criminosas; implica uma negatividade muito grande, e recebe muita publicidade pelos meios de comunicação. O ‘terrorismo’ vem associado à pratica de uma violência cruel e desumana que, quando ocorre, espalha um sentimento de medo pela população.

Tal é, em termos básicos, a idéia de ‘terrorismo’ que se fixou no senso comum. O estereótipo do terrorista é o de uma figura obscura, que encarna o ‘mal’ e que deve ser eliminada do convívio social. Convencionou-se, então, utilizar o termo ‘terrorismo’ apenas para os grupos contrários a determinados regimes políticos e que utilizam a violência como forma de lutar pelos seus objetivos. Os anarquistas, os grupos de libertação nacional e a maioria dos revolucionários, por exemplo, receberam o rótulo de terroristas.

Por outro lado, há uma resistência muito grande, por parte da ciência do Direito, em aplicar o termo ‘terrorismo’ para se referir a uma conduta do Estado. Os crimes cometidos no decorrer da história pelos regimes de Stálin, de Hitler, de Francisco Franco, de Oliveira Salazar, por exemplo; pelas ditaduras militares na América Latina e pelos atuais Estados democráticos de direito não são tratados como terrorismo. As guerras, intervenções humanitárias, operações de paz, etc., que também geram enorme violência, não são denominadas de terrorismo pelo Direito Internacional. A proposta desta dissertação é ultrapassar o conceito mitificado e analisar objetivamente em que consiste o ‘terrorismo’.

Com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, considerados os maiores atentados terroristas da história, atribuídos a um grupo clandestino, o tema do terrorismo foi alvo de intensos debates, não só nos EUA, mas no mundo inteiro. Os ataques foram noticiados e explorados incessantemente pelos meios de comunicação mundiais.

Esta situação inusitada e de uma infelicidade sem tamanho para a humanidade não poderia ficar de fora de uma dissertação que aborda o tema ‘terrorismo’. A forma encontrada de incluir os atentados e, principalmente, os seus desdobramentos foi a de realizar um estudo de caso, que será objeto de análise no terceiro capítulo desta dissertação.

Um fato particularmente interessante é que tudo o que vinha sendo identificado como característica do terrorismo se materializou no estudo do caso: o tratamento da mídia - ou seja, que entende a mídia entende por terrorismo -, as leis draconianas promulgadas subseqüentemente aos atentados do dia 11 de setembro e a exploração política destes últimos por parte dos chefes de Estado. Por outro lado, também ficou evidente a maneira como a guerra no Afeganistão (embora totalmente ilegal) foi vista como algo totalmente normal e necessário. As mesmas pessoas que lamentaram os atentados de 11 de setembro aplaudiram os bombardeios maciços contra um dos países mais pobres do mundo, chegando mesmo a denominar as operações desta guerra de “justiça infinita”.

A relevância desta pesquisa é justamente a de trazer para o estudo da ciência do direito um tema que é tratado essencialmente pela ciência política. O Direito parte do pressuposto de que a violência institucionalizada pelo Estado já está legitimada a priori. Esta dissertação, ao contrário, questiona tal legitimação ao trazer à discussão, no campo dos juristas, a noção de que o Estado também pode ser terrorista e funcionar como uma instituição criminosa.

Sendo embora o Estado, por intermédio do seu aparelho repressivo, interna ou externamente, terrorista, por outro lado a discussão proposta vai muito além da mera adjetivação. Pretende-se mostrar que o ‘terrorismo’ não pode ser definido juridicamente sem que o Estado também seja incriminado. Não é possível incriminar apenas o policial que comete a tortura, ou um chefe de Estado que comete o genocídio, sem no mesmo passo incriminar o Estado como pessoa jurídica de direito público - tal como são incriminados os grupos terroristas clandestinos.

O método de abordagem será o indutivo. A partir de exemplos da atuação violenta do aparelho repressivo do Estado, pretende-se comprovar a hipótese proposta. Obviamente que este trabalho não se restringe apenas ao método indutivo. Será utilizado também o método comparativo como forma de procedimento, já que tanto o terrorismo dos grupos, como aquele praticado pelo Estado, serão analisados e comparados. Pretende-se então, a partir disto, chegar a um conceito único de ‘terrorismo’ que possa ser aplicado a ambos, Estado e grupos clandestinos.

O método consiste em apresentar exemplos da atuação do aparelho repressivo do Estado e exemplos do fenômeno ‘terrorismo’ atribuído aos grupos clandestinos. Com base nos elementos apresentados, esta pesquisa pretende evidenciar que em ambas as práticas violentas os elementos são os mesmos, e que em termos objetivos ambas são formas de terrorismo.

O principal fundamento teórico utilizado para embasar este trabalho é a noção de violência simbólica proposta por Pierre Bourdieu. Segundo esta perspectiva, as relações simbólicas de força se instauram e se perpetuam por intermédio do conhecimento e do reconhecimento, não necessariamente por atos intencionais de consciência. Na verdade, é preciso que os dominados tenham em comum com os dominantes os mesmo esquemas de percepção e apreciação, o que lhes permite ser percebidos reciprocamente e, conseqüentemente, aceitar o processo de dominação. Desta forma, a violência monopolizada pelo Estado se legitima simbolicamente pelo dominados e dominadores. Esta violência é ratificada, legalizada, legitimada - enfim, passa a ser algo normal. As principais obras estudas foram: O poder simbólico (2000) e Meditações pascalianas (2001).

A partir desta teoria, a hipótese principal deste trabalho pretende ser comprovada. Ou seja, a violência institucionalizada e legitimada simbolicamente não recebe o status de ‘terrorismo’ em razão do processo de normalização explicado acima.

As técnicas de pesquisa utilizadas são a documentação indireta, as referências bibliográficas e o uso de documentação oficial (legislação interna, tratados e resoluções). Como referência bibliográfica foram utilizados livros de leitura, periódicos e revistas especializadas. A internet constituiu também uma importante fonte de pesquisa.

Especificamente para o estudo de caso, selecionou-se o jornal a Folha de São Paulo, no período compreendido entre os dias 12 de setembro a 30 de novembro de 2001. As edições dos meses de outubro e novembro de 2001do jornal Le Monde Diplomatique, edição em português, também foram utilizadas. As edições especiais, assim como as edições mensais, dos meses de setembro e outubro das revistas: Época, Veja, Carta Capital e Caros Amigos também foram selecionadas.

Para o restante da dissertação, o material selecionado dos jornais e das revistas se refere aos anos de 1999, 2000 e 2001. Foram vários os jornais utilizados, provenientes de diversos países, com o objetivo específico de fornecer elementos do tratamento que a mídia impressa concede ao fenômeno do ‘terrorismo’ dos grupos clandestinos. Privilegiou-se, desta forma, os países mais afetados, como Espanha, EUA, Filipinas, Israel, etc.

Duas obras foram particularmente importantes para a realização deste trabalho: Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina (1998), de Marta Huggins - em que a autora descreve a atuação da CIA em operações secretas nos países da América Latina -, e A face oculta do terror (1978), de A. J. Langguth, que retrata a tortura de presos políticos no Brasil e no Uruguai. Comum a estas duas obras é o tratamento do aspecto polêmico da atuação do serviço de inteligência norte-americano junto às ditaduras militares na América Latina. Fornecimento de armas, tortura, apoio logístico, execuções extrajudiciais, etc., são algumas das ‘operações’ descritas.

Os autores das seguintes obras utilizam a expressão ‘terrorismo de Estado’: El terrorismo político: inculpación al imperialismo (1983), organizado por Y. Pankov; La política del terror: apuntes para uma teoría del terrorismo (1991), de Fernando Escalante, e Era de névoas: direitos humanos, terrorismo de Estado e saúde psicossocial na América Latina (1993), organizado por Horácio Riquelme. Todavia, importante ressaltar que as obras citadas possuem um enfoque político e não jurídico.

Por outro lado, um dos maiores criminalista do direito nacional, Heleno Fragoso, reconhece explicitamente, em Terrorismo e criminalidade política (1981), a aplicabilidade da noção de ‘terrorismo de Estado’. Fragoso descreve o histórico das legislações dos Estados europeus e latino-americanos sobre a repressão e o terrorismo, e analisa as manifestações terroristas no mundo ocidental. A sua pesquisa analisa de forma mais detalhada o denominado ‘terrorismo dos grupos clandestinos’, mas constitui uma referência importante para esta dissertação por reconhecer a figura do ‘terrorismo de Estado’. Faltou-lhe, entretanto, desenvolver com mais profundidade, do ponto de vista jurídico, a afirmação que o Estado é terrorista. O fato de se limitar a afirmar que o Estado pode praticar o terrorismo, sem desenvolver os aspectos jurídicos dessa afirmação, cria uma certa incoerência. O Estado cria as suas leis reprimindo o terrorismo, mas será ele próprio também terrorista? Fragoso não aborda este viés da questão.

Com o intuito de estabelecer critérios para que a violência estatal possa ser classificada como ‘terrorismo’, independentemente da ideologia política do governo estabelecido, foram analisados os crimes cometidos pelos Estados comunistas da Coréia do Norte e do Cambodja, os quais foram descritos na obra O livro negro do comunismo (1999), organizado por Stéphane Courtois.

Esta obra está dividida em três capítulos, com a seguinte disposição.

No primeiro capítulo, desenvolveu-se uma abordagem específica sobre o fenômeno do “ terrorismo dos grupos clandestinos”, a partir de três pontos de referência: a mídia, a doutrina e o Direito. Os objetivos deste capítulo inicial são: levantar as características do “terrorismo” apresentado pela mídia, ou seja, o que é senso comum e o que pode ser aproveitado para um abordagem científica; como o Direito trata o terrorismo, se existe um tipo penal, ou quais condutas são punidas; e, por fim, como a doutrina analisa o assunto. Por que a doutrina, em geral, concorda com a expressão “terrorismo de Estado” , mas não discute e analisa com mais objetividade as conseqüências desta afirmação?

Neste primeiro capítulo, foi analisado também o tratamento dispensado pelo Direito Internacional ao terrorismo. Basicamente, foram analisadas as duas principais convenções regionais, americana e européia, e resoluções da Assembléia Geral da ONU que disciplinam o assunto. Foram arrolados também os principais grupos terroristas da atualidade e as novas formas de manifestação do terrorismo: cibernético, catastrófico e ecológico. Essas informações foram extraídas principalmente dos endereços eletrônicos oficiais do Departamento de Defesa dos EUA e de notícias veiculadas pelos órgãos de informação.

O primeiro capítulo tem, pois, a função de fornecer ao leitor os elementos necessários para entender o que vem a ser o ‘terrorismo clandestino’, a fim de que, quando analisado o ‘terrorismo de Estado’, no segundo capítulo, possa ser feita a comparação sugerida neste trabalho.

O segundo capítulo traz uma análise de alguns exemplos daquilo que pode ser chamado de ‘terrorismo de Estado’. Deve-se ter claro, entretanto, que esta dissertação não pode incluir todos os exemplos de terrorismo de Estado, posto que esta analise se confunde com a própria historiografia do Estado moderno e necessitaria de uma pesquisa muito mais aprofundada.

Desta forma, faz-se inicialmente um breve recorte teórico sobre os principais autores que analisaram a utilização da violência por parte do Estado: Maquiavel, Hobbes e Max Weber. Com o objetivo de tornar a análise mais abrangente, foram também analisados os métodos de terror utilizados pela Igreja durante a Inquisição e, posteriormente, pelos Tribunais do Santo Ofício. Este recorte tem como única finalidade mostrar que a tortura praticada por governos estabelecidos após o século XIX já era largamente utilizada pela Igreja desde 1233.

A seqüência da análise do totalitarismo feita neste capítulo tem como principal referência a obra de Hannah Arendt, Totalitarismo: o paroxismo do poder (1979). Serão analisados especificamente os regimes de Stálin, na URSS, e de Hitler, na Alemanha nazista, a fim de se verificar como o aparelho repressivo do Estado pode ser utilizado como verdadeira organização criminosa. Constatou-se que o termo ‘terror’ foi utilizado para adjetivar a violência estatal, mas o termo “terrorismo” continuou reservado aos grupos.

Em seguida, será feito um apanhado da violência absurda praticada pelos Estados latino-americanos após a Segunda Guerra Mundial. Foram escolhidos os exemplos do Brasil, da Argentina e do Chile. Torturas, execuções extrajudiciais e “desaparecimento forçados” eram práticas freqüentes desses regimes ditatoriais.

Ainda neste segundo capítulo, o item 4 está reservado à violência praticada pelo Estado ‘democrático’ de direito. É uma passagem fundamental desta dissertação, uma vez que se pretende desmistificar a idéia de que a legalidade da violência poderia afastar o terrorismo praticado pelo Estado. O argumento evidenciado pela pesquisa é o seguinte: se o Estado tido como democrático é terrorista, logo todos os outros também serão. As obras o Estado, o poder, o socialismo (2000), de Nicos Poulantzas, e O poder simbólico (2000), de Pierre Bourdieu, foram essenciais.

Outro aspecto analisado nesta parte do trabalho foi a possibilidade de se admitir a responsabilidade criminal para a pessoa jurídica de direito público: o Estado. É evidente que isto depende de uma análise mais aprofundada do direito comparado, mas a intenção é demonstrar que quando o Estado comete crimes, a responsabilidade penal não deve ficar restrita apenas aos seus chefes de Estado, mas abranger também o Estado, como pessoa jurídica.

No item final deste segundo capítulo, analisou-se a violência estatal em nível internacional. Quatro casos específicos foram descritos: a intervenção ‘humanitária’ no Kosovo; a guerra na Chechênia; a questão do Timor Leste; e finalmente a violência diária cometida pelas tropas israelenses contra o povo palestino. O objetivo aqui é demonstrar que, independentemente do nome dado à operação militar desencadeado por um determinado Estado, ela será uma forma de terrorismo.

O terceiro capítulo da pesquisa está todo reservado a uma análise comparativa dos atentados do dia 11 de setembro nos EUA com a ‘guerra contra o terror’ desencadeada pelos norte-americanos no Afeganistão. Portanto, são duas partes: a primeira retrata o ‘terrorismo’ do grupo AL QAEDA, de Osama bin Laden, já que ele e o seu grupo foram apontados como os principais responsáveis pelos acontecimentos; a segunda parte retrata a guerra no Afeganistão.

Desta forma, com relação aos atentados nos EUA, foram analisados os fatos, os acusados, o tratamento da mídia, as reações dos chefes de Estado e as leis que surgiram imediatamente após o ocorrido, ou seja, tudo que diz respeito ao ‘terrorismo clandestino’.

Por outro lado, os EUA iniciaram a guerra no Afeganistão no dia 7 de outubro de 2001, justificando suas ações com base na legítima defesa prevista na Carta da ONU. Pretende-se demonstrar que esta operação foi totalmente ilegal do ponto de vista do Direito Internacional, e que a violência produzida pelas tropas norte-americanas tiveram o mesmo efeito que os atentados de 11 de setembro nos EUA.

Por fim, deve-se ter bem claro que as críticas apresentadas neste trabalho são direcionadas aos seus aparelhos repressivos dos Estados e a quem os dirige. Não há generalizações. Assim, por exemplo, quando se afirma que os Estado de Israel é ‘terrorista’, a crítica está direcionada à utilização do seu aparelho repressivo. Se um Estado palestino fosse formado e possuísse o seu exército, seria potencialmente ‘terrorista’ também. Não há civis inocentes. A clareza deste aspecto do trabalho é imprescindível à sua leitura.

Capítulo I - Terrorismo dos grupos “clandestinos” e o senso comum.

 

O terrorismo dos grupos clandestinos pode ser entendido como a violência de grupos ou de indivíduos praticada contra alvos civis ou militares com o objetivo específico de lutar por uma determinada causa, gerando medo para determinada sociedade. Neste sentido então, são grupos terroristas: o IRA, que luta pela independência da Irlanda do Norte; o Hamas, que luta pela criação de um Estado palestino; o ETA, que luta pela independência do País Basco, etc. Entender por que e por quem esses e outros grupos são denominados “terroristas” são os objetivos principais deste primeiro capítulo.

Para os órgãos de informação, que na grande maioria dos países são constituídos por empresas privadas, a notícia representa a fonte principal de lucro. A regra é simples: quanto mais pessoas assistem ou lêem determinada notícia, maior será o valor dos anúncios comerciais que veiculam. Ora, o terrorismo é uma notícia atraente. Quando ocorre um atentado denominado “ terrorista”, as pessoas sentem medo e procuram informar-se acerca do que está acontecendo.

Todavia, as informações trazidas pela mídia não podem ser completamente aproveitadas pela ciência, principalmente pelas ciências humanas. Na busca por publicidade, as mais das vezes, o terrorismo veiculado pela mídia está carregado de sensacionalismo e artifícios que geram mais medo do que o próprio ato de violência. Conforme explica David Carraher,

O profissional que trabalha nas ciências humanas precisa penetrar além da superfície das informações apresentadas nos meios de comunicação, porque os fenômenos que pertencem a seu domínio profissional são conceituados, discutidos, analisados e influenciados por esses meios.

A ciência não deve desconsiderar as informações obtidas através dos meios de comunicação; contudo, ela não se pode eximir de uma análise crítica e um tratamento adequado dessas informações, a fim de que as mesmas possam ser aproveitadas para uma pesquisa científica.

No que se refere ao Direito, o principal aspecto a ser analisado é a dificuldade em se definir o “tipo” penal “terrorismo” - não somente pelo direito interno de cada país como também, e principalmente, pelo Direito Internacional. Se o terrorismo é considerado um crime, então fundamental que exista um tipo penal a defini-lo; caso contrário, arbitrariedades podem ser cometidas em razão da infinidade de condutas às quais o termo pode ser aplicado.

Que escreve a doutrina sobre o tema? Quais as características e a história do conceito de terrorismo? Além de responder estas questões, o primeiro capítulo tem o objetivo de evidenciar que a ciência jurídica ignora o terrorismo estatal. Conforme observa o professor Christian Caubet,

Os manuais de Direito Constitucional simplesmente ignoram a questão. Quando, muito raramente, tocam no assunto, é para enfatizar que terrorismo é fato de grupinhos dissidentes ou marginais sem fé nem lei, expressão de processos irrefletidos e paranóicos de minorias [...] quando evocam fatos históricos concretos, é para estigmatizar certos tipos de regime, e não para caracterizar uma tipologia do terrorismo, seja ela antiestatal ou estatal.

Desta forma, o objetivo principal deste primeiro capítulo é encontrar os elementos necessários para a compreensão do “terrorismo”, a partir dos pontos de vista dos meios de comunicação, do Direito e da doutrina - e em seguida, com base nestes elementos, investigar com maior objetividade a violência praticada pelo Estado, como pessoa jurídica de Direito Público, e saber se a utilização do seu aparelho repressivo também podem ser entendida como “terrorismo”.

 

1. O terrorismo visto pelos órgãos de informação.

1.1 “Propaganda armada”.

“O sucesso de qualquer campanha terrorista depende decisivamente da quantidade de publicidade que ela recebe dos órgãos de informação”. Quem faz esta afirmação é o professor Walter Laqueur, pesquisador do tema. Laqueur descreve com muita precisão o papel exercido pelos meios de comunicação na divulgação das ações terroristas. Junto com a informação, a mídia propaga o medo, elemento essencial do terrorismo. O medo, quando disseminado na sociedade, provoca em grande parte da população o temor de ser a próxima vítima de um atentado terrorista.

A violência dos grupos clandestinos e a ânsia cada vez maior dos órgãos de comunicação em dar publicidade ao terrorismo deu origem, na vida política de países ocidentais, ao fenômeno da “propaganda armada”. Os ‘terroristas’ dão muita atenção à mídia, pois nela têm uma grande aliada. Ao mesmo tempo em que a imprensa em geral vende a informação, o terrorista consegue dar a conhecer a sua luta para um grande número de pessoas.

Para a mídia em geral, o terrorismo é um assunto interessante, e de fato recebe destaque nos jornais, nas revistas, na TV e no rádio. Um atentado terrorista sempre contém cenas de violência, mortes e opiniões que atraem a atenção da público e, o mais importante, incutem o medo em cada leitor, telespectador ou ouvinte. Estes elementos levam as pessoas a procurar cada vez mais informações sobre o fenômeno.

Para o professor Pankov, as raízes do fenômeno da “propaganda armada” são profundas. Pankov sustenta que os monopólios dos mass media no mundo capitalista e os grupos terroristas de esquerda possuem um acordo claro e objetivo. Isto explicaria por que qualquer atentado terrorista, por menor que seja, tem a mais ampla divulgação. E talvez explique o fato de qualquer ato violento, praticado por grupos ou indivíduos contrários a determinado sistema político, ser considerado “terrorismo” pela mídia.

O público é constantemente confrontado com afirmações e generalizações sobre todo tipo de problema social. O terrorismo não foge a essa regra. Por ser um tema que atrai sobremaneira a atenção da população, na maioria das vezes o leitor da notícia não a recebe de forma neutra. Um exemplo é a afirmação que freqüentemente acompanha as notícias sobre o assunto: “o terrorismo é uma guerra na qual civis inocentes são vítimas”. Obviamente, há civis mortos em atentados terroristas, assim como em guerras. Todavia, essa afirmação é fortemente tendenciosa, porque induz o leitor a concluir que o terrorismo é uma guerra, na qual ele é o alvo.

Carlos Marighela, guerrilheiro brasileiro da década de 1960, formulou a concepção sobre “propaganda armada”, em que a ampla publicidade dos órgãos de informação era considerada a pedra angular de um ato terrorista minuciosamente preparado. Para Marighela, a utilização pelos terroristas dos meios de comunicação era a melhor forma de despertar a consciência da população para os problemas sociais. Além de utilizar a mídia oficial, Marighela criou rádios piratas para divulgar a mensagem dos revolucionários de forma rápida e direta.

Relativamente ao aspecto econômico da “propaganda armada”, é lícito perguntar quem paga a ampla divulgação na mídia de notícias sobre o terrorismo. Conforme observa o professor Pankov, 50% do lucro dos meios de comunicação provém da publicidade, ou seja, dos anúncios pagos. Os terroristas não pagam publicidade, não fazem anúncios, e mesmo assim estão na mídia o tempo todo. Quem paga essa “generosidade” é o medo gerado.

Quanto mais horrenda a notícia e mais engenhosa a capacidade dos autores do atentado terrorista, maior o número de jornais vendidos ou o tempo concedido no horário nobre da televisão. Temerosas, mais e mais pessoas se querem informar sobre os fatos, e conseqüentemente o espaço para a publicidade se torna mais caro.

Torna-se fundamental investigar o que realmente gera o medo, se o atentado em si ou a exploração do fato pela mídia. Resta identificar o real impacto de um atentado terrorista na população e a influência dos órgãos de comunicação na criação do medo e da “figura aterrorizante” do terrorista. Esse “casamento” quase perfeito entre terrorismo e mídia traz para o público, como conseqüência, a criação do mito do terrorista. Trata-se de uma figura estereotipada que representa o mal e que deve ser eliminada para que se mantenha a paz.

 

1.2 Quem são os terroristas para a mídia?

Que considera a mídia terrorismo? Como recebe o público as informações sobre o terrorismo?

É uma bomba que explode em um avião em pleno vôo, matando 234 pessoas, um atentado terrorista? Pode o assassinato de um Chefe de Estado que discursava em público ser considerado um ato de terrorismo? É o lançamento de gás tóxico no metrô de uma cidade populosa terrorismo? É uma bomba que explode em pleno mercado público de uma cidade, matando 15 pessoas, um ato terrorista? É a tortura de presos, comuns ou políticos, em uma delegacia de polícia, um ato terrorista? Uma invasão, com blindados, de um assentamento de palestinos por tropas israelenses? Caracteriza terrorismo a prisão arbitrária e violenta de um indivíduo acusado de roubo?

Todos os eventos citados envolvem a prática de violência, mas nem todos são considerados terroristas pelos órgãos de informação. Desta forma, duas questões podem ser formuladas: quem são os terroristas? Existirá apenas uma definição de terrorismo que possa ser aplicada a todos esses eventos?

A tortura de presos em delegacias de polícia não é considerada terrorismo pela mídia, tampouco o é a invasão de um assentamento palestino por tropas israelenses. Já o lançamento de gás tóxico no metrô de uma cidade populosa ou uma bomba que explode dentro de um avião em pleno vôo seriam atos terroristas. Quais as diferenças substanciais entre essas formas de violência que permitem classificá-las como terrorismo ou não? Em princípio nenhuma, uma vez que as duas formas geram medo.

Mesmo assim, os terroristas são descritos pela mídia como pessoas cruéis, imorais, que assassinam gente inocente, que espalham terror e medo pela sociedade. Os jornais, as revistas, de maior circulação no país e no exterior e os telejornais de emissoras de TV veiculam diariamente notícias sobre o terrorismo. Por exemplo:

Em primeiro de junho de 2001, uma bomba explodiu do lado de fora de um clube noturno, numa região bem movimentada de Tel-Aviv. A explosão causou a morte de 17 pessoas e ferimentos em muitas outras. A notícia veiculada no jornal americano The New York Times, além de divulgar detalhes da tragédia, propiciou aos leitores vivenciar o clima do local do acidente, através de descrições emocionantes e apelativas:

Outro homem, um garçom, disse que estava parado à porta do restaurante em que trabalha e que observou horrorizado enquanto pedaços de corpos humanos voavam pelo ar. Pessoas gemiam e soluçavam enquanto a polícia, temendo outra explosão, isolava a área. Várias poças de sangue podiam ser vistas na entrada da discoteca após o atentado de ontem. Uma testemunha afirmou que havia membros espalhados por toda a parte e corpos explodidos. (sem grifo no original).

 

A notícia está repleta de frases, palavras e adjetivos que levam o leitor a sentir horror. O relato de uma testemunha afirmando que “corpos humanos voavam pelo ar” descreve um cenário de guerra, hostil e selvagem. A abordagem do acontecimento utilizada nas entrelinhas da reportagem induz o leitor a reconhecer a personificação do mal na figura do terrorista, autor direto-imediato do ato que provoca o sentimento de horror.

A indefinição sobre o real significado do termo terrorismo é tamanha que qualquer ato que empregue a violência, praticado por indivíduos ou grupos, pode ser considerado ato terrorista. Em geral, os atentados terroristas noticiados pelos órgãos de informação descrevem situações em que várias pessoas foram mortas, nas quais há um grande número de feridos e, quase sempre, que tenham sido provocadas por explosões de bombas. Todavia, há casos em que apenas um homicídio é considerado ato de terrorismo:

Menos de uma semana antes das eleições no País Basco, o grupo separatista basco ETA assassinou ontem, na cidade de Zaragoza, o presidente do Partido Popular da Comunidade Autônoma de Aragão, Miguel Gimenez Abad. Para os espanhóis, o crime é considerado um aviso do que pode ocorrer dependendo do resultado nas urnas do dia 13 de maio. Há duas semanas, o grupo havia alertado sobre ações terroristas para intimidar os eleitores. (sem grifo no original).

 

A diferença entre as práticas terroristas narradas nas duas notícias é grande. No caso de Israel, o atentado foi causado por uma bomba e 17 pessoas morreram. Corpos voando pelos ares, poças de sangue e corpos dilacerados foram ressaltados na matéria. O assassinato praticado pelo grupo separatista basco não provocou intenso derramamento de sangue, mas ele é considerado um ato terrorista porque teve por objetivo “intimidar os eleitores” e foi praticado por um grupo denominado de “terrorista”, identificado como ETA( EUZKADI TA ASKAZUNA); trata-se então de parte indissociável de um conjunto de ações, obviamente terroristas.

O que se pode assegurar é que a mídia identifica como sendo terrorismo a violência praticada por grupos previamente identificados por autoridades governamentais como terroristas. Por exemplo, se um bomba é colocada por integrantes do Hamas num restaurante em Jerusalém e 12 israelenses morrem, a mídia mundial noticiará que mais um atentado terrorista ocorreu em Israel. Por outro lado, se aviões de guerra israelenses despejam bombas sobre a cidade de Gaza, e 12 palestinos morrem, a notícia veiculada não será de terrorismo. Ação militar, operação, represália, etc., são algumas qualificações utilizadas, menos terrorismo.

1.3 A crueldade dos terroristas

O pânico causado pelo ato terrorista e, principalmente, a crueldade dos terroristas são os enfoques valorizados nas notícias sobre o tema. É compreensível ressaltar o pânico. Pessoas morrem, muitas ficam feridas e um atentado terrorista sempre gera a incerteza quanto à possibilidade de outros ocorrerem. Todavia, ressaltar a crueldade do terrorista desqualifica a sua ação e justifica a utilização da violência estatal como forma de repressão.

Ocorre que o emprego da violência física, independentemente de quem a pratique, sempre pode ser considerado cruel, como se pode ver no exemplo dos palestinos e israelenses citado no item anterior. Assim como a explosão de uma bomba num restaurante consiste em ato de crueldade, a utilização de caças contra cidades palestinas também significa crueldade. As duas ações são violentas, causam danos a pessoas e a bens, geram medo e são cruéis.

Os exemplos são muitos. No Natal de 1999, um avião indiano com 155 passageiros foi seqüestrado por separatistas muçulmanos, que tinham por objetivo anexar a região da Caxemira ao Paquistão. O fato, veiculado pela Revista Veja sob o título “Terror fin-de-siècle”, preocupou os governos europeus, porque indicava, na virada do século, a volta do terrorismo com as mesmas características do terror praticado nas décadas de 70 e 80 do século XX. Em um trecho da reportagem, a crueldade do terrorista é assim enfatizada:

Foi cometido por separatistas muçulmanos que querem anexar a província indiana da Caxemira ao vizinho Paquistão. A aeronave saiu de Katmandu, no Nepal, com destino a Nova Deli, capital da Índia, com 155 passageiros, na maioria indianos. Foi desviada no caminho, primeiro para o Paquistão, depois para os Emirados Árabes, onde o airbus foi reabastecido e os seqüestradores aproveitaram para libertar 25 reféns e degolar um jovem que viajava em lua-de-mel - crueldade destinada a demonstrar a determinação dos terroristas (sem grifo no original).

 

Em outra reportagem veiculada no jornal Folha de São Paulo sobre a ação do grupo separatista Abu Sayyaf em dezembro de 2000, a ação cruel dos terroristas é assim caracterizada:

Cinco bombas explodiram ontem em Manila, capital das Filipinas, matando ao menos 13 pessoas, ferindo 95 e deixando a população em pânico. Um trem, um ônibus, um parque próximo à Embaixada dos EUA, um hangar no maior aeroporto da cidade e um hotel de luxo foram alvos dos atentados. (sem grifo no original).

 

A Espanha é o país europeu que atualmente mais sofre com o terrorismo. O grupo separatista ETA (Pátria Basca e Liberdade) promove freqüentes atentados com o objetivo de pressionar o poder político espanhol e a sociedade espanhola a conceder a independência política ao País Basco. Em um dos jornais de maior circulação da Espanha - El Pais - Vicente Verdú produz e reproduz o sentimento da população espanhola em relação ao terrorismo:

O dano do terrorismo não termina com o mais trágico daquilo que se contempla e sofre no momento, mas sim com seu prolongamento como uma queimadura sob a raiva e a dor. O dano do terrorismo não cessa quando do relato dramático do que se vê e sofre no presente, antes se prolonga como uma queimadura, sob a cólera e a dor. O terrorismo não somente absorve para si a maior de nossos desastres derrotas individuais e sociais, não somente ocupa a primeira página, atrai a intensidade da atenção política e decide o centro emocional da vida coletiva, como também significa uma patologia nas mentalidades, amaldiçoa o presente e paralisa a inteligência sobre o futuro. A miséria do terrorismo é como a parte maldita das coisas, ocupando obscenamente a máxima superfície do real. Qualquer matéria tem o seu lado obscuro, mas o terrorismo inverte o nexo da vida, consagra sobre a cena a ordem do sinistro, a perversão e a palavra sem articulação.

 

Os fatos até aqui narrados permitem algumas inferências. Em primeiro lugar, o terrorista, para a mídia, é um ser cruel e desumano. Em segundo lugar, a violência praticada pelo terrorista resulta na morte de civis inocentes e no ferimento de grande número de pessoas. Em terceiro lugar, o terrorismo dissemina o sentimento de pânico coletivo, compartilhado por toda a sociedade. E, por fim, o Estado possui a função de proteger a população e reprimir o terrorismo, mas de forma alguma a utilização do seu aparelho repressivo será considerada uma forma de terrorismo pelos órgãos de informação.

 

1.4 A mídia e a exploração política do terrorismo

As declarações de políticos sobre os atentados terroristas ocorridos em seu território, citadas nas notícias sobre o assunto, merecem destaque especial. No caso das bombas que mataram 13 pessoas nas Filipinas, o prefeito de Manila à época, Lito Atienza, foi enfático: “isso foi obra de animais, de pessoas desalmadas” (sem grifo no original), e completou: “eles não têm nenhum problema em relação a matar civis inocentes”. Quanto às medidas a serem adotadas, o presidente das Filipinas não teve dúvidas em afirmar: “usaremos toda a força para suprimir a violência” (sem grifo no original), e atribuiu os atentados a pessoas desesperadas e covardes.

Essas afirmações contribuem para a criação de um ambiente em que os terroristas são considerados os criminosos a serem perseguidos e eliminados, enquanto os governantes aparecem como os responsáveis pela garantia da paz. Não raro, a exploração política dos atentados terroristas serve principalmente para esconder ou mascarar a realidade sócio-econômica do país.

Timothy McVeigh é considerado o responsável pelo pior atentado terrorista da história dos Estados Unidos. McVeigh foi condenado à morte por ter explodido em 1995, na cidade de Oklahoma (EUA), um prédio do governo federal, em que morreram 168 pessoas e mais de 500 ficaram feridas. A execução estava marcada e chegou a ser adiada em razão de documentos sobre o atentado, em poder do governo, não terem sido entregues a tempo à defesa de McVeigh. A respeito do adiamento, o presidente americano George W. Bush declarou: “Sempre que preparamos a execução da pena de morte, temos a obrigação solene de assegurar que o caso seja encaminhado em conformidade total com as garantias da nossa Constituição”.

O curioso é que a mesma reportagem sobre o terrorista que matou 168 pessoas cita que o presidente dos EUA, George W. Bush, quando governador do estado norte-americano do Texas, autorizou mais de 150 execuções na cadeira elétrica. Um leitor mais atento pode perguntar-se pelas diferenças entre o terrorista e Bush, uma vez que ambos tiraram a vida de quase o mesmo número de pessoas. A principal e óbvia diferença é a de que Bush autorizou a execução de 150 pessoas em nome da justiça e com o apoio da lei, enquanto que o terrorista matou as 168 pessoas por crueldade, loucura, etc. Não obstante a diferença quanto a quem pratica o ato, a violência permanece.

Outro dado importante é que o terrorismo aparece como justificativa para a utilização da violência do Estado. Os dirigentes políticos geralmente se aproveitam de atentados para justificar a repressão à violência ilegal. No caso de Israel, por exemplo, os atentados terroristas servem de justificativa para os massacres de árabes e palestinos praticados pela Força de Defesa de Israel. De acordo com informações oficiais, até ao momento cerca de 409 palestinos, 14 árabes israelenses e 79 judeus morreram desde o início da última intifada. A morte de 423 árabes e palestinos contra a de 79 judeus sugere uma desproporção no efeito do uso da violência por ambos os lados. Porém, declarações na imprensa contra o terrorismo palestino são comuns:

O primeiro ministro de Israel, Ariel Sharon, afirmou que a investida fazia parte da “batalha em que está e estará envolvido Israel até que a segurança volte e o terrorismo chegue ao fim. O premiê responsabilizou unidades da ANP (Autoridade Nacional Palestina) por grande parte dos atentados que se cometem contra Israel há oito meses.

 

Em outra afirmação, Sharon foi mais enfático:

A Autoridade Nacional Palestina não intervém para prevenir os atentados terroristas, o que não deixa outra solução a Israel que não seja tomar as medidas necessárias para lutar contra o terrorismo.

 

As medidas necessárias para lutar contra o terrorismo, a que se refere Sharon, foram o disparo, por um helicóptero israelense, de três mísseis contra o carro de um integrante do grupo extremista palestino Jihad Islâmico na Faixa de Gaza. A operação matou Mohamed Abdeal, suspeito de envolvimento com terrorismo, e feriu dezenas de palestinos.

O ex-presidente peruano Alberto Fujimori também utilizou o terrorismo para fins políticos-eleitoreiros. Os dois principais grupos armados do Peru, o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), foram completamente derrotados pelo governo de Fujimori, fato que lhe rendeu grande popularidade. Nas palavras da jornalista peruana Rosana Etcheandia do jornal El Comercio: “Muita gente até hoje preza Fujimori por ter vencido a guerra contra o terrorismo, mas já se sabe que essa guerra não foi tão limpa quanto ele nos fez acreditar”.

A mídia serve, desta forma, como uma espécie de palanque para que chefes de Estado se promovam como garantes da paz e da segurança dos seus países. Um atentado terrorista pode ser explorado de diversas maneiras pelas autoridades de um país. Uma delas é a intensificação da violência estatal como forma de repressão. Outra é a criação de leis draconianas, que têm por objetivo apurar com mais rigor os crimes cometidos pelos terroristas.

2. O terrorismo clandestino e o seu contexto histórico

O termo ‘terrorismo’ passou a ser usado no mundo moderno depois que a Academia Francesa classificou de “período do terror” o regime político existente na França, entre setembro de 1793 e julho de 1794. Durante este período, mais de 300.000 suspeitos foram presos e 17.000 pessoas foram oficialmente executadas.

De acordo com Jean-Claude Buisson, a concepção moderna do emprego do terrorismo como instrumento político coube ao alemão Karl Heinzen (1809-1880), autor de Das Mord (O assassínio), livro que sugere o uso de bombas, veneno e mísseis, bem como a aliança dos revolucionários com o submundo da delinqüência e o uso de fanáticos decididos a sacrificar-se pela causa.

Todavia, muito antes da Revolução Francesa a violência já havia sido utilizada para se alcançar ou manter o poder. Há cerca de 2500 anos, Sun Tzu teorizou sobre a natureza do terrorismo: “mate um, amedronte dez mil”. Ressalte-se que a violência acompanha o homem desde a sua origem. O que muda é a forma como essa violência é explicada e depende, principalmente, de quem escreve a história. Para os turcos, os armênios nunca foram massacrados; para outros, as câmaras de gás nazistas são invenções da propaganda sionista. Clutterbuck explica:

Quando tiveram início as atividades de guerrilha e de terrorismo? Apesar de estarem muito em moda, não são inovações como técnica de luta armada. Historiadores como Heródoto e primitivos filósofos da guerra como Sun Tzu já citavam exemplos deste tipo de combate. Acredita-se até que sua origem é mais remota ainda, datando dos primórdios da civilização. É, talvez, a mais antiga forma de guerra conhecida.

 

Heleno Fragoso, em sua obra Terrorismo e criminalidade política, descreve a evolução histórica do terrorismo. O percurso historiográfico começa pelo Terror da Revolução Francesa e segue analisando a ação do movimento anarquista europeu de finais do século XIX, os grupos revolucionários soviéticos do início do século XX, os movimentos de libertação nacional, a guerrilha urbana e, por fim, os grupos terroristas de esquerda europeus do final da década de 70 e início dos anos 80.

A evolução histórica do terrorismo descrita por Fragoso é encontrada em quase todos os livros de doutrina sobre o tema. A historiografia do terrorismo permite, em seguida, caracterizar a figura estereotipada do terrorista em diferentes momentos da história.

Um problema decorrente desta explicação histórica diz respeito aos intervalos entre um período histórico e outro. Se a Revolução Francesa marcou o início do terrorismo moderno, o qual, em seguida, se manifesta nos movimentos anarquistas do final do século XIX, o que aconteceu neste quase um século de intervalo entre a queda da Bastilha e os movimentos anarquistas? O terrorismo ficou “adormecido” até ao surgimento do movimento anarquista? É provável que não, pois a história registra que, logo após a Revolução Francesa, uma grande onda de violência se espalhou por todo o continente, com a tentativa de conquistar a Europa por parte de Napoleão Bonaparte.

Não deverá o terrorismo praticado pelo Estado ser incluído na historiografia do terrorismo? O professor Fragoso admite a idéia do Estado ser incluído nesta historiografia quando afirma que “o Estado soviético recorreu ao terrorismo com o terrível decreto de 1919”. Todavia, não faz menção, quando trata dessa evolução histórica, de outros momentos da história em que o Estado foi terrorista. Deve a historiografia sobre o terrorismo ser única, furtando-se a diferenciar o terrorismo estatal daquele de grupos clandestinos? Ou tal evolução histórica deve ser descrita de maneira a distinguir entre o terrorismo praticado pelo Estado e aquele praticado por outras instâncias?

O terrorismo moderno dos grupos clandestinos teria surgido com a Revolução Francesa, reaparecido com os movimentos anarquistas do final do século XIX e marcado os acontecimentos que antecederam a Revolução Soviética. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, por todo o planeta surgiriam grupos que lutavam pela independência dos seus países, os quais foram denominados de ‘movimentos de libertação nacional’. Emergiria também a guerrilha urbana, bastante utilizada na América Latina, e o terrorismo das décadas de 70 e 80 na Europa.

 

2.1 O anarquismo faz tremer a Europa.

Para Fragoso, o desenvolvimento do terrorismo no século passado está intimamente ligado ao surgimento do anarquismo. David Rapaport, uma das maiores autoridades no assunto, explica que, se não se compreender a tradição anarquista, ninguém poderá entender a longa persistência e o provável futuro do terrorismo no mundo.

Na concepção fundamental do anarquismo, qualquer forma de poder ou autoridade é danoso aos indivíduos. O Estado é a forma mais evidente de concentração de poder existente e, para um anarquista, a sua destruição é necessária, conforme palavras de Bakunin:

A violência não só abre o caminho para uma boa sociedade, criando um Estado democrático. Ela produz uma melhor sociedade aniquilando diretamente o Estado. A linha existente entre destruição e criação torna-se, então, muito tênue para todas as formas de revolução popular pela destruição, o que acarreta numa simultaneidade entre destruição e criação. O anseio pela destruição significa também um anseio pela criação.

 

Inspirados por tal filosofia política de destruição e violência, inúmeros atos de terrorismo foram praticados por grupos anarquistas no final do século XIX e início do século XX. O mais importante e conhecido desses grupos, o Narodnaya Volya, foi responsável pelo assassinato do Czar Alexandre II.

Segue a “onda de terror”. Em 1878, o rei Guilherme I, da Alemanha, o rei Afonso XII, da Espanha, e o rei Humberto da Itália sofrem atentados à bomba, mas sobrevivem. Em 1879, o czar Alexandre II escapa de dois atentados. Em 1881, porém, em outro atentado, acaba falecendo. No mesmo ano, o presidente americano, Garfield, também é morto em um atentado à bomba. Em 1882, quem escapa de um atentado é a rainha Vitória da Inglaterra. Em 1894, o presidente da França, Sadi Carnot, é morto em mais um atentado. Em 1898, a imperatriz da Áustria é assassinada. Em 1901, o rei Guilherme II, da Alemanha, e o presidente americano McKinley sofrem atentados. Guilherme II sobrevive e o presidente americano acaba morrendo. Em 1908, o rei de Portugal Carlos I é assassinado, sorte igual à de Vítor Emanuel III da Itália, em 1912.

Além de chefes de Estado, policiais também foram vítimas dos atentados. Em 1886, sete policiais foram mortos com a explosão de uma bomba em Chicago. Em 1892, foram registrados nos Estados Unidos mais de 500 atentados, e mais de 1000 na Europa.

A violência disseminada contra policiais, chefes de Estado e civis teve como conseqüência imediata a criação de forte aparato legal em todos os países afetados, bem como uma grande repressão estatal contra tais movimentos, conforme abordado no item referente à legislação contra os movimentos anarquistas.

À exceção do Narodnaya Volya, nenhum dos grupos que provocaram tais atentados se intitulava “terrorista”. Explica Rubenstein:

No meu conhecimento, o último grupo que abertamente se autodenominou terrorista foi o Narodnaya Volya, organização revolucionária composta por estudantes russos que desapareceu no final de 1890. Desde então, o termo ‘terrorista’ vem sendo usado para aqueles que praticam a violência ilegítima (tradução não oficial).

Esta afirmação do professor Rubenstein é o resultado de dez anos de pesquisas sobre o terrorismo e será fundamentada ao longo deste trabalho: os grupos são terroristas porque praticam a violência ilegítima, e porque o sistema político vigente assim os denomina.

 

2.2 A Revolução Soviética

O anarquismo pretendia destruir o Estado e, conseqüentemente, aniquilar a concentração de poder nas mãos de uma minoria. Os revolucionários soviéticos, pela sua parte, pretendiam alcançar o poder e instaurar a ditadura do proletariado. A semelhança entre os anarquistas e os revolucionários soviéticos é que ambos admitiam o uso da violência como forma de alcançar uma sociedade sem classes. Assim como no movimento anarquista, a violência empregada pelos revolucionários soviéticos também era ilegítima, o que permite incluir este movimento revolucionário entre as formas históricas de manifestação do terrorismo.

Lênin e Marx admitiam a utilização da violência como forma de abalar a estrutura política do Estado e conquistar o poder. Lênin considerava estratégica a utilização do terror. Todavia, fazia uma diferenciação quanto ao grau de adesão popular às práticas da violência:

Nós não rejeitamos jamais o princípio do terror, e não rejeitaremos jamais. O terror é uma forma de operação militar que pode ser utilmente empregada e que pode ser essencial em certos momentos da batalha. O problema está em que o terror não é atualmente recomendado como uma das operações que a tropa em campanha deve realizar em estreito contato com o grosso do exército e em harmonia com o plano geral da batalha, mas sim como ataque individual, completamente isolado de todo exército (sem grifo no original).

 

Lênin admitia o uso da violência contra o Estado, desde que a participação das massas fosse completa. A utilização da violência individual ou por pequenos grupos desvirtuaria os propósitos da revolução. Marx, assim como Lênin, rejeitava o terrorismo, pois acreditava em uma reação organizada do proletariado urbano contra a burguesia no poder.

Para Lênin, o terrorismo é a estratégia empregada por grupos de intelectuais, separados das massas, nas quais, na realidade, não confiam e às quais estão organicamente ligados. A sua ação acaba por se pautar por uma desconfiança com relação à insurreição, quando faltam condições necessárias para desencadeá-la.

O não-entendimento entre os revolucionários quanto ao uso da violência foi um dos fatores que com que Marx se empenhasse ao máximo em expulsar Bakunin da Primeira Internacional, que ocorreu em 1872. Para Bakunin, a violência de um pequeno grupo contra o Estado poderia significar um despertar das massas oprimidas, conforme explica o professor Rubenstein:

Organizar a conspiração composta por determinados homens, prontos para serem sacrificados em nome da revolução e que se reuniriam em um determinado momento. Então, em um apropriado local, com armas em punho, eles iriam iniciar a revolta. Este grupo iria atacar em primeiro lugar a prefeitura e, em seguida, passariam à liquidação de todo o regime existente, o que incluiria confiscos de propriedades, fábricas, etc. (sem grifo no original).

 

Enquanto que Marx e Lênin legitimavam apenas a violência iniciada pelas massas, Bakunin acreditava que um pequeno grupo, empenhado e organizado na luta contra o Estado, poderia, a partir de atos violentos, iniciar a revolta de toda a população oprimida. Surge, então, a concepção de guerrilha: a população armada contra o sistema e não mais a ação individual ou de pequenos grupos.

Trotsky admitia o uso do terrorismo. Em sua obra Moral e Revolução, Trotsky afirma que a moral é um produto do desenvolvimento social; que não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios. Com base nesse relativismo moral, Trotsky, usando a velha máxima maquiavélica segundo a qual os fins justificam os meios, defendia que

Aquele que, em princípio, renuncia ao terrorismo, isto é, às medidas de intimidação e repressão visando à contra-revolução armada, deve renunciar também à dominação política da classe operária, à sua ditadura revolucionária. Quem renuncia à ditadura do proletariado, renuncia à revolução social

A revolução exige que a classe revolucionária faça uso de todos os meios possíveis para alcançar os seus fins; a insurreição armada, se for preciso; o terrorismo, se for necessário (grifo nosso).

Trotsky fala expressamente em terrorismo e admite a sua utilização como meio de alcançar a revolução do proletariado e, principalmente, impedir o surgimento de medidas contra-revolucionárias. Com a concretização da Revolução Bolchevique, os revolucionários assumem o poder, e passam a empregar a violência estatal para garantir o sucesso da Revolução. Deixaremos uma análise mais detida do terrorismo de Estado soviético para o Capítulo II.

Apesar das diferenças teóricas entre os revolucionários soviéticos quanto ao uso da violência contra o regime czarista, na prática esses revolucionários cometeram atentados violentos contra o governo instituído, e por isso foram chamados terroristas. Em 1906, o Partido Operário Social-Democrata Russo estabelecia que o partido deve reconhecer as ações militares dos guerrilheiros; que elas devem visar à destruição do aparelho governamental; que são permitidas as ações armadas para a captura de meios financeiros pertencentes ao adversário e que as ações militares dos guerrilheiros devem ser controladas pelo partido.

 

2.3 Os movimentos de libertação nacional

Os movimentos de libertação nacional, outra forma de manifestação violenta, foram denominados de terrorismo. Sobre o assunto, explica Fragoso:

Após a segunda guerra, o terrorismo ressurge nos movimentos de libertação nacional, notadamente na Argélia, em Chipre e no Quênia, através de vasta gama de atividades, que incluíam a intimidação, o seqüestro, a sabotagem, assassinatos de agentes do poder público e matança indiscriminada (grifo nosso).

 

A impressão com que se fica da leitura de Fragoso é a de que após a Revolução Soviética o terrorismo ficou adormecido, tendo reaparecido em 1945, com os movimentos de libertação nacional. O mais interessante é que Fragoso admite expressamente a existência do terrorismo de Estado. Todavia, ao escrever a história do terrorismo, não analisa os Estados terroristas, à exceção da ditadura de Stálin, à qual dedica apenas um parágrafo.

É fato que, com o fim da segunda guerra mundial, o desejo de liberdade foi despertado nos povos colonizados. Na Argélia, onde viviam duas comunidades de culturas bem diferentes - 8 milhões de autóctones e perto de um milhão de franceses -, a revolta foi extremamente violenta. A grande maioria da população, os 8 milhões de autóctones, subjugada e cada vez mais empobrecida, desenvolveu um ódio muito grande dos colonizadores franceses, conforme afirma Chaliand:

Negados na sua identidade e na sua representatividade, os argelinos, que eram chamados de “muçulmanos”, viam-se impedidos legalmente de estudar, nas escolas públicas, a língua oficial da maioria deles: o árabe. Durante a colonização por povoamento, um milhão de cidadãos, na maior parte franceses, chamados segundo o costume da época colonial de “europeus”, tinham monopolizado e exploravam três milhões de hectares das melhores terras de planícies e ocupavam inúmeros empregos na cidade, principalmente as funções públicas, a que os “muçulmanos” não podiam pretender.

 

A violência foi a resposta mais óbvia por parte dos argelinos. Somente na região de Argel, de primeiro de novembro de 1954 a primeiro de dezembro de 1957, houve 6.280 atentados, com 4.600 vítimas civis: 2.500 mortos, dos quais 485 europeus; 2.100 feridos, sendo 925 europeus.

A insurreição foi desencadeada por um grupo de homens pouco conhecidos que, apesar de não serem notórios, possuíam sólida penetração nas suas regiões de origem. A população camponesa deu-lhes rapidamente apoio, instigada pelos movimentos de independência dos países vizinhos, Tunísia e Marrocos, que vinham cativando a população. Para Bonet, a partir desta insurreição surgem, então, os terroristas argelinos:

Por seu lado, os bandos agem pela persuasão ou pelo terror. Obrigam as populações flutuantes a participar do recrutamento, do suprimento, de atos de sabotagem ou do terrorismo. É o menor risco, pois toda recusa implica no degolamento imediato. Surge, desse modo, uma zona de silêncio, dificilmente rompível. Os bandos, inclusive, possuem seus lugares de segurança, suas redes de espiãs e agentes de informação, seus depósitos de suprimento e de armas.

 

Os terroristas argelinos, integrantes de uma sociedade política, cultural e economicamente espoliada, foram rapidamente massacrados pelas tropas francesas em 1957, quando a França resolveu levar a sério o levante argelino.

Que faziam os franceses na Argélia? O que havia gerado a violência dos argelinos revoltosos? Os movimentos de libertação nacional não consagraram os Estados como terroristas; foram antes os grupos armados, que lutavam contra a ocupação estrangeira, a passar a ser denominados de terroristas. O uso da violência na Argélia não difere muito da dos outros países africanos e asiáticos que lutaram pela independência dos seus povos.

Os judeus, que hoje possuem um Estado, já foram considerados terroristas pelos ingleses. O Irgun, exército clandestino sionista, que lutava pela expulsão das tropas britânicas e criação de um Estado judeu, utilizou com bastante eficiência o terrorismo. O mais interessante é que o líder terrorista do Irgun, Menachem Begin, se tornou primeiro-ministro de Israel, no período de 1977 a 1983.

2.4 A guerrilha urbana

A guerrilha urbana não é considerada propriamente terrorismo. Afirma-se que a guerrilha emprega técnicas terroristas para alcançar seus fins. Pela definição do Dicionário de Política de Norberto Bobbio, guerrilha é um tipo de combate caracterizado pelo choque entre formações irregulares de combatentes e um exército regular ou oficial.

A guerrilha possui fins políticos e está quase sempre associada a Estados no seio dos quais a desigualdade social é muito grande. Baseia-se no princípio de que pequenas forças podem mobilizar a grande massa da população explorada. Carlos Marighela, ao justificar a guerrilha, afirmava que:

A guerrilha urbana é um inimigo implacável do governo e sistematicamente inflige dano às autoridades e aos homens que dominam o país e exercem poder. A principal tarefa da guerrilha urbana é a de distrair, desgastar e desmoralizar os militares, a ditadura militar e suas forças repressivas, e também a de atacar e destruir a riqueza e a propriedade dos norte-americanos, de gerentes estrangeiros e da classe alta brasileira.

 

A guerrilha urbana pode ser considerada uma forma de terrorismo, uma vez que são empregados métodos tidos como terroristas, tais como: seqüestros, assassinatos seletivos, explosão de bombas em lugares freqüentados por civis, apoderamento de aeronaves, etc. Foi muito empregada na América Latina e ainda o é, principalmente na Colômbia. Ela surgiu como uma continuação do modelo de guerrilha rural ocorrida em Cuba, sem sucesso em outros países.

A primeira tentativa aconteceu em 1966. Che Guevara estabeleceu-se na Bolívia e tentou empregar a mesma tática de guerrilha da revolução cubana. Foi morto e a pretensa revolução boliviana não obteve sucesso. O fracasso repetiu-se no Uruguai, na Venezuela, no Paraguai, no Peru, no Equador, na Colômbia e no Brasil.

 

2.5 O terrorismo dos anos 70 e 80.

O terrorismo de esquerda ganhou força no início dos anos 70, principalmente na Europa. Diversos grupos foram considerados terroristas; entre os principais estão o ETA, na Espanha; o grupo Baader-Meinhof, na Alemanha; as Brigadas Vermelhas e o Primeira Linha, na Itália; o IRA, na Irlanda do Norte; o Exército Vermelho Japonês, o Hamas, o Al-Fatah e outros grupos terroristas do Oriente.

Para alguns autores, o terrorismo de esquerda estaria ligado à chamada “cultura de 68”, das violentas manifestações estudantis ocorridas em 1968, especialmente na França, com reflexos nos Estados Unidos, no Japão e em quase toda América Latina. Todavia, deve-se ter claro que os terroristas não se originaram dessas manifestações; antes, elas indicavam a tendência de revolta e de utilização da violência pelos indivíduos.

Para Hannah Arendt, o fato de a revolta estudantil ocorrer nas principais universidades do mundo indicava que esse era um fenômeno mundial, ou seja, a percepção sobre os problemas sociais e econômicos passaram a ser tratados com extrema violência por parte dos Estados em boa parte do planeta. Segundo Arendt,

Se é impossível descobrir um denominador social comum no movimento, é igualmente verdade que, do ponto de vista psicológico, essa geração parece dotada de uma verdadeira coragem, de uma espantosa vontade de agir e de uma confiança não menos espantosa nas possibilidades de uma mudança.

 

Dados da Agência Central de Inteligência (CIA), do governo estadunidense, comprovam a escalada da violência. Segundo estatísticas da Agência, houve entre 1968 e 1976 1.152 atos de terrorismo internacional: Europa ocidental (451); América Latina (317); Oriente Médio e norte da África (132); América do Norte (131), Ásia (54); África subsaariana (41); ex-URSS e leste europeu (19). Aqui não estão computados os atentados terroristas que teriam sido financiados clandestinamente pela própria CIA. Se estivessem, esse número seria bem maior.

Sobre a possível participação da CIA em atentados terroristas, o professor Pasquino considera que o nascimento do terrorismo italiano aconteceu em 2 de dezembro de 1969, quando, em uma explosão num banco de Milão, 16 pessoas morreram e 40 ficaram feridas. Um grupo fascista de extrema-direita, com estreitas ligações com o Estado italiano, assumiu a autoria do atentado. Não ficou descartada a hipótese de envolvimento da CIA nesse incidente e em outros, cometidos por grupos de direita na Itália, como o da Piazza della Loggia, em Brescia; em San Benedetto Val Sangro; e finalmente na Piazza Fontana, em Milão - que resultaram em 31 mortes.

Os dois principais grupos de esquerda italianos foram as Brigadas Vermelhas e o Primeira Linha. O programa de ação das Brigadas tinha por objetivo a desarticulação total dos instrumentos de poder, definidos como Estado imperialista das multinacionais. Atacavam homens importantes do sistema como os magistrados, políticos, policiais, advogados, jornalistas, etc. A sua principal ação foi o seqüestro e assassinato do então primeiro-ministro italiano Aldo Moro, em 1978. O Primeira Linha possuía uma proposta anarquista e, com os atentados, pretendia deixar o país ingovernável e tornar impraticável o sistema político-econômico.

No Japão, o grupo terrorista mais atuante foi o Exército Vermelho Japonês. Atuava na Ásia, na Europa ocidental e no Oriente Médio. O seu objetivo principal era a destruição do então sistema político japonês e a implementação de uma República baseada nos princípios marxistas. Na Alemanha, outro grupo de inspiração marxista foi o temido Baader-Meinhof. Os seus principais objetivos eram a destruição do capitalismo ocidental e a instauração de uma revolução socialista mundial.

O terrorismo das décadas de 70 e 80, em geral, revelou um alto grau de continuidade e de eficiência organizativa. Eram profissionais. As suas principais ações foram seqüestros de políticos importantes, explosões, seqüestro de aviões e atentados suicidas. Os grupos terroristas dispunham de complexos sistemas técnicos, como armas e meios de comunicação. A repressão, por parte dos governos atingidos, foi duríssima. Para combater o terrorismo, as garantias individuais do cidadão foram eliminadas e leis arbitrárias foram criadas.

 

3. O terrorismo explicado pela doutrina

3.1 Qual o conceito de terrorismo?

Os pesquisadores do terrorismo reconhecem a dificuldade em conceituar terrorismo. Essa dificuldade explica-se, em parte, pela negatividade intrínseca ao termo e por ser utilizado para caracterizar pejorativamente a violência praticada por indivíduos ou grupos:

Chegar a uma definição do terrorismo é difícil. Atualmente ele é tão negativo, é um termo tão desprezado que freqüentemente é utilizado como epíteto sem qualquer sentido coerente relativamente ao que ele de fato significa. Utilizando desta forma propagandística, terrorismo representa o inimigo que é fanático ou radical. Este é o tipo de abuso de linguagem que produz, por exemplo, uma interessante manchete recente num jornal de Chicago: “África do Sul vai dar duro na violência”.

 

Walter Laqueur, em sua obra sobre a história do terrorismo, referindo-se à falta de um conceito universal sobre o tema, afirma que uma definição do gênero não existe e não será encontrada num futuro imediato. José Irureta Goyena, citado por Fragoso, afirma que

o terrorismo é um desses vocábulos que considera glorificados, cujo conteúdo até o momento não foi possível precisar. Um desses vocábulos chamados de aureolados, cujo conteúdo ninguém até ao momento conseguiu precisar. O crime é tão vago, tão abstrato, que sinto certa inquietude em jurisdicioná-lo a fim de punir um crime cuja esfera de atuação, cujos limites não foram precisados com a clareza acuidade necessária (tradução do autor).

 

A dificuldade encontrada pelas legislações surgidas desde o movimento anarquista, ao tentar tipificar o crime de terrorismo, também acomete a doutrina. Não existe uma definição universal para o terrorismo e, muitas vezes, no mesmo país, a diversidade de entendimentos sobre o termo é grande.

Rubenstein explica que “terrorism is a word used by “ins” to describe the violence of the “outs”. O terrorismo é uma palavra usada por aqueles que estão no poder, para descrever a violência praticada por aqueles que pretendem conquistá-lo. A definição de Rubenstein pode ajudar no entendimento histórico do termo terrorismo. Porque, principalmente a partir dos movimentos anarquistas, convencionou-se denominar de terrorismo toda a violência praticada por grupos contrários ao sistema político-social vigente.

O rótulo de terrorista depende de quem pratica e de quem sofre a violência. Para a grande maioria dos israelenses, e principalmente para o Estado de Israel, todos os árabes são potencialmente terroristas. Para o povo árabe, que vive nos territórios ocupados, o Estado de Israel é terrorista.

Todavia, a Doutrina convencionou denominar de terrorismo a violência tida como ilegítima, praticada por grupos contrários ao regime político vigente. Quando a violência é praticada por Estados denominados de “totalitários” ou ditaduras dá-se o nome de “terror”:

O recurso do terror por parte de quem já detém o poder dentro do Estado não pode ser arrolado entre as formas de terrorismo político, porque este se qualifica, ao contrário, como o instrumento ao qual recorrem determinados grupos para derrubar um governo acusado de se manter por meio do terror.(sem grifo no original)

 

Por quê essa diferenciação confusa? E o que, substancialmente, diferencia “terrorismo” de “terror”? A Doutrina é frágil ao convencionar essa diferenciação e não explica por que apenas a violência ilegítima é considerada terrorismo, já que tanto a violência praticada por grupos contrários ao regime político vigente, como aquela praticada por governos constituídos, visa o mesmo objetivo: o poder. Segundo o professor Christian Caubet, o regime dos governos ditatoriais não são assimilados à noção de Estado terrorista “simplesmente porque o Estado não pode ser terrorista, por ser o Estado”.

Algumas definições de terrorismo demonstram o relativismo do termo. Por exemplo, Raymond Aron define a ação terrorista como aquela cujos efeitos psicológicos são desproporcionais ao seu resultado físico. É uma definição vaga e pode ser aplicada a uma infinidade de fatos. Laqueur, embora reconheça o relativismo do termo, apresenta uma definição mais específica de terrorista: “terrorista político é alguém que sistematicamente faz uso de assassinato, causa ferimentos, destruição e outros meios de intimidação coercitiva visando a objetivos políticos”.

Essas definições podem ser aplicadas tanto ao Estado como a grupos contrários ao regime, posto que nenhum dos autores aborda a questão da legitimidade da violência. Avaliar o terrorismo pelo exclusivo critério da ilegalidade é privilegiar a forma sobre a substância. Na verdade, a doutrina postula que a legitimidade do uso da violência está concentrada apenas nas mãos do Estado. Não se admite que possa haver legitimidade fora do Estado.

Por exemplo, George Washington, primeiro presidente dos EUA, era considerado terrorista pela coroa britânica, porque comandava um grupo de revolucionários que resistiram ao exército inglês. Yasser Arafat, líder palestino, passou a ser recebido por todos chefes de Estado, a partir do momento em que a OLP saiu da clandestinidade. Antes, era considerado um dos maiores terroristas do Oriente Médio.

Na verdade, o terrorismo pode ser definido pela ação praticada, e não por quem praticou a ação terrorista. Desse ponto de vista, a ação terrorista é praticada por governos estabelecidos, por grupos contrários aos governos estabelecidos e ainda por indivíduos, isoladamente. A ação terrorista tem sempre motivação política e contém, necessariamente, violência, seja física ou psicológica, que elimina os direitos humanos do cidadão.

A partir desta perspectiva, deve-se admitir que existe “terrorismo de Estado”. Mas se o Estado é ou pode ser terrorista, infere-se também que o Estado é criminoso, afinal terrorismo é crime. Como aceitar que o Estado, não os seus agentes, constitui uma organização criminosa? O único argumento que poderia refutar a idéia de terrorismo de Estado seria a legalidade da violência estatal. Mas será que o fato da lei justificar o uso da violência por parte dos aparelhos repressivos do Estado afastam o terror da pena de morte, por exemplo?

Os autores que admitem que o Estado pode ser terrorista incorrem em algumas incoerências. Por exemplo, Paul Wilkinson afirma que o terrorismo consiste:

numa política contínua que envolve a deflagração do terror organizado, seja da parte do Estado, de um movimento ou facção, ou por um pequeno grupo de indivíduos. O terrorismo sistemático invariavelmente obriga a alguma estrutura organizacional, por rudimentar que seja, e a alguma forma de teoria ou ideologia do terror.

 

Mesmo admitindo que o Estado pode ser terrorista, Wilkinson considera que devem ser iniciadas ações antiterroristas efetivas a curto prazo, em particular pelos governos constitucionais democráticos já submetidos ao ataque terrorista. Ora, por outras palavras admite-se que alguns terroristas (do Estado) devem combater aqueles terroristas que estão fora do poder. Ou seja, admitir que o Estado é terrorista sem analisar as conseqüências deste fato significa justificar o terrorismo legal.

Noam Chomsky explica que a definição de terrorismo pode ser aquela retirada dos documentos oficiais dos EUA, ou seja “ o uso calculado da violência ou da ameaça de violência para atingir objetivos políticos, religiosos ou ideológicos, em sua essência, sendo isso feito por meio de intimidação, coerção ou do medo”. A partir desta definição, Chomsky alerta para a utilização do termo terrorismo para designar apenas atos de violência cometidos pelos “inimigos” e nunca pelo Estado. Todavia, ele recorda que os EUA são o único país que já foram condenados pela Corte Internacional de Justiça pelo uso ilegal da força, quando as forças militares norte-americanas financiaram tropas contrárias à Revolução Sandinistas na Nicarágua. Para Chomsky, essa ação também é uma forma de terrorismo internacional.

Argumentar, a este propósito, que apenas os Estados totalitários devem ser classificados como terroristas é descabido, uma vez que as democracias liberais ocidentais, somente contabilizando as duas grandes guerras do século XX, assassinaram mais de 50 milhões de pessoas, deixando 100 milhões feridos e mais de 100 milhões refugiados.

3.2 Elementos característicos do terrorismo

Em razão da dificuldade de encontrar uma definição coerente para terrorismo, muitos autores identificam os atos terroristas em seus elementos mais característicos. Para Fragoso, não existe definição específica para o delito de terrorismo, antes características que são comuns a todo ato terrorista. A primeira é o fato de causar dano considerável a pessoas e a coisas; a segunda, é a criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada; e por fim, a presença de uma finalidade político-social no ato.

Luigi Bonanate discorre sobre o verbete “terrorismo político” no dicionário de política de Norberto Bobbio, identificando as seguintes características:

O terrorismo apresenta algumas características fundamentais. 1) A organização: o terrorismo, que não pode consistir em um ou mais atos isolados, é a estratégia escolhida por um grupo ideologicamente homogêneo, que desenvolve sua luta clandestinamente entre o povo para convencê-lo a 2) recorrer a ações demonstrativas que têm, em primeiro lugar, o papel de ‘vingar’ as vítimas do terror exercido pela autoridade e, em segundo lugar, de ‘aterrorizar’ esta última, mostrando como a capacidade de atingir o centro do poder é o resultado de uma organização sólida e 3) de uma mais ampla possibilidade de ação, através de um número cada vez maior de atentados (veja-se a sucessão dos anos de 1878 a 1881 na Rússia, que simbolizava o crescimento qualitativo e também quantitativo do movimento revolucionário).

 

Com a primeira característica apresentada, o autor automaticamente já restringe o terrorismo aos grupos clandestinos que lançam mão da violência como estratégia de luta. Com a segunda característica, o autor reconhece que a autoridade exerce o ‘terror’ e que os grupos clandestinos lançam mão do terrorismo para ‘vingar’ e ‘aterrorizar’ o ‘terror oficial’. E na última, apenas afirma a utilização de uma número cada vez maior de atentados como característica.

Infere-se, por intermédio das características apresentadas, que o Estado utiliza o ‘terror’, e os grupos clandestinos o terrorismo. O primeiro é permitido e o segundo deve ser reprimido. Mas qual os elementos substanciais que diferenciam o ‘terror da autoridade’ do ‘terrorismo dos grupos clandestinos’?

O professor Celso D. de Albuquerque Mello entende que o terrorismo é imprevisível e arbitrário; a vítima não tem meios de o evitar; é amoral no sentido de que não leva em consideração argumentos humanitários. Joaquim Nsefum aponta as seguintes características: um ato criminoso; com o emprego da violência e meios capazes de criar perigo comum; uma causa consistente na criação de um estado de tensão; um fim último, que deve ser político.

Para os autores citados, o elemento comum é a violência. Entretanto, a variedade de características do terrorismo é grande, assim como as tentativas de definição do termo. A tortura, por exemplo, pode perfeitamente ser enquadrada em todas essas características. A tortura é imprevisível e arbitrária; a vítima não tem meios de evitar; e, por fim, a tortura não leva em consideração os argumentos humanitários. Assim, com base nos elementos citados por Mello, a tortura pode ser considera uma forma de terrorismo, não importando quem a pratique.

Em resumo, violência física e psicológica, medo, dano material, imprevisibilidade da realização do ato e violação dos direitos humanos são características do terrorismo, desde que a motivação seja política. Esses elementos são encontrados nas seguinte ações: uma bomba que explode em um avião em pleno vôo, um assassinato de um chefe de Estado, intoxicação do sistema de abastecimento de água de uma cidade populosa, etc.

Por outro lado, os mesmo elementos são encontrados: na tortura de um preso, na pena de morte, na pena restritiva de liberdade, no ‘desaparecimento forçado’ de uma pessoa e numa guerra, por exemplo. A única diferença é que o Estado pratica seus atos de violência com base na lei. Mas será este elemento suficiente para livrar o estado do apodo de terrorista?

 

4. O Direito e o terrorismo

4.1 Reação ao anarquismo do século XIX

Na Europa, o terrorismo passou a ser disciplinado pelo Direito a partir dos movimentos anarquistas do final do século XIX e início do século XX. Na Inglaterra, em 1883, foi editado o Explosive Substance Act, que punia o indivíduo ou grupo de pessoas que causassem explosão, colocando em perigo a vida ou a propriedade. Na Alemanha, em 1884, criou-se a lei contra o uso criminoso e provocador de perigo comum de substâncias explosivas. As penas eram severas e a provocação ou apologia das práticas tipificadas eram também punidas.

Influenciados pela Inglaterra e pela Alemanha, quase todos os grandes Estados europeus criaram leis contra o terrorismo. Áustria (1885); Dinamarca (1886); Bélgica (1886, 1887, 1891); França (1892, 1893); Espanha (1894); Suíça (1894) , Itália (1894).

O século XIX foi marcado pela acentuação das desigualdades econômicas entre a classe operária e a burguesia. As revoluções burguesas ocorridas em toda a Europa não garantiram as liberdades pretendidas pela maioria do povo. Por outro lado, a revolução industrial, embora tivesse proporcionado imenso crescimento econômico aos grandes Estados europeus, teve como principal conseqüência o surgimento de uma nova sociedade, em que o contraste entre o pequeno número de proprietários e a imensa maioria de trabalhadores assalariados era cada vez mais evidente e insuportável.

Para os anarquistas, essas desigualdades tinham como causa principal a estrutura política de poder por meio da qual se organizava a sociedade européia. O Estado servia exclusivamente para assegurar o poder à burguesia. Para o anarquismo, que rejeitava toda forma de autoridade, o Estado, órgão repressivo por excelência, deveria ser destruído. Diferentemente de Hobbes, que via o Estado como a única forma de garantir a coexistência pacífica entre os indivíduos (posto que o homem é mau no seu estado de natureza), o anarquismo preconiza que o homem é naturalmente bom, sendo que os males e distorções desse estado de bondade seriam conseqüências da corrupção que as instituições estatais lhe impõem. Para o anarquista, o Estado não está apenas na raiz de todo o mal social, é também o criador da ordem econômica existente e do capitalismo moderno.

Parte da teoria anarquista defendia a violência e a revolução como formas de atingir o seu objetivo. Todavia, a violência seria apenas o instrumento necessário de transformação da sociedade. Proudhon, um dos primeiros teóricos do anarquismo, por exemplo, afirmava que a propriedade é um roubo e preconizava a criação de uma sociedade de camponeses e artesãos independentes, submetidos a um sistema de crédito mútuo, financiado por bancos populares.

Mikail Bakunin foi, talvez, o maior representante das idéias anarquistas do final do século XIX. Na obra Deus e o Estado, Bakunin faz uma crítica ao Estado moderno que justificava a autoridade com bases em dogmas religiosos. Para ele, a religião, através da Igreja Católica, era uma a forma de manter o povo ignorante e submisso à autoridade estatal: Deus aparece, o homem se aniquila. Preconizava Bakunin:

Numa palavra, rejeitamos toda a legislação, toda a autoridade e toda influência privilegiada, titulada, oficial e legal, mesmo emanada do sufrágio universal, convencidos de que ela só poderia existir em proveito de uma minoria dominante e exploradora, contra os interesses da imensa maioria subjugada. Eis o sentido no qual somos realmente anarquistas.

 

Bakunin pregava que as instituições e todas as formas de autoridade que subjugavam essa maioria deveriam ser destruídas:

E para isso, só há um meio: destruir todas as instituições da desigualdade; estabelecer a igualdade econômica e social de todos, e, sobre esta base, elevar-se-á a liberdade, a moralidade, a humanidade solidária de todos.

 

Os anarquistas entendiam que vários meios poderiam ser utilizados para alterar o sistema de poder. Um deles seria a educação libertária, a construção de um sistema de educação desvinculado da ideologia da sociedade repressiva. Um sistema educacional capaz de contribuir para a criação do homem livre, sem constrangimento espiritual e, principalmente, sem os condicionamentos da sociedade capitalista, entendida como perversa.

Em 1869, Necaev, que se auto-intitulava discípulo de Bakunin, escreveu o Catecismo Revolucionário, uma apologia à violência e à destruição completa do Estado:

O revolucionário despreza todo doutrinarismo e renuncia às ciências profanas, que ele deixa às gerações futuras. Ele não conhece senão uma ciência, a ciência da destruição. É por isso, e somente por isso, que ele estuda atualmente a mecânica, a física, a química e mesmo a medicina. Por isso ele estuda dia e noite a ciência viva - os homens, os caracteres, as situações e todas a condições do regime atual, em todas as camadas possíveis. O seu propósito é apenas um: a destruição o mais rapidamente possível deste regime imoral.

 

O Estado não poderia conviver com os movimentos anarquistas. O seu grau de insubordinação e uso da violência significavam uma grande ameaça ao sistema político vigente. Assim, leis foram criadas com objetivo específico de reprimir ao máximo toda e qualquer atividade com propósitos anarquistas.

 

4.2 Legislação sobre o terrorismo a partir da metade do século XX.

Os Estados europeus passaram a incluir o crime de “terrorismo” nos seus códigos penais após o fim da II Guerra Mundial. Sempre existiu grande dificuldade em tipificar o terrorismo, em razão da relatividade do termo. Qualquer medida violenta contra a segurança do Estado poderia ser considerada prática de terrorismo. Verificou-se que nos países ditos comunistas os crimes contra o Estado foram duramente reprimidos e o tipo penal “terrorismo” surgiu como forma de garantir ainda mais o poder estatal.

O Código Penal da ex-Tchecoslováquia, de 1950, denominava terrorismo “quem, com o fim de atemorizar alguém ou tornar impossível a sua participação ativa na construção da república democrática popular, causar a outrem dano à saúde, lesão patrimonial considerável ou qualquer outro grave prejuízo”. O artigo da lei utiliza termos imprecisos, como “atemorizar” ou “tornar impossível sua participação ativa na construção da república”, de difícil aplicabilidade em fatos concretos. O emprego de termos e expressões do gênero tornou-se comum nas demais legislações européias sobre o terrorismo.

O Código Penal da República Democrática Alemã, de 1968, definiu como “terror” a explosão, o incêndio, a destruição ou outro ato de violência praticados em relação a bens do patrimônio público ou de interesse social com o fim de criar ou fomentar resistência à ordem do Estado. No Código Penal alemão, as ações estão melhor definidas, e, ademais, o Código alemão especifica que o ato deve ser motivado pela resistência à ordem do Estado.

De maneira semelhante, o Código Penal soviético de 1960 previu o ato de terrorismo, entre os crimes contra o Estado. Aquele que cometesse homicídio de uma pessoa que exercesse função pública ou de representante do poder do Estado, com a finalidade de abater ou enfraquecer o poder soviético, deveria ser punido. Este crime estava prescrito sob a classificação de “Ato terrorístico”.

O Código Penal (CP) da ex-Iugoslávia, de 1951, prescrevia em seu artigo 114 o tipo “destruição de importantes objetos econômicos”, entre os crimes contra o povo e o Estado. O tipo previa numerosas ações de destruição e danos praticados com o propósito de minar o poder ou a economia popular. As penas cominadas chegavam a doze anos de prisão. Embora o tipo penal pudesse ser aplicado a possíveis terroristas, o Código Penal iugoslavo não o definia como “terrorismo”.

O CP húngaro de 1961 previa, com o nome de “destruição”, os crimes contra os bens, instalações e serviços públicos. Debilitar o Estado ou a ordem econômico-social do país era tratado como dolo específico. A pena aplicada variava de 5 a 20 anos, podendo, inclusive, o criminoso ser condenado à pena de morte, caso o prejuízo fosse muito grave. O CP húngaro também não definia o tipo penal como sendo o de “terrorismo”

O Código Penal búlgaro, de 1968, também continha uma seção de crimes contra o Estado. O artigo 106 previa que “o dano ou a destruição de diversos bens públicos ou de utilidade pública com o propósito de debilitar o poder ou criar-lhe dificuldade” seria punido com pena de prisão de até 20 anos e, assim como no direito húngaro, o criminoso poderia ser condenado à morte caso o dano fosse muito grave.

Na Europa Ocidental, os países que mais sofreram com o terrorismo foram a Alemanha, a Itália, a Espanha e o Reino Unido. Nesses países, foram criadas leis especiais muito rigorosas, que eliminaram garantias processuais e as liberdades individuais. Na Alemanha, na década de 1960, Ulrike Meinhof e Andreas Baader foram os personagens que mais se destacaram, formando o grupo conhecido como Baader-Meinhof. Na Itália, dois grupos ficaram bem conhecidos: Prima Linea e as Brigadas Vermelhas. Na Espanha, o problema mais grave diz respeito ao ETA, que tem por objetivo a criação de um País Basco independente. No Reino Unido, o IRA (Irish Republican Army ou Exército Republicano Irlandês) tem como objetivo principal a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido.

Na Alemanha, a primeira lei, de dezembro de 1974, introduz modificações no CP alemão. A mais importante foi o fim da defesa coletiva. A partir desta lei, mesmo que o atentado tivesse sido cometido por vários integrantes de um grupo terrorista, os participantes seriam julgados separadamente. O objetivo era evitar que a defesa alegasse resistência ao imperialismo e enfraquecesse a possibilidade de condenação.

Uma segunda lei, de 1976, submetia ao judiciário toda correspondência entre acusados e defensores. O advogado poderia ser acusado e condenado por associação criminosa, dependendo do conteúdo da correspondência. Outras três leis especiais de repressão ao terrorismo foram editadas na Alemanha, respectivamente nos anos de 1977, 1978 e 1979 - todas de caráter arbitrário.

Na Espanha, na Itália e no Reino Unido, as legislações sobre a repressão ao terrorismo também foram muito duras e, assim como as leis alemãs, suprimiram várias garantias individuais, nas décadas de 1960 e 1970. Entre as medidas comuns estavam o fim da liberdade provisória, a condenação de atos preparatórios, prisão com base apenas em indícios, fim do sigilo telefônico e a criação de processos sumários.

De forma arbitrária, as legislações européias contra o terrorismo eliminaram as garantias processuais e as liberdades fundamentais do indivíduo. A edição de leis casuísticas criou o tipo penal “terrorismo”, desprovido de qualquer objetividade. As leis descreviam crimes imprecisos, possibilitavam interpretações discricionárias e geravam total insegurança em qualquer um que fosse processado. Todas as medidas eram justificadas junto à sociedade em razão da sua finalidade, qual seja, a suposta luta contra o terrorismo.

4.3 As legislações latino-americanas contra o terrorismo

Na América Latina, o fenômeno da tipificação abstrata do terrorismo não foi muito diferente do ocorrido na Europa. A tipificação vaga de crimes, que não identificavam de forma precisa a ação delituosa, possibilitou a interpretação subjetiva do fato a ser julgado e gerou, por conseqüência, a prática indiscriminada da arbitrariedade.

O Código Penal colombiano, de janeiro de 1981, previa, no título referente aos crimes contra a segurança pública, o tipo terrorismo. A conduta punível restringia-se ao emprego de meios de destruição coletiva contra pessoas ou coisas, e a pena máxima poderia alcançar 20 anos de prisão.

O CP da Nicarágua, de 1976, inova em seu caráter arbitrário. No capítulo referente ao terrorismo, uma série de ações são previstas como crimes de terrorismo: o uso de arma de guerra, a importação de armas, a sabotagem, a ameaça às instituições do país, etc. O Código previa, em seguida, que, caso não fosse possível identificar os autores do atentado, responderiam pelo crime promotores ou instigadores. Qualquer cidadão que manifestasse o seu pensamento a respeito poderia ser acusado e condenado pela prática do terrorismo.

O CP da Costa Rica de 1970 também é impressionante. No capítulo dos crimes contra os Direitos Humanos, o artigo 372 refere-se ao tipo denominado de “delitos de caráter internacional” e prevê a punição de “atos de terrorismo”, sem, todavia, definir a natureza de tais crimes.

A legislação latino-americana mais antiga sobre terrorismo pertence ao México. O Código Penal de 1931 previa a pena de prisão de até 40 anos para os delitos que resultassem em danos a pessoas, coisas e serviços públicos. O tipo penal exigia ainda que o dano causado produzisse terror na população ou menosprezasse a autoridade do Estado. Sobre o CP mexicano, afirma Fragoso:

O CP mexicano, em matéria de pena, é surpreendente, estabelecendo uma escala penal que vai de 2 a 40 anos. Essa enorme diversidade de critérios é bem representativa das incertezas doutrinárias a que dão lugar os fatos que constituem o terrorismo.

 

As legislações contra o terrorismo na América Latina surgiram durante o período de ditadura militar. Em nome da “segurança nacional”, prescreviam através de leis arbitrárias toda forma de abuso de autoridade e desrespeito às liberdades fundamentais do indivíduo. A tortura praticada pelo Estado era corriqueira. Em alguns países, inclusive no Brasil, o habeas corpus foi suspenso e a pena de morte foi introduzida para crimes políticos. Nota-se ainda que tanto nos países comunistas como nas ditaduras latino-americanas, as legislações contra o terrorismo protegiam o Estado, o qual era extremamente violento. Afastará a simples edição de uma lei a possibilidade de aplicação do termo “terrorista” ao Estado?

Durante o período em que regimes comunistas e ditatoriais vigiam na Europa, milhares de pessoas foram mortas, torturadas, perseguidas, etc., sob a justificativa da ‘proteção do Estado’. Eram crimes “legalizados” que disseminavam o medo em grande parte dos Estados afetados.

No Brasil, três diplomas legais foram editados para a repressão ao terrorismo. Em 4 de abril de 1935, foi editada a primeira lei de segurança, a Lei n. 38. O artigo 13 punia com prisão de 1 a 4 anos quem fabricasse, armazenasse ou produzisse sem licença da autoridade competente substâncias ou engenhos explosivos, ou ainda armas utilizáveis para a guerra, para a destruição em massa. Esta lei punia crimes contra a ordem pública, mas em nenhum momento prescreve o crime de ‘terrorismo’.

Em 5 de janeiro de 1953, é promulgada a Lei n. 1.802 que definia os crimes contra o Estado. Também não prescrevia o crime de ‘terrorismo’, mas punia as seguintes ações: devastação, saque, incêndio, depredação e desordem “de modo a causar danos materiais ou a suscitar terror, com o fim de atentar contra a segurança do Estado”

Com a instauração da ditadura militar em 1964, a repressão pelas autoridades governamentais brasileiras foi muito grande. Em 21 de setembro de 1969, foi editado o decreto-lei n.898, que punia o massacre, a sabotagem e o terrorismo. A lei passa a referir expressamente a expressão ‘terrorismo’, sem todavia defini-la.

Atualmente, no Brasil, existe a Lei n. 6620 de 17 de dezembro de 1978, intitulada de Lei de Segurança Nacional. Esta lei também prevê o crime de terrorismo sem, todavia, definir o que seja. Para o direito interno, um crime não pode ser prescrito apenas com a sua denominação: a conduta deve ser perfeitamente definida; caso contrário, fere princípio da reserva legal. A atitude de incriminar o ‘terrorismo’ apenas genericamente, sem definir, especificamente, a conduta a ser punida, se repete no Direito Internacional.

 

4.4 O terrorismo e o Direito Internacional

O III Simpósio Internacional, realizado em junho de 1973, em Siracusa, na Itália, pelo Instituto Superior Internacional de Ciências Criminais, órgão vinculado à Associação Internacional de Direito Penal, estabeleceu o conceito de terrorismo internacional como “a conduta coercitiva individual ou coletiva, com emprego de estratégias de terror e violência, que contivesse um elemento internacional ou fosse dirigida contra alvos internacionalmente protegidos, com a finalidade de produzir um resultado que se orientasse no sentido de poder”.

Para Fragoso, a conduta conterá um elemento internacional quando o agente e a vítima forem cidadãos de diferentes países e quando a ação for realizada, no todo ou em parte, em mais de um Estado. Para ser considerado terrorismo, além dos dois critérios citados, o ato deve ter sempre finalidade política. Caso contrário, será considerado crime comum.

Do ponto de vista jurídico internacional, a primeira convenção para a prevenção e repressão do terrorismo foi concluída em Genebra em 1937. Na ocasião, definiu-se como atos de terrorismo os fatos criminosos dirigidos contra um Estado e cuja finalidade ou natureza fosse provocar o terror em determinadas personalidades, grupos de pessoas ou no público em geral. Ademais, os Estados se obrigavam a punir os terroristas. O início da II Guerra Mundial e o fato de apenas um país (Índia) ter ratificado o tratado impediram a ratificação do tratado por outros países.

No âmbito das Nações Unidas, a Assembléia Geral condenou o terrorismo em suas Resoluções 3034 (XXVII) de 18/09/1972; 32/147 de 15/12/1976; 34/145 de 16/12/1977; 36/109 de 17/12/1979; 38/130 de 10/12/1981; 40/61 de 19/12/1983; 42/159 de 9/12/1985; 44/29 de 30/11/1987; 46/51 de 9/12/1991; 49/60 de 17/02/1995; 50/53 de 29/01/1996; 51/210 de 16/01/1997; 52/165 de 19/01/1998; 53/109 de 25/02/2000; 54/110 de 2/02/2000 e 55/158 de 30/01/2001.

Foram 15 resoluções editadas pela Assembléia Geral da ONU com medidas para eliminar o terrorismo internacional. Importa ressaltar que até à resolução 44/29, todas as resoluções editadas condenavam os regimes coloniais, da seguinte forma:

Condena os atos de repressão a que seguem entregues os regimes coloniais, racistas e estrangeiros, privando, desta forma, os povos do seu direito legítimo à livre-determinação, à independência, outros direitos humanos e às liberdades fundamentais.

 

A resolução não afirma que o Estado também pode ser terrorista, mas condena os regimes coloniais. À exceção desta mudança, todas as outras resoluções mantêm, basicamente, as mesmas propostas. A resolução 55/158 de 30 de janeiro de 2001 reitera que

Os atos criminosos com fins políticos realizados com a intenção de provocar um estado de terror na população em geral, em um grupo de pessoas ou em determinadas pessoas são injustificados em todas circunstâncias, quaisquer que sejam as considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer outra índole.

 

O trecho acima transcrito aparece em todas as resoluções editadas pela Assembléia Geral da ONU, desde a resolução 46/51 de 9 de dezembro de 1991. Todas as resoluções, sem exceção, condenam o “terrorismo”, obrigam os Estados a implementarem todos os esforços a fim de punir os responsáveis pelo crimes cometidos e reiteram a preocupação da comunidade internacional com o aumento dos atentados terroristas.

É importante assinalar que a resolução 49/60 de 17/02/1995 traz um anexo denominado de “declaração sobre medidas para eliminar o terrorismo internacional”, o qual foi reiterado por todas as resoluções posteriores. Ocorre que este anexo não apresenta nenhuma novidade em relação às resoluções anteriores, ou seja, não define o que é “terrorismo”, apenas o condena e recomenda aos Estados que tomem todas as providências para evitar a ação de grupos terroristas dentro dos seus territórios.

Todavia, apesar de todas as resoluções sobre o tema, a ONU concluiu que

Desde que a ONU realizou o primeiro estudo 210 sobre o terrorismo internacional em 1972, a comunidade internacional não pode chegar a uma definição universalmente aceita daquilo que é preciso entender com a expressão “terrorismo internacional”. Nem tampouco conseguiu chegar a um consenso suficiente sobre as medidas necessárias para prevenir e reprimir as manifestações prejudiciais dos atos de violência terrorista (sem grifo no original).

 

O mais impressionante é que mesmo não chegando a uma definição, após a realização de tantas convenções, a ONU recomenda que os países continuem a esforçar-se para alcançar esta definição e que punam rigorosamente os criminosos:

Sem prejuízo do seguimento dado a esta questão pela Assembléia Geral da ONU, e até que se chegue a uma definição universalmente aceitável do terrorismo internacional, convirá trabalhar com vista a caracterizar os comportamentos que a comunidade internacional julga inaceitáveis e que exigem a aplicação de medidas preventivas e coercitivas eficazes que sejam conformes aos princípios estabelecidos no direito internacional.

 

Parece bem evidente que a ONU, mesmo não sabendo o que é terrorismo internacional, propõem aos seus membros que punam os “comportamentos que a comunidade internacional julga inaceitáveis”. Em resumo, não define terrorismo, mas ainda assim defende a punição dos supostos terroristas? A partir desta perspectiva, qualquer ato pode ser considerado como terrorismo, ou melhor, qualquer ato pode ser punido como tal.

Outras resoluções especificas foram editadas no âmbito da ONU. Em 1973, a Assembléia Geral aprovou a Convenção sobre Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas Internacionalmente Protegidas. Sobre o apoderamento ilícito de aeronaves, três convenções foram realizadas: 1963, 1970, 1971. Essas convenções estabelecem para os Estados a obrigação de incriminar, com penas severas, os criminosos.

No âmbito regional, duas convenções se destacam: a Convenção para Prevenir e Sancionar Atos de Terrorismo, aprovado pela Assembléia Geral da OEA em 1971, e a Convenção européia sobre terrorismo, de 1976. Todavia, ambas as convenções limitam-se a obrigar os Estados contratantes a reprimir o terrorismo, porém não conseguem definir com precisão o crime de terrorismo e a sua natureza - se crime político ou comum.

A Convenção da OEA, editada em 1971, afirma que a organização condena energicamente os atos de terrorismo, em especial a extorsão mediante seqüestro, o homicídio e atentados contra a vida. Conforme o prescrito no artigo primeiro da Convenção,

Os Estados contratantes se obrigam a cooperar entre si, tomando todas as medidas que considerem eficazes de acordo com suas respectivas legislações e especialmente as que são estabelecidas por esta Convenção, para prevenir e sancionar os atos de terrorismo e, em especial, o seqüestro, o homicídio e outros atentados contra a vida e a integridade da pessoas a quem o Estado tem o dever de estender proteção especial conforme o Direito Internacional, assim como a extorsão conexa aos delitos citados (sem grifo no original)

 

Pela leitura do artigo, está claro que o homicídio, a extorsão mediante seqüestro e outros atentados contra a vida e a integridade das pessoas protegidas pelo Direito Internacional são considerados espécies do genérico crime de “terrorismo”. O importante, todavia, é saber a definição do genérico. No artigo primeiro continua prescrito: “para prevenir e sancionar os atos de terrorismo”, mas quais são os atos?

No artigo oitavo da mesma convenção, seguem prescritas 5 obrigações que os Estados devem cumprir como forma de combater o terrorismo. Cabe analisar com mais atenção o primeiro item, o qual determina que

os Estados contratantes devem tomar as medidas a seu alcance, em harmonia com suas próprias leis, para prevenir e impedir em seus respectivos territórios a preparação dos delitos mencionados no artigo segundo e que possam ser executadas em território de outro Estado contratante.

 

Ora, dois delitos são conhecidos: extorsão mediante seqüestro e o homicídio de pessoas protegidas pelo Direito Internacional. E os “atos de terrorismo” que não foram definidos, como serão prevenidos e punidos? Em resumo, a Convenção da OEA para a prevenção do terrorismo não define especificamente os crimes que devem ser punidos e ainda determina aos Estados que adotem as medidas necessárias para a prevenção desses mesmos crimes em seus respectivos territórios. Parece um pouco absurdo.

A Convenção Européia para a Supressão do Terrorismo, concluída em 27 de janeiro de 1977, é um pouco mais completa do que a editada pela OEA, já que ao menos define, no artigo primeiro, 6 crimes como sendo terrorismo:

a)infrações penais compreendidas no campo de aplicação da convenção para a repressão da captura ilícita de aeronaves, de 16/12/1970; b) infrações penais compreendidas no campo de aplicação da convenção para repressão de atos ilícitos dirigidos contra a segurança da viação civil de 23/09/1971; c)infrações graves constituídas por ataque à vida, à integridade corporal ou à liberdade das pessoas que tenham direito à proteção internacional, inclusive agentes diplomáticos; d) infrações penais que constituam seqüestro e tomada de reféns; e) infrações penais que compreendam a utilização de bombas, granadas, fuzis, armas de fogo automáticas ou cartas e encomendas postais com explosivos; f) a tentativa de cometer qualquer desses crimes e a participação como co-autor ou cúmplice de quem pratique ou tente praticar tais infrações.

 

Embora mais completo que a Convenção da OEA, esta convenção também apresenta os mesmo problemas. Basta analisar o item “c” que prescreve o crime de “infrações graves constituídas por ataque à vida, à integridade corporal, ou à liberdade das pessoas que tenham direito à proteção internacional, inclusive agentes diplomáticos”. Novamente aparecem expressões vagas como “infrações graves” ou “ataque à vida”, que podem ser aplicadas a uma infinidade de ações.

Recentemente, em 6 de dezembro de 2001, o Conselho de Ministros da União Européia aprovou uma decisão relativa à luta contra o terrorismo. Mais uma vez, expressões vagas foram utilizadas e não se chegou a uma definição exata do que venha a ser o crime de terrorismo:

As ações internacionais que, por sua natureza ou seu contexto, possam atingir gravemente um país, ou uma organização internacional [...] quando o autor as comete com o objetivo de intimidar gravemente uma população ou de obrigar indevidamente poderes públicos, ou ma organização internacional a realizarem, ou a se absterem de realizar, qualquer ação ou de desestabilizar ou destruir gravemente as estruturas fundamentais políticas constitucionais, econômicas ou sociais de um país, ou de uma organização internacional.

 

Sobre esta imprecisão quanto a definição do crime de terrorismo, observa John Brown:

Uma velha fórmula latina traduz o sentido e os limites de todo direito penal que dá garantias: nullum crimen sine lege; nulla poena sine lege - não há crime sem lei; não há pena sem lei. Esse princípio básico pretende que a infração seja definida com a máxima precisão, de modo que as autoridades não tenham senão uma margem muito estreita de interpretação. Sem isso, ele seria esvaziado de qualquer sentido: se fosse possível uma interpretação ampla do enunciado da lei, ações de qualquer outra natureza poderiam ser assimiladas a ações criminosas no interesse das autoridades, ou de alguns aparelhos de Estado. Quem rouba um tostão, rouba um milhão..., diz o velho ditado reacionário. Essa exigência do direito penal clássico se expressa no princípio da não-analogia

 

Importa ainda ressaltar que as convenções editadas no âmbito da ONU e da OEA pelas suas Assembléias Gerais não constituem normas de caráter obrigatório para Estados. A sua natureza jurídica é de mera recomendação, e por isso possuem pouca eficácia. Todavia, possuem uma força política muito grande, daí a razão da sua análise. Já um norma aprovada pela Comissão da União Européia possui natureza jurídica diversa, uma vez que deve ser obrigatoriamente observada por todos os países membros. Sobre essa imprecisão, comenta Brown:

A incriminação do terrorismo em escala da União Européia, convidada a pronunciar-se pela Comissão, pode ter conseqüências nefastas para a democracia. Pessoas ou grupos que aspiram legitimamente a uma transformação radical das estruturas políticas, econômicas ou sociais de nossos países, seriam visadas por essa legislação antiterrorista. Não seriam perseguidas pelas ações que tivessem praticado e, sim, porque seriam suscetíveis de tê-los cometido em razão de sua ideologia.

 

Mas o que fica claro com a análise do terrorismo internacional é que, pelo menos no principal fórum jurídico-político internacional que é ONU, não se chegou a um conceito de “terrorismo internacional”. Na verdade, cada Estado, individualmente, prescreve os crimes que considera como sendo “terrorismo” e os pune com base no seu direito interno. Ocorre que mesmo as legislações internas dos Estados não definem de forma clara o que venha a ser “terrorismo”. O crime de terrorismo geralmente vem definido por expressões vagas sem um tipo penal específico.

 

5.Os principais grupos terroristas da atualidade

Atualmente, o governo norte-americano identifica, aproximadamente, 30 grupos espalhados pelo mundo como sendo organizações terroristas. Muitos deles existem há mais de 30 anos e outros foram formados recentemente. Para ser enquadrado como terrorista, o grupo deve lançar mão da violência contra civis e estar em atuação, ou seja, praticando atentados. Isto porque existem alguns grupos que ainda são considerados terroristas, mas que estão livre de sanções. É o caso do IRA, que desde 1997 mantém um cessar-fogo com o governo Britânico.

No Oriente Médio, destacam-se os grupos: Organização ABU NIDAL, HIZBOLLAH (Partido de Deus), JIHAD ISLÂMICA DA PALESTINA, HAMAS (Movimento de Resistência Islâmica), Frente de Libertação da Palestina e o AL-FATAH. Todos lutam, basicamente, pela formação de um Estado palestino independente. Provocam atentados lançando mão basicamente de bombas, metralhadoras e os temidos homens-bomba - pessoas que sacrificam suas vidas, utilizando seus corpos para denotar grande quantidade de explosivos em locais públicos.

Na Europa, o principal grupo terrorista em plena atividade é o ETA (Pátria Basca e Liberdade). Atua basicamente na Espanha e na França e defende desde 1959 a criação de um Estado basco no norte da Espanha. Os seus principais alvos são militares, políticos e juízes espanhóis. Na América Latina destacam-se, na Colômbia, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional); no Peru, o grupo Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário TUPAC AMARU.

Outros grupos espalhados pelo mundo e citados pelo Departamento de Defesa dos EUA são: Grupo ABU SAYYAF, Filipinas e Malásia; Exército Vermelho Japonês e Ensinamento da Verdade Suprema, Japão; o Movimento Islâmico do Uzbequistão, Uzbequistão e Tadjquistão, entre outros.

O mais temido, todavia, é o grupo terrorista de OSAMA BIN LADEN, a AL QAEDA, que significa a base. O grupo, segundo informações do governo norte-americano, ter-se-ia formado no final dos anos 80 com o objetivo inicial de reunir árabes para expulsar os soviéticos do Afeganistão. No ano de 1989, quando finalmente os soviéticos se haviam retirado do território afegão, Bin Laden teria iniciado a sua ‘guerra santa’ contra o mundo ocidental.

Todavia, o Departamento de Defesa norte-americano não explica a ‘fúria’ de Bin laden contra o ocidente e ainda omite que foram os EUA a financiar Bin Laden e outros regimes fundamentalistas na Ásia central. Para os EUA, o grupo Al QAEDA seria responsável pelos atentados a duas embaixadas dos EUA no Sudão e no Quênia, que resultaram em 220 mortes.

Passemos agora a uma consideração mais detalhada dos grupos Al FATAH, ETA, IRA e as FARC. Trata-se de grupos que representam uma parcela do terrorismo clandestino na Europa, na América Latina e no Oriente Médio, e que em razão da intensidade do seu uso da violência e das conseqüências das suas ações merecem que nos detenhamos na sua análise. Estes grupos são identificados como “terroristas” tanto pelos Estados quanto pela doutrina e pelos meios de comunicação.

 

5.1 AL-FATAH

Fundado em 1960, o Al-Fatah possui cerca de 5000 partidários e um número estimado de 1500 homens armados e organizados. Atua no Oriente Médio, especialmente na Palestina, e tem por objetivo principal a transformação da OLP (Organização para Libertação da Palestina) num Estado árabe independente.

Com Yasser Arafat, a organização estabeleceu a reputação de um dos grupos terroristas mais ativos, do ponto de vista da violência e da propaganda sobre a causa palestina. Essa notoriedade conduziu o Al-Fatah a uma aproximação com a OLP (Organização para Libertação da Palestina). Em 1969, Arafat assumiu o papel de líder da OLP, o que, em princípio, o teria afastado do comando do Al-Fatah. Para Maclachlan, a OLP e o Al-Fatah converteram-se virtualmente na mesma organização.

No início dos anos 70, o governo jordaniano expulsou a OLP do seu território. A Jordânia contava com grande população palestina desde a criação do Estado de Israel, o que de certa forma facilitou as atividades do grupo. Com a expulsão, Arafat estabeleceu-se no Líbano, ali permanecendo até ao ano de 1982, quando as tropas israelenses invadiram o sul do país com o objetivo de acabar com Arafat e a sua organização.

Inicialmente, Arafat e a OLP transferiram a sua base para o norte da África, e em seguida para o Iraque e Iêmen. Em 1993, apoiado pelos Estados Unidos, Arafat assinou o que foi denominado de Declaração de Princípios com o governo de Israel, com o objetivo de pôr fim à violência na Palestina. A partir de então, a OLP passou a ser vista como uma organização política, legítima representante dos interesses dos palestinos. A saída da clandestinidade da OLP possibilitou a Arafat voltar à Palestina e fixar a sede da organização na Faixa de Gaza.

As atividades terroristas do Al-Fatah consistiram principalmente em seqüestros de aviões. Porém, o seu mais importante ato terrorista foi praticado por um pequeno grupo de dentro da organização. Em 1970, integrantes do Al-Fatah fundaram a Organização Setembro Negro (OSN). Em 5 de setembro de 1972, durante as Olimpíadas de Munique, oito integrantes da OSN seqüestraram 11 atletas israelenses. Após longa e frustrada negociação, todos os atletas e cinco terroristas foram mortos.

Esse evento teve grande repercussão mundial. Estima-se que 500 milhões de pessoas em todo o mundo acompanharam os acontecimentos pela televisão. Embora a opinião internacional se tenha majoritariamente oposto ao ato da OSN, pela primeira vez o mundo se deu conta da questão palestina. Atualmente, o Al-Fatah, juntamente com outros grupos, continua a lutar pela formação de um Estado Palestino independente.

 

5.2 ETA (Pátria Basca e Liberdade)

O ETA foi fundado em 1959 e constitui o grupo terrorista mais antigo do continente europeu. O seu principal objetivo é estabelecer uma nação basca independente. Para tanto, emprega a violência para manter o país em permanente crise e, conseqüentemente, pressionar o governo espanhol a ceder a sua autonomia política.

O ETA é composto de várias facções que formam uma aliança, com identidades diferenciadas. A facção mais conhecida e mais atuante é a Facção Militar do ETA (ETA-M), a qual pratica uma campanha específica de terrorismo contra o governo espanhol. Outra facção atuante é a Frente Política Militar do ETA (ETA-PM), sem atividade no momento.

Os atentados do ETA-M são em geral realizados com a utilização de bombas de grande impacto. Os principais atos de terrorismo documentados foram o assassinato do primeiro ministro espanhol e de outros políticos importantes, em 1973; o assassinato de um importante conselheiro do Rei Juan Carlos, em 1976; o seqüestro de membros do parlamento e ataques com bombas, em 1979; a explosão de bomba na residência do primeiro ministro, em 1980; o seqüestro de um dos homens mais ricos da Espanha, em 1981; a implantação de bombas nos bancos que se recusavam a pagar o “imposto revolucionário”, em 1982-83; o assassinato do Diretor da Polícia de Defesa, em 1985; o assassinato de um almirante na explosão de uma granada, em 1986; a morte de 21 pessoas na explosão de um carro bomba, em 1987; e finalmente, a tentativa de assassinato do Rei Juan Carlos e a explosão de um carro-bomba em Madri, com a morte de 4 pessoas, em 1995.

A força de segurança espanhola mantém uma campanha constante de repressão ao ETA e, às vezes, consegue algum sucesso. Todavia, o forte nacionalismo basco, aliado ao alto grau de organização do grupo, impossibilitou, até ao momento, a vitória do governo espanhol sobre o ETA.

 

5.3 IRA (Exército Republicano Irlandês)

O Exército Republicano Irlandês (IRA) foi fundado em 1969 e conta com cerca de 500 membros. O seu objetivo principal é expulsar as forças britânicas da Irlanda do Norte e incorporar o país à República da Irlanda. Embora a formação do IRA tenha sido relativamente recente, a história de resistência irlandesa remonta ao século passado, à década de vinte.

Em 1921, após a separação entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, a minoria católica da Irlanda do Norte iniciou uma série de protestos em razão de suposta discriminação exercida pela maioria protestante. No início dos anos 60, os confrontos entre a minoria católica e o governo irlandês se intensificou, e a violência aumentou.

Em 1969, o Exército Republicano Irlandês retornou à ativa e se dividiu em duas facções: Oficial e Provisional. A facção dos oficiais adotou uma política de protestos não-violentos, enquanto que os provisionais constituíram um grupo armado e violento.

Em janeiro de 1971, o IRA provisório estava pronto para iniciar sua campanha de guerrilha urbana. Iniciou-se então, uma campanha de atentados à bomba, com o objetivo de acirrar os ânimos dos próprios partidários, estimulando reações violentas e a conseqüente repressão. As explosões, que em abril foram 37, aumentaram para 91 em julho.

Nos anos seguintes, o que se viu foram o aumento da violência e a implantação de medidas arbitrárias por parte do governo britânico. Em 9 de agosto de 1971, o primeiro-ministro irlandês insistiu em que o governo da Inglaterra concordasse com a decisão de prender os acusados de terrorismo, sem submetê-los a julgamento. O resultado foi desastroso: dos 342 presos na primeira noite, a maioria provou não ter qualquer ligação com o IRA e apenas doze foram submetidos a interrogatórios, que não chegaram a nenhuma conclusão.

O ano de 1972 mostrou-se um dos mais violentos. Entre 1969 e agosto de 1971, 59 pessoas foram mortas, ao passo que, nos seis primeiros meses de 1972, outras 231 pessoas morreram em atentados. Em janeiro de 1972, um caminhão de transporte de garrafas de vidro, carregando uma bomba-relógio no seu interior, foi estacionado em uma das mais movimentas ruas de Belfast, resultando em 62 pessoas gravemente feridas, das quais 52 eram mulheres e crianças. Na sexta-feira, dia 21 de julho de 1972, 19 bombas explodiram entre 2 e 3 horas da tarde no centro de Belfast: 9 pessoas foram mortas e outras 130 ficaram gravemente feridas. No ano de 1997, o IRA aceitou um cessar-fogo com o governo Britânico e iniciou acordos de paz.

É importante ressaltar que apesar de existir essa diferença histórica entre católicos e protestantes, a causa do terrorismo irlandês ultrapassa a questão religiosa. Na verdade, o terrorismo irlandês não tem como causa principal a questão religiosa. O conflito é econômico. Trata-se do conflito entre os que possuem e aqueles que não possuem e, para o governo britânico, a manutenção do grupo dos possuidores no poder é interessante.

 

5.4 As FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC - foram fundadas em 1966 e contam com 5.500 membros armados e organizados. Atuam na Colômbia, e o seu líder é Manuel Marulanda Vélez. O objetivo principal da organização é o estabelecimento de um regime comunista e a total eliminação dos interesses econômicos estrangeiros no país.

Durante o período da guerra fria, as FARC conseguiram apoio econômico e militar da ex-URSS e de Cuba, o que permitiu à organização resistir ao governo colombiano e à ideologia americana para as Américas. Com o término da bipolaridade entre russos e americanos e o “fracasso” do comunismo, as FARC passaram a ser vistas como organização criminal, ligada ao narcotráfico.

Um dos projetos mais ambiciosos das FARC, a Coordenadoria Guerrilheira Simón Bolivar (CGSB), tinha por objetivo principal o estabelecimento de uma ampla aliança de trabalho entre todos os grupos terroristas da Colômbia e os grupos terroristas internacionais.

Os estreitos laços da organização com cartéis do narcotráfico, embora tenham servido para o fortalecimento de sua estrutura, foram fatores determinantes para o processo de marginalização das FARC. A aliança com o cartel das drogas rendeu à organização dinheiro, equipamentos, armas modernas e apoio logístico. Além do apoio narcotráfico, a organização praticava seqüestros e grandes roubos para angariar fundos e manter a sua atuação.

O ELN, Exército de Libertação Nacional, é outra organização que mantém atividades consideradas terroristas na Colômbia. Atua no norte da Colômbia, e o seu principal objetivo é o estabelecimento de um regime socialista seguindo o modelo cubano. É formada basicamente por estudantes e intelectuais que pretendiam organizar os trabalhadores rurais para lutar contra o governo de direita aliado do movimento imperialista americano. O ELN acusa o governo colombiano de imoral e corrupto, assim justificando as suas ações. O atentado mais grave impetrado pelo grupo ocorreu em 1987, quando 17 policiais e 4 soldados colombianos foram mortos em uma emboscada.

 

6. “Novas” formas de terrorismo

Os parâmetros para identificar uma forma de terrorismo como sendo ‘nova’ são o meio utilizado para causar o dano, o alvo e o potencial destrutivo do atentado. Desta forma, três novas formas de terrorismo poderiam ser identificadas: o terrorismo cibernético, que tem na internet e nos sistemas de informação o seu meio adequado para a realização de atentados; o terrorismo ecológico, que tem como alvo principal as grandes indústrias poluidoras do meio-ambiente; e, por fim, o terrorismo catastrófico, que pode destruir cidades e matar milhões de pessoas com uma bomba atômica, através do envenenamento do ar ou da água, por exemplo.

Sobre o terrorismo catastrófico cabe uma explicação. As autoridades norte-americanas temem a utilização de armas nucleares por grupos terroristas. Segundo informações do governo dos EUA, hoje em dia não é muito difícil obter uma bomba nuclear. As autoridades apontam a falência da URSS como causa principal dessa facilidade. Mas quem são os maiores produtores e quem possui o maior arsenal de armas nucleares existente atualmente? Os Estados Unidos da América.

A Rússia, a França, o Japão, o Reino Unido, o Paquistão, a Índia e Israel, entre outros, também possuem bombas atômicas. Quem já detonou uma bomba atômica, destruindo duas cidades inteiras, Hiroshima e Nagasaki? Os EUA. Por que então tanto medo dos terroristas? O medo de um ‘atentado nuclear’ já paira sobre o mundo desde muito antes do colapso da URSS; por que razão, então, ninguém se referia a esse dito ‘terrorismo catastrófico’?

 

6.1 Terrorismo cibernético

A Internet, rede mundial de computadores, vem crescendo num ritmo acelerado a partir da última década. Surge, então, o conceito de ciberespaço ou espaço virtual. Pierre Lévy acredita que a virtualização seja uma espécie de revolução pela qual está a passar a sociedade. O mesmo autor define a cibercultura como o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modo de pensar e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.

Com o desenvolvimento da rede mundial de computadores (internet), a sociedade se torna cada vez mais dependente das facilidades oferecidas pelo mundo virtual, dos serviços, do comércio, do lazer, dos transportes, da segurança, enfim, passa a ter a vida cada vez mais dependente dos computadores e dos sistemas de informação.

Neste contexto, o terrorista necessariamente atualiza as suas práticas, e os seus atentados passam a ser compatíveis com a evolução tecnológica da sociedade. Principalmente porque a repressão ao terrorismo convencional tem sido cada vez maior, o que dificulta a ação terrorista. Explodir um avião em pleno vôo torna-se difícil em razão da forte segurança dos aeroportos. Teoricamente, seria mais fácil invadir o sistema de computadores da torre de controle do aeroporto e provocar o choque de duas aeronaves. Há outras possibilidades para esta forma de terrorismo:

O ciberterrorista pode acessar o sistema de controle de processamento de cereais industrializados e trocar as quantidades dos suplementos necessários à completa eficácia dos produtos, causando doenças aos consumidores do produto,

Uma certa quantidade de bombas computadorizadas podem ser colocadas em pontos estratégicos da cidade, sincronizadas para serem detonadas ao mesmo tempo, ou conforme a programação que mais interessar. O terrorista não precisa preocupar-se em detonar cada bomba individualmente; não são necessários grandes veículos para transportar o material, e o poder de destruição é maior, em razão da extensão e alcance das bombas distribuídas pela cidade.

Um ciberterrorista pode obstruir as operações de um banco, das transações financeiras internacionais e das bolsas de valores. Com esse tipo de ação, o terrorista desestabiliza o sistema econômico e financeiro de um país, causando desconfiança na população,

Os novos sistemas de controle de tráfico aéreo podem ser acessados e causar a colisão de dois ou mais aviões de passageiros. Não é necessário usarem-se bombas e os custos para a produção do atentado são menores.

As fórmulas de medicamentos que serão colocados à venda nas diversas farmácias podem ser alteradas nos computadores dos laboratórios, sem que ninguém perceba.

 

Os mais pessimistas afirmam que no futuro o ciberterrorismo impedirá a população de comer, beber, viajar ou até mesmo de viver. Afirmam ainda que será impossível capturar o ciberterrorista, uma vez que através da Internet as suas ações podem ser planejadas e executadas, por exemplo, no Iraque e os resultados ocorrerem nos Estados Unidos. É importante ressaltar que embora haja uma grande preocupação em torno do ciberterrorismo, este fenômeno ainda não se tornou realidade. Alguns atos criminosos já ocorrem na internet, mas sem as características próprias do terrorismo.

Atualmente, o uso da Internet ainda se restringe a um número limitado de pessoas, apesar de se expandir rapidamente em todo o mundo. A revolução da informação ainda não alcançou todos os sistemas de computadores existentes, o que, de certa forma, reduz o poder de destruição dessa forma de terrorismo. Assim, o ciberterrorismo deve conviver, por um longo período, com as formas tradicionais de terrorismo - homicídios, bombas, seqüestros, etc.

 

6.2 Terrorismo ecológico

Cresce cada vez mais a preocupação dos ecologistas com a destruição acelerada da natureza e a matança indiscriminada de animais. Em geral, as grandes empresas não adotam políticas de preservação do meio-ambiente, uma vez que procuram aumentar os seus lucros sem consideração com a destruição absolutamente indiscriminada das fontes naturais de matéria-prima de que lançam mão. Os Estados não possuem legislações adequadas para diminuir os efeitos nocivos desta agressão, e os políticos não demonstram vontade de alterar tal quadro.

Para impedir o que consideram ser abusos contra a natureza, alguns militantes norte-americanos e europeus, principalmente britânicos, decidiram adotar a violência como forma de protesto. Cansados e frustrados com as manifestações pacifistas ou de conscientização, entenderam que o melhor a fazer seria aterrorizar os destruidores da natureza. Partiram então para o terrorismo.

Em março de 2001, incêndios criminosos perto de Nova York e agressões físicas de funcionários de uma empresa do Reino Unido foram suficientes para que as autoridades e grandes corporações apodassem essas pessoas de ecoterroristas. A organização inglesa ELF (Earth Libertation Front), Frente de Libertação da Terra, reivindica a autoria de 38 ataques a propriedades nos últimos seis anos (1995-2001). O programa da ELF consiste em

Causar danos àqueles que lucram com a destruição e a exploração do ambiente; revelar atrocidades cometidas contra a Terra e todas as espécies que a habitam; tomar todas as precauções para não ferir animais, humanos ou não-humanos.

 

Para a polícia federal americana, não resta dúvida que se trata de terrorismo. O FBI considera terrorismo o uso ilegal da força ou da violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, a população civil ou qualquer outro segmento social, para fins políticos ou sociais.

Os ativistas ecológicos não pensam da mesma forma. Não se consideram terroristas, mas sim pessoas que lutam pela preservação da natureza, mesmo que para tanto seja necessário o uso da violência. Mais uma vez o sistema cria os seus “terroristas” como forma de justificar a utilização do aparelho repressivo estatal.

 

Capítulo II - Terrorismo de Estado

Convencionou-se denominar de terrorismo a violência praticada por grupos contrários ao sistema. Pode a violência praticada pelo próprio Estado - quer no âmbito interno quer nas Relações Internacionais - ser também considerada uma forma de terrorismo?

Este capítulo pretende analisar as manifestações legais do uso da força, a partir da Inquisição e das torturas praticadas pela Igreja Católica durante a Idade Média até chegar à violência praticada nos dias de hoje pelo Estado Democrático de Direito. Serão analisados os regimes totalitários de Stálin e de Hitler e alguns fenômenos ditatoriais após 1945, bem como alguns exemplos da utilização da força em nível internacional, como os casos da guerra no Kosovo e da questão da Palestina.

Verificou-se que quando se empreende um relato histórico do terrorismo, a doutrina não inclui o período de Stálin como sendo uma das suas fases. O totalitarismo e as ditaduras são entendidas como regimes de exceção que se exerciam pelo ‘terror’. Todavia, o Estado que assim procede dificilmente é denominado de terrorista.

No caso do Direito, verifica-se o mesmo problema. As convenções internacionais não chegam a uma definição do conceito de terrorismo, e nenhuma delas faz menção às atividades criminosas dos Estados, que são exemplos típicos de terrorismo. Também para os meios de comunicação existe apenas uma forma de terrorismo: a dos grupos não-governamentais. Este segundo capítulo demonstrará, através de exemplos, de que forma o Estado também pode ser terrorista.

O item quatro reveste-se de particular importância, uma vez que se analisa a teoria da violência simbólica de Pierre Bourdieu. A partir desta base teórica, pretende-se evidenciar que o Estado denominado de ‘democrático’ pode ser terrorista, tanto internamente como nas suas relações internacionais. As constantes violações dos direitos humanos praticadas pelo Estado podem ser entendidas como uma forma de terrorismo de Estado.

Ainda mais importante é a questão da possibilidade de imputação de responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ou seja, quando se afirma que o Estado pode ser terrorista, pretende-se imputar responsabilidade penal ao Estado como instituição, e não apenas aos seus dirigentes.

 

1. A legalidade do uso da violência

 

1.1 Santo Tomás de Aquino: tortura em nome de Deus

No início do século XIII, a Europa começou a enfrentar sérios problemas econômicos. O sistema econômico baseado em feudos entrou num período de decadência. A produção tornou-se insuficiente e a população cresceu rapidamente. A peste negra, que já havia atacado antes, voltou muito mais arrasadora. Isto trouxe fome e miséria para a grande maioria da população.

O cenário político da época começa a se modificar também. O poder, que até então era exercido somente pelo Papa, passou a ser dividido com os soberanos. A igreja foi obrigada a fazer concessões e a se aliar gradativamente aos monarcas.

A Inquisição surge em 1233, como instrumento de poder, uma arma contra a revolta das massas e contra as heresias. Qualquer doutrina ou idéia que fosse contrária à ideologia católica era considerada inimiga da ordem e, conseqüentemente, reprimida. A Inquisição mostrou-se uma excelente arma para subjugar e domesticar o povo.

Revestida de caráter legal, a Inquisição disseminou o medo e a violência entre aqueles que discordavam dos dogmas católicos. Para justificar e facilitar ainda mais a utilização do aparato repressivo, os hereges eram conhecidos por expressões pejorativas, como bruxo ou demônio. O medo da excomunhão era muito grande, numa época em que a religiosidade e o misticismo dominavam as mentes dos indivíduos.

Foi adotado o sistema de inquérito, no qual Deus era o juiz supremo, como forma de julgar e punir os hereges. O juiz humano tinha a única finalidade de seguir as formalidades da lei, uma vez que a justiça seria, como é evidente, feita por Deus. Legendre explica:

A representação procurada pelo juiz no processo mostra que a última palavra é tarefa do Poder, de uma relação entre a lógica e o seu mito de apoio. O juiz porta a máscara sacerdotal, ele toma o lugar sagrado do intocável, ele representa este Outro, o onipotente e o ausente com que se mistifica a Instituição para viver e fazer viver. Quando ele pronuncia a sentença, ele diz o Direito, e sua consciência própria desaparece; quando ele julgou, não é ele que fala, mas a Verdade da Lei: res judicata pro veritate habetur.

 

Todavia, o processo de inquérito não foi suficiente para se alcançar a verdade nos tribunais da Santa Inquisição. Como estava em jogo a manutenção do status quo na luta contra os bruxos, demônios, capetas, diabos, etc., os devotos não se vexaram em lançar mão de outro expediente ainda. Deu-se então a institucionalização de um instrumento não tão santo, porém necessário aos objetivos dos tribunais: a tortura.

O sistema era bem simples: a confissão do acusado mais o depoimento de duas testemunhas eram suficientes para fundamentar a sentença condenatória. Os acusados de heresias ou bruxarias não deixavam nenhum tipo de materialidade dos seus supostos crimes, os quais consistiam na difusão de idéias contrárias aos dogmas da Igreja. Logo, qualquer um poderia ser testemunha; bastava a mera sugestão, à boca pequena, de que o crime havia sido cometido.

Obter uma confissão através da tortura não era tarefa difícil. Levack cita algumas técnicas utilizadas na busca da verdade: queimaduras por todo o corpo com enxofre, esmagamento de órgãos genitais, utilização de instrumentos de distensão, extração dos olhos, dedos, orelhas ou qualquer outro membro não-vital, ingestão de grandes volumes de água e também a insônia forçada.

Este método eficiente e violento garantiu aos tribunais eclesiásticos altos índices de condenação, e foi amplamente utilizado no final da Idade Média no julgamento de hereges e “feiticeiras”. No século XV, com a Contra-Reforma, a Inquisição foi restaurada através da Inquisição do Santo Ofício, e tinha como objetivo impedir que as denominações protestantes viessem a tomar conta da Europa. Muitos foram perseguidos, torturados e mortos. Contudo, o uso da violência não impediu o declínio da Religião Católica e o surgimento de novas religiões.

A Igreja justificava os seus instrumentos repressivos e violentos de julgamento com base nas construções teológicas de Santo Tomás de Aquino, que admitia a aplicação da tortura, mesmo em inocentes, desde que ela fosse eficiente para se apurar a verdade. A doutrina de Tomás de Aquino foi responsável pela adoção da tortura como prática sistemática de preservação da disciplina católica. A coerção física consistia no método mais adequado para a salvação do transgressor, o qual poderia ser conduzido à salvação eterna depois de curado. Deus intervinha com o objetivo de manter a paz e a integridade do cristianismo. Nas mãos deste expediente divinamente inspirado, muitos morreram de forma cruel.

 

1.2 Maquiavel e o medo dos súditos

Mais vale ser amado que temido, ou temido que amado? Com esta pergunta, Maquiavel inicia uma nova forma de fazer política, não mais baseada em Deus ou qualquer outro elemento espiritual. A nova forma de fazer política justificava-se pela sua eficácia prática, pela sua utilidade social e, principalmente, pela realidade da sua época. Já não é mais necessário evocar Deus para justificar a tortura e as crueldades. Para Maquiavel, há uma necessária separação entre política e moral, e o verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e manter o poder. A resposta de Maquiavel à pergunta por ele mesmo formulada é a de que

É preciso ser ao mesmo tempo amado e temido; mas como isto é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for preciso escolher. De fato, pode-se dizer dos homens, de modo geral, que são ingratos, volúveis, dissimulados; procuram escapar dos perigos e são ávidos de vantagens; se o príncipe os beneficia, estão inteiramente do seu lado (...) não obstante, o príncipe deve fazer-se temido, de tal forma que mesmo que não ganhe o amor dos súditos, pelo menos evite o seu ódio.

 

O príncipe deve ser temido de acordo com a sua própria vontade. Para Maquiavel, o medo torna-se um elemento indispensável ao poder, uma vez que garante a obediência de seus súditos. O príncipe deve evitar o ódio e o desprezo. Estes sentimentos, se não forem bem administrados pelo príncipe, podem significar a sua destruição.

Quanto ao uso da lei ou da força, Maquiavel afirma que o primeiro é utilizado pelos homens, e o segundo pelos animais. Todavia, se a lei não for suficiente, a força deve ser usada e ele não vê nenhum problema em que o homem se comporte como um animal. Afinal, o homem é um animal ‘racional’.

Sendo obrigado a saber agir como um animal, deve o príncipe imitar a raposa e o leão, pois o leão não se pode defender das armadilhas, e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para assustar os lobos.

 

A força dos ‘animais’ será utilizada contra os súditos subversivos. Para Maquiavel, do lado dos súditos estão o medo, os ciúmes, as suspeitas, o terror da punição. Do lado do príncipe há a majestade do governo, as leis, a proteção oferecida pelos amigos e pelo Estado.

A proteção do Estado significa o uso da força; é quando o homem se transforma no leão, necessário para enfrentar o lobo que conspira e ataca a pureza e a majestade do príncipe. Maquiavel explica que os Estados bem organizados e os príncipes sábios estudam com interesse a maneira de poupar aos nobres o desespero e como agradar o povo e mantê-lo satisfeito. Este é um dos assuntos mais importantes com que se devem ocupar os príncipes.

Sobre a crueldade praticada pelo príncipe, Maquiavel entende que há crueldades bem-praticadas e crueldades mal-praticadas. As primeiras são aquelas praticadas todas ao mesmo tempo, no início do reinado, a fim de prover a segurança do novo príncipe. Ele deve determinar tranqüilamente todas as crueldades que lhe é útil cometer e executá-las em conjunto, para não ter de repeti-las todos os dias. Mais adiante, na evolução da história, muitos chefes de Estado aplicariam esta idéia.

Ao contrário, as crueldades mal-praticadas são aquelas que se arrastam, se renovam e são pouco numerosas no princípio. Neste caso, os súditos perderiam o sentimento de segurança e seriam atormentados por uma contínua inquietude. Ao príncipe, então, caberia o dever de sempre manter a espada na mão.

Em razão destas receitas, a obra de Maquiavel é considerada um marco na história da ciência do Estado, pois inaugura a idéia dos valores políticos medidos pela eficácia prática e pela tomada e manutenção do poder. No século XIX, Napoleão foi a primeira realização do príncipe de Maquiavel. No século XX, marcado pelas duas grandes guerras, surgem Benito Mussolini, Hitler, Stálin, todos seguidores dos ensinamentos do mestre Florentino.

 

1.3 Thomas Hobbes e o “ Leviatã”

Em 1651, surge em Londres um livro cujo título pareceu estranho para a época: Leviatã, ou a matéria, a forma e o poder de um Estado eclesiástico e civil. Nele, Hobbes propõe a idéia do Estado como um contrato, em que a realização efetiva da liberdade do homem seria assegurada com a instituição de uma sociedade organizada e pacífica.

De acordo com a sua teoria, os homens primitivos vivem no estado natural, como animais. Na luta pelo poder e pelas riquezas, cometem todo tipo de atrocidade. Em razão desta instabilidade do homem no seu estado natural, surge a necessidade de um acordo pelo qual seria criado um Estado que fosse capaz de controlar e reprimir as ações destrutivas da sociedade. Cria-se, então, essa entidade artificial, o Leviatã, capaz de julgar e proteger os homens:

Com isto, torna-se manifesto que durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens.

 

No seu estado natural, o homem vive com medo, e por esta razão uma morte violenta na defesa dos seus bens ou da sua propriedade é uma possibilidade constante. O Leviatã, conseqüentemente, deve ser uma entidade forte, muito mais poderosa do que qualquer homem comum. A sua força deve ser suficiente para conquistar e conservar a ordem:

... a arte do homem... pode fazer um animal artificial... mais ainda, a arte pode imitar o homem, obra-prima racional da natureza. Pois é justamente uma obra de arte esse grande Leviatã que se denomina coisa pública ou Estado, em latim Civitas, o qual não é mais do que um homem artificial, embora de estatura muito mais elevada e de força muito maior que a do homem natural, para cuja proteção e defesa foi imaginado. Nele, a soberania é uma alma artificial, pois que dá vida e movimento a todo corpo [...]. A recompensa e o castigo... são os seus nervos. A opulência e as riquezas de todos os particulares, a sua força.

 

Assim legitimava Hobbes o Estado absolutista, em que o soberano concentrava todo o poder. Não há lei, há apenas a ordem e a vontade expressa do Rei, que deve proporcionar aquilo para que se institui o Estado: a segurança. Eis um ótimo substituto para o Príncipe de Maquiavel, e que constitui uma fonte inesgotável para a justificação racional do poder absoluto. Posteriormente, foi base para a legitimação da utilização da violência e do poder repressivo do Estado.

 

1.4 Max Weber e a violência legítima

O que Hobbes e Maquiavel significaram para o Estado absolutista, Weber significou para o Estado moderno. Para Weber, a formação do Estado moderno significa a expropriação dos meios de violência, a administração e a codificação de seus detentores privados. O Estado passa a concentrar esses meios de atuação do poder, de forma legítima.

Tudo indica que Weber - pensando especialmente na Alemanha e tomando a Europa como referência política e intelectual - considera que em toda parte o desenvolvimento do Estado moderno é iniciado através da ação do príncipe. Afinal, o príncipe, investido de autoridade, deveria controlar um determinado território pela força. Explica Weber, citado por Dreifus:

É absolutamente essencial para toda associação política apelar para a violência nua dos meios coercitivos, em face dos inimigos externos e internos. É somente este apelo à violência que constitui - na nossa terminologia - uma associação política. O Estado é uma associação política que reivindica o monopólio legítimo da violência e não pode ser definido de outra maneira.

 

O que Weber constata, em última análise, é que a força está na origem dos Estados ao longo da História. O seu conceito de estado moderno é corolário desta idéia. O Estado, fundado na violência legítima, constitui-se em uma organização política de dominação contínua, num determinado território.

Em razão da legitimidade da violência por parte do Estado, os massacres contra os seus “súditos” ou “inimigos" são vistos como atos normais. Assim foi quando as tropas do governo francês tomaram Paris e deram início à chamada Semana Sangrenta. Mais de 20.000 operários foram fuzilados sem julgamento e cerca de 15.000 mil prisões foram efetuadas de forma irregular, com o objetivo de exterminar a Comuna de Paris, em maio de 1871.

Constata-se, infelizmente, que a racionalização e a utilização da chamada violência legítima, como no exemplo acima, tem sido amplamente praticada pelo Estado, fato que o transforma na maior e bem mais estruturada organização terrorista jamais criada pelo homem. O próximo item analisa o totalitarismo europeu, e a forma como a violência “legítima” foi utilizada.

 

2. Totalitarismo: violência e terrorismo

2.1 “Origens do totalitarismo”

Segundo Anthony Giddens, o termo “totalitarismo” passou a ser usado no final da década de 20, em referência ao fascismo italiano, quando os partidos de oposição foram suprimidos, os sindicatos - à exceção dos financiados pelo Estado - abolidos, a Câmara dos Deputados dissolvida e estabelecidos campos de concentração, além da instituição da pena de morte para ofensas públicas.

Desde então, o termo foi utilizado para caracterizar partidos, movimentos, líderes, idéias e, sobretudo, os sistemas políticos de determinados Estados. Entre esses Estados estão a Itália fascista, a Alemanha nazista, a União Soviética de Stálin, a Rússia czarista e também os Estados absolutistas. Ditaduras não-totalitárias surgiram antes da II Guerra Mundial na Romênia, na Polônia, na Lituânia, na Letônia, na Hungria, em Portugal e, por fim, na Espanha de Franco.

O fim da primeira guerra mundial e suas conseqüências políticas na Alemanha e na Itália deram início a movimentos nacionalistas nesses países. A Alemanha, derrotada na primeira grande guerra, foi obrigada a assinar o Diktat, como ficou conhecido o Tratado de Versalhes. Este tratado estabeleceu para a Alemanha, entre outras sanções, a perda de territórios e o pagamento de grandes quantias em dinheiro aos vencedores da guerra.

A humilhação sofrida pela Alemanha contribuiu para a ascensão de Adolf Hitler que, prometendo uma nação mais unida e o fortalecimento do Estado, conseguiu atrair a burguesia e o capital financeiro. Com a sua imensa habilidade em comandar as massas, Hitler é eleito para o Parlamento. Imediatamente, dá o golpe de Estado que inicia o regime nazista, em 1933.

Embora estivesse ao lado dos vencedores da Primeira Guerra Mundial, a Itália ficou insatisfeita com as compensações econômicas e territoriais que lhe foram concedidas. Benito Mussolini, lançando mão do mesmo discurso de união nacional, conseguiu criar um regime totalitário na Itália, o fascismo.

Apesar de terem origens e significações diferentes, o nazismo e o fascismo possuíam elementos em comum: o antiliberalismo, o nacionalismo, o corporativismo, a aliança com o capital industrial monopolista e financeiro, o partido único e o controle sobre as massas. Hannah Arendt ressalta este último elemento como uma das mais importantes características dos movimentos totalitários:

O fanatismo dos movimentos totalitários, ao contrário das demais formas de idealismo, desaparece no momento em que o movimento deixa em apuros os seus seguidores fanáticos, matando neles qualquer convicção que possa ter sobrevivido ao colapso do próprio movimento (...) Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas - e não as classes, como faziam os partidos de interesses dos Estados nacionais do continente europeu, nem os cidadãos com suas opiniões peculiares quanto à condução dos negócios públicos, como fazem os partidos dos países anglo-saxônicos.

 

Arendt explica ainda que mesmo usando com freqüência a expressão “estado totalitário”, Mussolini não conseguiu estabelecer um regime totalmente totalitário. Arendt cita dados sobre a ditadura fascista: durante os anos de 1926 a 1932, em que foram ativos os tribunais especiais para julgamento dos criminosos políticos, foram pronunciadas 7 sentenças de morte, 257 sentenças de 10 ou mais anos de prisão, 1.360 sentenças de menos de 10 anos, e muitas sentenças de exílio. 12.000 pessoas foram presas e julgadas inocentes. Embora impressionantes, esses números não se comparam aos mais de 30 milhões de mortos produzidos pelos terrorismo de Estado nazista e bolchevista.

Embora não tenham sido tão sangrentos como os regimes de Hitler e de Stalin, as ditaduras fascistas de Francisco Franco, na Espanha e de Oliveira Salazar, em Portugal também espalharam violência e terror para suas respectivas populações civis. Este último declarou, em 1940, que ele e Hitler estavam ligados pela mesma ideologia.

O comandante fascista rebelde Francisco Franco, venceu a guerra civil espanhola, apoiado por Hitler e Mussolini. Para a Itália e para a Alemanha, fazer da Espanha outro Estado fascista era fundamental para os seus interesses geopolíticos. O conflito foi brutal, sendo que, pela primeira vez, se utilizou o bombardeio aéreo contra civis e soldados, indiscriminadamente. De acordo com dados oficiais, com o término do conflito, em 1939, 700 mil pessoas haviam morrido.

No poder, Franco liderou um regime autoritário por intermédio de um único partido, o qual era composto basicamente por um conglomerado de direita que ia do fascismo aos velhos monarquistas e ultra carlistas que recebeu o nome de Falange Tradicionalista Espanhola. Franco morre em 1975, quando a Espanha inicia então sua transição “democrática”.

 

2.2 Características dos regimes totalitários.

Os regimes totalitários caracterizaram-se pelo alto grau de vigilância do cidadão por parte do Estado, pela maximização do poder policial - que possui os meios para a guerra industrializada e para a segregação - e pelo totalitarismo moral, o que significa que o destino da comunidade política está embutido na historicidade da população e na proeminência da figura de um líder.

O alto grau de vigilância por parte do Estado resumia-se na atuação da polícia secreta. No regime totalitário, como em qualquer outro regime, a polícia secreta possuía o monopólio das informações vitais. De acordo com Arendt, o dever da polícia totalitária não é descobrir crimes, mas estar disponível para governo quando este decidir aprisionar ou liquidar determinada categoria da população.

A maximização do poder policial é que se convencionou denominar de terror do Estado. Está associada às grandes atrocidades cometidas pelos governos de Hitler e de Stálin. Nas palavras de Arendt:

O terror total, a essência do regime totalitário, não existe a favor nem contra os homens. A sua função é proporcionar às forças da natureza ou da história um meio de acelerar o seu movimento (...) na prática, isto significa que o terror executa sem mais delongas as sentenças de morte que a natureza supostamente pronunciou contra aquelas raças ou aqueles indivíduos que são indignos de viver, ou que a história decretou as classes agonizantes, sem esperar pelos processos mais lerdos e menos eficazes da própria história ou natureza.

 

O nacionalismo, outro aspecto central do totalitarismo, evidencia a importância da vontade popular na condução política da nação. Há uma mobilização total do corpo social para que se quebre a divisão imaginária entre aparelho político e sociedade. A realidade social é a nação, entendida não só como unidade política, mas como unidade racial, lingüística, de costumes e tradições. Não pode haver o diferente. É o que Giddens denomina de totalitarismo moral.

Para que todo esse sistema político funcionasse, era necessária a presença de um líder carismático, com condições de reunir a população e fazer com que todos acreditassem fazer parte de uma nação. O líder devia ter a capacidade de fazer com que cada indivíduo se sentisse identificado com a sua figura. Este líder passa, então, a ter o controle de tudo, anulando os poderes pertencentes aos tribunais e às assembléias políticas. O apoio popular era essencial na medida em que o líder não conseguiria controlar tudo e todos somente fazendo uso da polícia e das armas. Em nome desse nacionalismo, genocídios foram cometidos.

 

2.3 Stalinismo: terror comunista

Muito antes de Stálin chegar ao poder, a Revolução Bolchevique já havia instaurado o terror contra os inimigos da revolução. Em 3 de setembro de 1918, o governo russo deu início ao terror vermelho, quando os inimigos da revolução foram perseguidos, torturados e mortos. Através de declarações oficiais e artigos publicados na imprensa, o terror ganhou força:

Trabalhadores, escrevia o Pravda de 31 de agosto de 1918, é chegada a hora de aniquilar a burguesia, senão vocês serão aniquilados por ela. As cidades devem ser impecavelmente limpas de toda putrefação burguesa. Todos esses senhores serão fichados, e aqueles que representem qualquer perigo para a causa revolucionária, exterminados (...) o hino da classe operária será um hino de vingança.

 

Essa foi a primeira declaração do governo bolchevique. Inúmeras outras foram publicadas em menos de uma semana. Todas conclamavam os revolucionários a lutar pelo sucesso da revolução, matando, perseguindo e prendendo os contra-revolucionários. O resultado do primeiro terror oficial foi o massacre de 15.000 indivíduos em menos de dois meses. No dia 5 de setembro de 1918, o governo soviético legalizou o terror através do famoso decreto Sobre o terror vermelho, no qual ficou estabelecido que os contra-revolucionários seriam fuzilados ou enviados para os campos de concentração.

Stálin tornou-se o homem forte do Partido em 1928, quando Trotsky, um dos principais homens da revolução, foi decretado um contra-revolucionário indesejado e foi banido da URSS. Stálin assumiu o poder e tinha como inimigos imediatos os camponeses que ainda tentavam comercializar os seus produtos no sistema de mercado e impediam o governo de dar início à coletivização acelerada das propriedades privadas.

A solução encontrada por Stálin e pelos camaradas do Partido foi a coletivização forçada do campo. Isto, na verdade, significou uma verdadeira guerra do Estado soviético contra os pequenos produtores rurais. Mais de dois milhões de camponeses foram deportados e seis milhões morreram de fome. A batalha do governo soviético contra os camponeses foi longa e extremamente violenta. A violência exercida por Stálin contra os camponeses foi repetida contra outros grupos sociais.

O pior ainda estava por vir. Durante os anos de 1936 e 1938 a população soviética sofreu as conseqüências do grande terror. Durante esses dois anos, a repressão ganhou amplitude sem precedentes, atingindo a todas as camadas da população. Há uma certa divergência quanto ao número de vítimas. Para Robert Conquest, autor de O grande terror, esses dois anos resultaram em pelo menos seis milhões de vítimas. Para os historiadores da escola revisionista, esse número está superavaliado.

O grande terror possuía dois objetivos principais. O primeiro era implantar uma burocracia civil e militar sob as ordens de Stálin, constituída por jovens formados no espírito stalinista dos anos 30 que aceitariam qualquer tarefa ditada pelo camarada Stálin. O segundo era levar ao seu cabo, de forma radical, a eliminação de todos os ‘elemento perigosos à sociedade’.

O Código Penal soviético indicava como ‘elemento perigoso’ todo indivíduo que tivesse cometido um ato perigoso para a sociedade, ou cujas relações com o meio criminal, ou a atividade pregressa, representassem perigo. Assim, qualquer um poderia ser considerado elemento perigoso. Explica Courtois:

Todo o vasto bando dos “ex” foi definido como perigoso à sociedade segundo esses princípios; na maioria das vezes, eles haviam sido objeto de medidas repressivas no passado: ex-camponês, ex-criminoso, ex-funcionário czarista, ex-membros dos partidos Menchevique, Socialista-Revolucionário, etc.

 

Somado a essa grande violência dos anos 30, existia ainda o problema dos campos de concentração. Em meados de 1930, cerca de 140.000 detentos já trabalhavam nos campos de concentração do governo soviético. Em julho de 1934, o Gulag - principal unidade administrativa dos campos de concentração - absorveu 780 pequenas colônias penitenciárias que reuniam cerca de 212.000 detentos. No início de 1941, a população do Gulag era de 1.930.000. Este número refere-se às pessoas que estavam efetivamente presas em 1941. Estima-se que, entre 1934 e 1941, mais de 7 milhões de pessoas deram entrada nos campos de concentração.

Stálin morreu em 5 de março de 1953, deixando para trás milhões de mortos, vítimas do aparelho repressivo do Estado soviético. Não se tem o número exato, mas o cruzamento de dados disponíveis com o estudo das anomalias das estatísticas demográficas soviéticas permite a apresentação de um balanço aproximado:

As execuções não foram inferiores a um milhão. A população do Gulag, dos campos, manteve-se permanente, entre 8 e 15 milhões de pessoas. A porcentagem das mortes nos campos era cerca de 10% ao ano; admitindo portanto que a população dos campos tenha sido em média de 8 milhões de pessoas durante todo o período que se estende de 1936 a 1950 e que a taxa anual de mortalidade tenha sido de 10%, o total das mortes se elevaria a 12 milhões. A esta cifra convém acrescentar um milhão de execuções, estimativa bastante moderada. Finalmente, também é preciso contabilizar as perdas registradas durante o período anterior à Yejovtchina, isto é 3.055.000 indivíduos exterminados durante a coletivização forçada e um mesmo número de camponeses e pequenos agricultores enviados aos campos e que morreram no ano seguinte. Obtemos assim um balanço de 20 milhões de mortos e, sem exagero, poderíamos aumentar o débito do regime de Stálin em 50%, para um período que cobre quase um quarto de século .

 

2.4 Hitler e o terror nazista

As grandes atrocidades cometidas pelo regime nazista na Alemanha tiveram como causas principais a situação sócio-econômica do país e a presença de Adolf Hitler no poder. De 1929 a 1933, a Alemanha vivenciou a miséria, o desemprego e uma economia estagnada. Esses fatores, somados à humilhação referente à derrota na Primeira Guerra Mundial, possibilitaram o crescimento do Partido Nacional-Socialista. Em 1933, Hitler tornou-se chanceler e quase sete anos mais tarde, em 1940, começou a segunda grande guerra do século XX.

As principais idéias de Hitler foram narradas em sua obra Mein Kampf (Minha Luta), em que analisa os principais pontos da sua teoria racista e anti-semita. Hitler advogava uma concepção de mundo aristocrática, hierárquica, desigual, antidemocrática, e um plano nacionalista de regeneração racial.

Com o plano nacionalista de regeneração racial, Hitler pretendia fazer uma distinção entre os homens de sangue alemão, únicos cidadãos do Reich, únicos a serem admitidos nas funções públicas, e os não-alemães, entre os quais os judeus, não-cidadãos, sujeitos, eventualmente, a ser expulsos. Mais tarde revelou-se não eventual, mas um processo de eliminação sistemática dos judeus. As primeiras linhas do livro evidenciam as suas intenções:

Feliz sentença do destino me fez nascer em Braunau, à margem do Inn. Esta cidadezinha encontra-se na fronteira desses dois Estados alemães cuja reunião nos parece, a nós que pertencemos à nova geração, a obra que devemos realizar por todos os meios possíveis. A Áustria alemã deve tornar à grande mãe-pátria alemã... os homens de um mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Reich... eis por que a cidadezinha fronteiriça de Braunau me aparece como símbolo de uma grande missão.

 

Hitler acreditava em uma raça superior da humanidade, a raça ariana. Todavia, não a define e nem sequer analisa as discussões sobre a possibilidade de existência de tal raça. A superioridade da raça ariana estaria incluída no seu próprio ser, constituindo-se na raça depositária do desenvolvimento da civilização humana. A mestiçagem, por outro lado, seria o pecado supremo contra a vontade de Deus.

A partir destas premissas, Hitler percebe que o povo alemão não tem mais uma base racial homogênea e culpa os judeus por essa miscigenação indesejada. Os judeus significavam, na cabeça doente de Hitler, uma ameaça à existência do povo alemão. Eles controlavam o partido Social-Democrata, e pior, pregavam a ideologia marxista. Para Hitler, todo mal era proveniente do marxismo que, em última análise, era a doutrina de um judeu forjada para estabelecer o domínio dos judeus sobre todos os povos. Hitler, enfim, havia encontrado um “bode expiatório” - o povo judeu - para chegar ao poder e unir o povo alemão em torno de um Estado totalitário.

Esse Estado racista, idealizado e criado por Hitler, precisava convencer o povo alemão da luta a ser travada contra os inimigos internos. Os instrumentos de convencimentos foram a propaganda e a educação. A propaganda do Estado racista era simples e popular. Segundo Hitler, quanto mais baixo o nível intelectual da propaganda, maior será o seu alcance na população. A educação tinha como objetivo principal difundir na cabeça dos jovens a importância da raça e a superioridade absoluta do povo alemão sobre todos os outros.

Mein Kampf, principal obra das idéias racistas de Hitler, foi um dos principais instrumentos de massificação do povo e de propaganda de suas idéias. Em 1933, quando Hitler se tornou primeiro-ministro, 800 mil exemplares do livro já haviam sido vendidos. Um milhão e quinhentos em 1934; dois milhões e quinhentos em 1936, até chegar em 1940 com mais de seis milhões de cópias vendidas.

Com o povo alemão convencido de que os judeus deviam ser eliminados a fim de conservar a pureza da raça ariana, faltava apenas uma polícia especial para começar a “limpeza”. A S.A., organização de tropas de assalto, fundada em 1922, foi a primeira formação nazista supostamente mais militante que o próprio partido. Em 1926, foi fundada a S.S. como a formação de elite da S.A., e, finalmente o S.D., Serviço de Segurança, que funcionava como um serviço de espionagem ideológica do partido.

O resultado dessa ideologia foram 6 milhões de judeus mortos nos campos de concentração. As ditaduras mostraram que o controle sobre as massas constitui a base para o sucesso de um regime totalitário. Além disto, a brutal deslealdade, descrita de forma muito parecida em ambas ditaduras, constitui significativa semelhança entre os dois regimes políticos.

 

3. Alguns fenômenos ditatoriais após 1945

Com o fim da Segunda Guerra e a vitória dos aliados, que representou a derrota do totalitarismo e a vitória da ‘democracia’, o mundo esperava que as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários não se repetissem. Os principais responsáveis pelos crimes cometidos foram julgados e todos condenados à morte pelo Tribunal de Nuremberg, no ano de 1946. A Justiça havia sido feita, e o que importava a partir de então era a defesa dos Direitos Humanos e o respeito à dignidade humana.

Todavia, conforme demonstra a história, esses ideais não se realizariam. Antes mesmo de a guerra terminar definitivamente, face à não-rendição do Japão, o mundo assistiu a uma prévia do que estaria por vir. No dia 6 de agosto de 1945, os americanos - que um ano depois estariam julgando os nazistas pelo crime de genocídio - desencadearam sobre a cidade de Hiroshima um bombardeio atômico que destruiu 60% da sua área urbana e matou dezenas de milhares de pessoas. Três dias depois, o massacre aconteceu na cidade japonesa de Nagasaqui. Na época, o então presidente americano afirmou que, caso o Japão não assinasse sua rendição, os ataques atômicos continuariam.

Por todo o mundo, regime ditatoriais criminosos surgiram em torno da disputa geopolítica travada entre as duas grandes superpotências - EUA e ex-URSS. A denominada guerra fria ("fria" é, por sinal, uma figura pouco apropriada para o que se passou) serviu apenas de justificativa para vários conflitos armados patrocinados pelas duas potências, em território alheio. A indústria bélica das grandes potências em muito se beneficiou com isto.

A América Latina sofreu enormemente com essa disputa e foi palco de uma série de golpes militares patrocinados pelos EUA e os seus órgãos de inteligência. Ressalte-se o grande trabalho da CIA, o serviço de inteligência estadunidense. O Brasil, a Argentina, a Nicarágua, o Chile, o Uruguai, o Peru, a Colômbia, o México, o Paraguai, a Guatemala e El Salvador são alguns exemplos de países em que ditaduras foram instituídas com o apoio do serviço de inteligência americano, conforme explica Huggins:

Assim, embora não saibamos quanto a CIA gastou realmente com polícias estrangeiras durante a década de 1950, podemos supor que esse financiamento foi generoso, dada a importância das polícias estrangeiras para o trabalho da CIA nas áreas de informação de anti-subversão.

A Doutrina de Segurança Nacional - a ideologia de suporte às ditaduras militares na América Latina - criou um sentimento de guerra na população. O inimigo a ser combatido era o “comunismo”. Com esse pretexto, os EUA levaram adiante duas guerras sangrentas, na Coréia e no Vietnã, e uma campanha militar ou paramilitar a cada dezoito meses, em média: Grécia, 1948; Irã, 1953; Guatemala, 1954; Indonésia, 1958; Líbano, 1958; Laos, 1960; Cuba, 1961; Congo, 1964; Guiana Inglesa, 1964; República Dominicana, 1965; Camboja, 1970.

Essa propaganda ideológica da Doutrina de Segurança Nacional refletia os interesses dos setores mais reacionários da sociedade latino-americana, e por isto os militares não encontraram dificuldades em implementar regimes ditatoriais em seus países. A soberania e a dignidade do país deveriam ser conquistadas a todo o custo e o comunismo expurgado como um câncer. Sobre as ditaduras latino-americanas, o professor Christian Caubet explica:

Nos países afetados (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai, etc...), foram institucionalizadas ditaduras violentas, que se dotaram de aparelhos repressivos extremamente cruéis e degradantes, praticaram a cassação, o banimento, a tortura, a liquidação física dos oponentes e o desaparecimento forçado de pessoas. Muitas vezes, o sistema de governo baseou-se no terrorismo de Estado.

 

Por outro lado, os Estados apoiados pela antiga URSS também cometeram seus atos de barbáries, no contexto da bipolaridade. Os exemplos mais marcantes são a Coréia do Norte, o Vietnã, Laos, o Camboja e o Afeganistão, na Ásia, e a Etiópia, Angola e Moçambique, na África, para não citarmos as ditaduras do Leste europeu. Em todos estes países foram desenvolvidos Estados ditatoriais, de ideologia comunista, que serviram de instrumento de repressão e terrorismo contra as suas populações. A guerra fria gerou este paradoxo: guerras e ditaduras em território alheio, e paz para as grandes potências.

Em razão do grande número de países envolvidos, não será possível, no âmbito deste trabalho, analisar todas as ditaduras, sejam de influência americana ou soviética, surgidas no pós-guerra. Por isto, para conhecer um pouco o que esses regimes significaram em termos de violência e terror às suas populações, serão analisados os governos ditatoriais instalados no Brasil, na Argentina, no Chile, na Coréia do Norte e no Camboja, após a Segunda Guerra Mundial.

 

3.1 O golpe militar de 1964 e o terror no Brasil

As ditaduras praticadas na América Latina, embora violentas e terroristas, não repetiram os massacres cometidos nos regimes totalitários nazista e soviético. No entanto, este fato não as absolve dos crimes cometidos contra a população. No Brasil, o golpe militar impunha um sentimento de medo na população, com a utilização de métodos como a tortura, o “desaparecimento” forçado dos oposicionistas, os assassinatos sumários, os exílios, etc. Os esquadrões da morte foram o principal instrumento de terror da polícia brasileira.

O golpe de Estado de 1964 não foi tão odiado. Muitos setores da opinião pública brasileira, que já estavam descontentes com o governo de João Goulart, inclusive movimentos sociais populares, apoiaram os militares. Os militares colocaram no poder o General Castello Branco, um “moderado” que tinha a simpatia de grande parte dos civis. Em 1967, foi outorgada uma nova Constituição Federal que, embora não-democrática, esboçava a volta do país à democracia, todavia comandada pelos militares.

Com o segundo militar no poder, o General Costa e Silva, a idéia de democracia do governo anterior foi esquecida, bem como a prometida abertura de diálogo com todas as organizações nacionais, com a edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5) em 13/12/1968. Sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, os primeiros perseguidos foram os estudantes e os padres ligados à esquerda brasileira. A política de linha-dura, instituída pelo AI-5, vigiava o MDB, único partido de oposição e, através de cassações de mandatos dos seus parlamentares no Congresso, impediu a formação de uma frente popular. Explica Huggins:

O quinto Ato Institucional do governo militar respondeu a seus critérios políticos concedendo amplos poderes ao seu próprio Executivo, inclusive o poder de declarar unilateralmente o estado de sítio. A censura à imprensa ampliou-se enormemente, o Congresso foi fechado, todas as garantias constitucionais e individuais foram suspensas - inclusive o habeas corpus - e as detenções foram permitidas sem qualquer mandato ou acusação formal. Os crimes políticos deveriam ser julgados por tribunais militares e suprimiam-se os direitos eleitorais por crimes políticos; as propriedades desses “criminosos” deviam ser confiscadas.

 

Essa intensificação da repressão significou o aumento da tortura e do assassinato pelas forças de repressão brasileiras. A violência indiscriminada havia sido institucionalizada como política nacional. A tortura, usada desde a Inquisição como forma de obter confissões, passou a ser empregada no Brasil ditatorial como instrumento de aniquilação da oposição e daqueles que se manifestassem contra o regime. Estima-se que, no período entre 1969 e 1974, pelo menos 1.588 brasileiros foram torturados por policiais militares.

A tortura foi um método de apuração da verdade bastante utilizado pelas autoridades policiais brasileiras, durante o período ditatorial. A tortura não se restringiu apenas às pessoas consideradas suspeitas de atividades subversivas. Crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos, etc.

Uma modalidade de tortura muito utilizada contra mulheres consistia em introduzir uma palha de aço (conhecida no Brasil pelo nome de uma das marcas que comercializam este produto, Bom-Bril) na vagina, prender um fio de rádio portátil à esponja metálica e ligá-lo à corrente elétrica. Com a mistura de umidade e eletricidade em médias voltagens, as dores provocadas eram enormes. Outros métodos de tortura por agressão aos genitais utilizados foram golpes nos testículos, choques elétricos, nudez física, violação sexual. Também se recorria a métodos físico-psíquicos, tais como a privação de sono, de comida, de acesso ao banheiro, os olhos vendados durante interrogatórios ou períodos prolongados, etc. Por fim, havia os métodos somente físicos, como o estrangulamento, as queimaduras, a submersão em água, etc.

A violência do regime ditatorial brasileiro, principalmente entre os anos de 1969 a 1974, foi terrível. Foram 144 desaparecidos oficialmente; 10 mil exilados políticos; 4.682 cassados; e, finalmente, 245 estudantes foram expulsos das universidades A tortura policial foi oficializada; execuções eram feitas constantemente e vários opositores ao governos tiveram de se exilar. Todavia, nas demais ditaduras latino-americanas, principalmente no Chile, na Argentina e no Uruguai, a violência e o terror foram ainda maiores.

 

3.2 O terrorismo de Estado na Argentina e no Chile

A ditadura militar na Argentina iniciou-se em 23 de março de 1976, quando o presidente Juan Perón foi deposto, após um golpe de Estado. Nos primeiros quatro meses do regime, mais de 4.000 prisões foram confirmadas; em mais de 80% dos casos, a tortura foi utilizada. Estima-se que em 1979 mais de 5.000 opositores ao regime foram mortos, dois milhões exilados e mais de 30.000 são considerados desaparecidos durante o regime militar argentino. Explica Pascual:

O regime militar em cujas mãos padeceu a Argentina entre 1976 e 1983 não foi apenas mais um exemplo de autoritarismo latino-americano. O que aconteceu na Argentina foi o resultado de um plano deliberado e consciente, elaborado e executado pelas próprias Forças Armadas do país, no intuito de proporcionar mudanças profundas nas estruturas sociais e nas formas de organização política, baseadas na repressão violenta, e conseguindo uma relação entre o Estado e o homem mediada pelo terror. Foi um regime muito mais violento que outros anteriores, porque tinha como base a instauração do terror a partir do próprio Estado. Configurou-se um caso de Estado com poderes absolutos, cuja própria dinâmica e doutrina impossibilitavam a sua sujeição a normas, e que possuía poderes ilimitados para o exercício da violência contra indivíduos e grupos

 

Tal como a Argentina, o Chile vivenciou experiências trágicas e degradantes durante o regime ditatorial instaurado naquele país em 11 de setembro de 1973. Em seguida ao golpe de Estado, os militares chilenos deram início a uma caçada sangrenta aos opositores do governo, prendendo ilegalmente, torturando e assassinando pessoas. O povo foi reduzido ao silêncio e rapidamente a “ordem foi estabelecida”. Estima-se que mais de 3.000 chilenos foram mortos e milhares foram torturados. Os militares chilenos incorporaram fielmente a ideologia da Segurança Nacional, conforme explica Comblin:

A ideologia chilena é especialmente radical no que diz respeito à guerra total e absoluta entre o Chile e o “marxismo internacional”. Por isto, é a Doutrina de Segurança Nacional que inspira rigorosamente a legislação - a mais rígida da América Latina. Em nenhum outro lugar a afirmação da missão das elites militares de encarnar a Nação é tão inflexível. Em nenhum outro lugar o regime conseguiu obter em tão pouco tempo a ordem e a tranqüilidade: em nenhum outro lugar o povo foi reduzido ao silêncio a tal ponto, e de maneira tão eficiente.

 

O professor Calderón explica:

 

No Chile, há mortos desaparecidos, torturados. Houve um exílio massivo e, dentro do Chile, repressão de massas. Mas, em termos concretos, a repressão foi a mais tecnificada dentre as repressões das ditaduras latino-americanas - isto é, com um custo ‘necessário’ calculado para obter o máximo efeito de paralisação sobre a população

 

Em toda América Latina, o terrorismo de Estado desenvolveu métodos sistemáticos de intimidação física e psíquica de pessoas, com danos irreparáveis às vítimas, danos que permanecem nas suas mentes mesmo após o fim desses regimes. O drama psíquico nos familiares de desaparecidos não acaba; a incerteza quanto ao destino, mesmo aceitando-se o evento morte, causa danos pessoais permanentes. Os torturados não conseguem superar os momentos de sofrimento e a tortura continua, só que na memória. O número total de mortos na América Latina, em razão dos regimes ditatoriais, é estimado em 150.000.

 

3.3 Coréia do Norte: crimes e terror

No contexto da guerra fria, os EUA e a ex-União Soviética dividiram a Coréia em duas partes. Nos termos do acordo assinado com os americanos em 1945, a URSS ficou encarregada de administrar provisoriamente a parte coreana, que se estende ao norte do paralelo 38, e os americanos ficaram responsáveis pela porção sul do território.

No dia 9 de setembro de 1948, a República Popular e Democrática da Coréia foi criada, e em seguida as suas fronteiras foram fechadas ao território coreano sob influência estadunidense. Também foi vedado o acesso de qualquer representante da comunidade internacional. Em 25 de junho de 1950 teve início a guerra das “duas” Coréias. Esta guerra terminou em 1953, resultando na morte de mais de meio milhão de coreanos. Com o fim da guerra, a Coréia do Norte tornou-se ainda mais fechada, sob forte influência soviética e sem nenhum contato diplomático com a Coréia do Sul.

Em razão do seu alinhamento com o bloco comunista, a Coréia do Norte deu início às reformas do Estado, como a reforma agrária para a coletivização do campo, o partido único, o enquadramento ideológico da população em associações de massas, etc. Antes da criação da Coréia do Norte, em 1948, já era impossível a coreanos residentes no sul do país deslocar-se para o norte. Entretanto, a saída para o sul de coreanos residentes ao norte do país ainda era possível. Este fato possibilitou a migração para o sul de centenas de milhares de coreanos do norte, que fugiam com medo das reformas comunistas que estavam em implementação.

Em 1953, com a assinatura do armistício, a principal preocupação do governo da Coréia do Norte foi limpar o país da ameaça norte-americana, aniquilando todos aqueles acusados de espionagem ou subversão. As execuções eram feitas com base no Código Penal, que prescrevia a pena capital para crimes contra a soberania do Estado, a administração do Estado, a propriedade do Estado, as pessoas, os bens dos cidadãos e, finalmente, contra os militares. A lei facilitava a execução de cidadãos discordantes do regime, uma vez que a tipificação dos crimes puníveis com pena de morte era extremamente vaga.

No auxílio à repressão, foram criados no fim dos anos 50 campos de concentração no interior do país, para abrigar opositores políticos e criminosos. Assim como qualquer campo de concentração, os campos coreanos eram extremamente degradantes ao ser humano. Os prisioneiros eram submetidos à fome, com alimentação insuficiente; havia total isolamento relativamente ao exterior, e a jornada de trabalho diária era de mais de 12 horas.

Calcula-se em mais de três milhões o número de mortos durante os cinqüenta anos do regime comunista no país, considerando os 100.000 mortos em conseqüência dos expurgos realizados no interior, os 1,5 milhão de mortos em campos de concentração, as milhares de vítimas diretas da fome e da miséria em ambas Coréias e os 1,3 milhão de mortos em razão da guerra entre as duas Coréias (1950-1953).

 

3.4 O Camboja de Pol Pot

O que aconteceu no Camboja não difere muito daquilo que ocorreu em outros regimes ditatoriais comunistas: execuções, mortes em conseqüência da fome, trabalhos forçados e o terror espalhado por toda a população do país. A morte violenta era comum no regime de Pol Pot. Morria-se mais por assassinatos do que por velhice. O Código Penal também descrevia uma lista enorme de crimes apenados com a pena de morte, com o agravante de incluir a crueldade na hora da morte:

A selvageria do sistema reaparece no momento supremo, o da execução. Para poupar as balas, mas também para satisfazer o freqüente sadismo dos executores, o fuzilamento não é o mais corrente: apenas 29% das vítimas, segundo o estudo de Sliwinski. Em compensação, seriam contados 53% de crânios esmagados (com barras de ferro, com cabo de enxada), 6% de enforcados e asfixiados (com saco plástico), 5% de decapitados e de espancamentos até à morte. Confirmação da totalidade dos testemunhos: somente 2% de assassinatos teriam ocorrido em público. Entre esses, um número significativo de execuções “exemplares” de quadros caídos em desgraça, utilizando-se métodos particularmente bárbaros, em que o fogo (purificador?) parece desempenhar um papel relevante: enterramento até ao peito numa vala cheia de brasas, cremação das cabeças com petróleo.

 

O regime de Pol Pot compreendeu o período entre 1975 e 1979, quando vários grupos étnicos e religiosos foram perseguidos e massacrados. Não se sabe ao certo o número de vítimas, e os cálculos são feitos, geralmente, com base em dados demográficos. O estudo de Kiernan apresenta a cifra de 1.500.000 mortos. Chandler afirma que os mortos não passaram de 1 milhão. Todavia, essa variação na quantificação do número de vítimas do regime comunista não diminui o terror que a população do Camboja viveu.

 

4. O Estado democrático de direito e o terrorismo

Até aqui, dedicamo-nos a analisar o terrorismo praticado por Estados totalitários e ditatoriais, como, por exemplo, a ex-União Soviética de Stálin ou o Chile de Pinochet. Não está completamente claro, até ao momento, se o conceito terrorismo de Estado se aplicaria ao Estado democrático de direito também.

Em princípio, são duas as razões que excluiriam a aplicação do conceito terrorismo de Estado ao Estado democrático de direito. Primeiro, o fato de que uma democracia baseia-se na lei e esta, em tese, ocupa um lugar privilegiado na estrutura do Estado de direito, uma vez que permanece como expressão da vontade comunitária, expressa através de órgãos representativos que são dotados de legitimação democrática. A segunda, talvez uma decorrência lógica da primeira, é que o Estado democrático de direito aparece a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada em 1948, como o principal ator na proteção dos direitos humanos.

Essas duas razões, entretanto, não são suficientes para excluir o Estado de direito democrático da condição de instituição terrorista. Como premissas, ressalte-se que muitos dos crimes cometidos nos regimes totalitários e ditatoriais foram baseados em leis e que no Estado de direito ainda permanecem as práticas e os métodos utilizados pelos Estados totalitários e ditatoriais para a disseminação do terror junto a grupos da população, tais como a tortura, as execuções sumárias, os assassinatos em prisões, os “desaparecimentos” forçados, etc.

A violência é parte integrante do Estado; este passa a manipulá-la ideologicamente com o fito de a legitimar, transformando-a em algo normal. O Estado não procede apenas por meio da violência física, mas sobretudo por meio da violência simbólica, que transforma o discurso da proteção dos cidadãos em justificativa para a utilização, pelo aparelho repressivo do Estado, da violência física contra cidadãos.

 

4.1 Lei e terror

Todo Estado, mesmo aqueles mais criminosos, edificou-se sobre o arcabouço de uma organização jurídica. Assim, pode-se invalidar a falsa presunção de que a lei afasta o arbítrio, os abusos, os crimes e a violência indiscriminada por parte do Estado. Esta suposta cisão entre lei e violência é falsa, sobretudo para o Estado de direito. Nas palavras de Poulantzas:

É o Estado de direito, o Estado da lei por excelência que detém, ao contrário dos Estados pré-capitalistas, o monopólio da violência e do terror supremo, o monopólio da guerra (...) e mais: a lei organiza as leis de funcionamento da repressão física, designa e gradua as modalidades, enquadra os dispositivos que a exercem. A lei é, neste sentido, o código da violência pública organizada.

 

O fato de a violência estar baseada na lei não exclui a prática do terror junto aos cidadãos. Cria-se o terror público legítimo, através da atuação do aparelho repressivo do Estado. Não se trata da violência ‘patológica’ ou criminosa, ou seja, aquela gerada contra a lei, como a tortura feita por policiais em delegacias de polícia. Trata-se da violência do código penal de um país, que condena o cidadão à pena de morte ou ao encarceramento prolongado na crença de “fazer justiça”. É evidente que essa violência da lei dissemina o medo. A violência da lei não se esgota com a prática do ato, mas sim com a possibilidade do seu exercício.

Para explicar esta violência, Poulantzas não aceita o razoamento de Foucault, quando este afirma que o exercício do poder nas sociedades modernas se baseia muito menos na violência-repressão aberta e do que nos mecanismos tidos como mais sutis, na denominada interiorização da repressão pelos cidadãos. Segundo Poulantzas, Foucault subestima o papel da lei e dos aparelhos repressivos do Estado moderno ao afirmar que o poder moderno não se basearia na violência física organizada, mas na manipulação ideológico-simbólica, na interiorização da repressão.

Na verdade, as duas dimensões do exercício do poder são complementares. É impossível afirmar que o poder no Estado de direito se sustenta apenas no simbolismo ou pela interiorização do consentimento dos cidadãos, sem considerar o papel repressivo da violência física organizada. De qualquer forma, as justificativas para a violência institucionalizada do Estado, seja qual for o caminho adotado, não afastam o terror contido na lei. A lei pode ser cruel, desumana, degradante, da mesma forma que qualquer ato de terrorismo praticado por grupos extremistas. É importante que isto fique claro.

É necessário ainda ressaltar que o Estado age freqüentemente por meio de transgressões à lei que ele mesmo edita. A chamada razão de estado significa que a legalidade é compensada por algumas ilegalidades necessárias ao bom funcionamento do Estado. Explica Poulantzas:

Todo sistema jurídico inclui a ilegalidade assim como comporta, como parte integrante de seu discurso, vazios e brancos, “lacunas da lei”: não se trata de simples descuidos ou cegueira causados pela operação ideológica de ocultação que sustenta o direito, porém de dispositivos expressamente previstos, brechas para permitir ir além da lei, sem falar das violações puras e simples que o Estado faz de sua lei, que embora pareçam transgressões selvagens, pois não foram previstas na lei, assim mesmo fazem parte do funcionamento estrutural do Estado.

 

O Estado, sempre que considerar necessário à sua sobrevivência, ultrapassa os limites da lei. Um exemplo disso, no Brasil, é a possibilidade de decretação de estado de sítio (e suas conseqüências), de acordo com o ordenamento jurídico nacional. A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 138, prescreve que:

Art. 138 O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas

 

Este artigo da Constituição Federal prevê a possibilidade da sua própria destruição. O Estado cria mecanismos de modificação da lei, criando situações em que a ilegalidade e a legalidade integram uma mesma estrutura institucional. Isto garante a existência do próprio Estado, o seu funcionamento permanente, mesmo que amparado por mecanismos de ilegalidade.

 

4.2 Violência simbólica

O sociólogo Pierre Bourdieu explica as relações de dominação ocultas que se estabelecem nas práticas sociais como um poder invisível que não pode ser exercido de maneira consciente, mas apenas com a cumplicidade entre aqueles que não querem saber que são as vítimas e aqueles que exercem o poder. Nas palavras de Bourdieu:

O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.

 

A definição de Bourdieu esclarece que a crença geral no discurso que justifica a monopolização da violência e a atuação protetora por parte do Estado de direito se transforma em repressão violenta e generalizada, garantindo, desta forma, o sistema de dominação. Por exemplo, acredita-se que o sistema penal serve para garantir a segurança da população. A crença geral neste discurso de legitimação da atuação protetora por parte do Estado de direito normaliza a violência cruel e desumana que existe em todo sistema penitenciário.

De certa forma, a teoria do poder simbólico explica a ideologia e o mito existente em torno do terrorismo. A violência praticada por grupos ou indivíduos contrários a determinado sistema político é denominada de terrorismo. Cria-se então a figura mítica, estereotipada, negativa do terrorista, o mal a ser combatido, distinguindo-se a sua ação daquela praticada por milícias estatais ou por serviços secretos de governos. Mas haverá diferença entre as duas formas de violência? Explica Robert Kurz:

A sociedade democrática enxerga os terroristas quando se olha no espelho. Mas justamente por isto se presta o terrorista, como figura obscura, a manifestar o mal na “sociedade dos honrados burgueses, na forma de imagem abstrata do inimigo".

 

Os Estados totalitários, que assassinaram milhões de indivíduos, não são referidos na História como Estados terroristas. São denominados de Estados que produziam o ‘terror’. Mas a produção de terror não fará do Estado uma organização terrorista? O Estado é terrorista quando utiliza os seus aparelhos repressivos institucionais contra pessoas que são torturadas, assassinadas, seqüestradas, etc., ao mesmo tempo em que dissemina o medo e o terror entre os cidadãos.

A violência praticada pelo terrorista é desqualificada, enquanto que a violência oficial, institucional, a praticada pelo Estado é considerada “natural”, normal, banal e comum. A população convive acomodada com penitenciárias superlotadas, tortura em delegacias de polícias, com a morte de pessoas por fome, etc. Quando acontece um atentado terrorista, o cidadão sente-se ameaçado, a sua ‘paz’ em sociedade é ameaçada e, conseqüentemente, o ‘mal’ deve ser combatido.

A atitude da sociedade, aparentemente contraditória quando se passa de um tipo de violência ao outro, tem como provável causa o fato de o terrorismo praticado pelo Estado ser diário, permanente e quase silencioso, o que a leva a “acostumar-se” mais facilmente à dor permanente. Por outro lado, o terrorismo praticado por grupos ou indivíduos acontece de maneira esporádica, sempre acompanhado pelo barulho de explosões, fato que provoca reações de “revolta” à dor inesperada.

Segundo Bourdieu, o trabalho de legitimação consiste fundamentalmente em dar um tratamento verbal eufemístico no significado das relações de força, transfigurando as diferenças de fato em diferenças de direito ou de valor. O conflito transforma-se em consenso e a violência simbólica torna-se forma de dominação.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuem assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados’.

 

Neste caso, Bourdieu entende sobre a lei que:

Na origem, existe apenas o costume, ou seja, o arbitrário histórico da instituição histórica que procura se fazer esquecer como tal ao tentar erigir-se em razão mítica, com as teorias do contrato, verdadeiros mitos de origem das religiões democráticas, ou então, de maneira mais banal, naturalizando-se e obtendo assim um reconhecimento enraizado no desconhecimento (...) lei é lei, e nada mais.

 

A violência legal passa a ser algo natural, aceito por todos. O simples fato de existir a polícia e os demais aparelhos repressivos do Estado traz à lembrança a violência extralegal sobre a qual repousa a ordem legal e que a crença na lei pretende ocultar. Não convém que os cidadãos sintam essa usurpação, ela deve ser vista como autêntica, eterna e ocultar a sua origem.

Conforme explica o professor Paulo Sérgio Pinheiro: “O Estado é um grande dissimulado que consegue alternar a persuasão e o controle social com a violência física aberta”. Logo, aquele indivíduo que recebe um salário mínimo e tem um bem seu roubado, logicamente, vai chamar a polícia. Da mesma forma, aquele multimilionário que tem o seu carro importado roubado também vai procurar socorro junto à polícia.

Todos acreditam na violência legal, mesmo que, na realidade, o seu fim seja totalmente diverso daquele previsto na teoria. A força do costume dissimula a violência estatal e o arbítrio da lei, e transforma a violência extralegal em algo a ser combatido, eliminado, para o bem da sociedade. Em nome desse discurso, atrocidades são cometidas diariamente.

 

4.3 Violação dos direitos humanos ou terrorismo de Estado?

A tortura, muito praticada em nome de Deus por volta do século XII, atravessou os séculos, foi utilizada por Estados absolutistas, totalitários, ditatoriais, e, infelizmente, é também utilizada por Estados democráticos modernos. A questão proposta neste item é analisar o discurso sobre os direitos humanos e discutir se o tema serve para dissimular a violência da instituição que mais desrespeita esses direitos: o Estado.

No Brasil “democrático”, por exemplo, a tortura é considerada crime e, caso seja cometido por agente público, a pena pode chegar a 21 anos de reclusão. Conclui-se que, se existe a lei incriminando, é porque existe tortura. E ainda, a lei é de 7 de abril de 1997, quinze anos após o processo da abertura democrática brasileira. Durante esse período, foi realizada extensa campanha de grupos que lutam pela implementação dos direito humanos, com o objetivo de tornar crime a prática de tortura, principalmente aquela praticada em delegacias de polícia.

Todavia, ao analisar a letra da lei, percebe-se que a própria lei ‘legaliza’ a tortura. O artigo primeiro da lei prescreve que constitui tortura o constrangimento de alguém com o emprego de violência ou grave ameaça, causando sofrimento físico e mental. Com este tipo penal, intenta-se evitar que cidadãos presos não sofram espancamentos, choques elétricos, queimaduras ou qualquer tipo de maus tratos, em uma delegacia de polícia ou outro estabelecimento prisional.

Para entender, portanto, como a lei pode legalizar a tortura, avancemos uma seguinte hipótese: seja um indivíduo que é preso em flagrante pelo crime de roubo e levado à delegacia de polícia. Na delegacia, receba um tratamento digno possível e, depois de condenado, inicia o cumprimento da sua pena em uma penitenciária como o Carandiru, em São Paulo. Obviamente que a própria pena de encarceramento já constitui uma forma de tortura; se cumprida em uma penitenciária brasileira, a violência causada ao indivíduo supera aquilo que a lei pretende evitar.

Retomando o conceito da violência simbólica de Bourdieu, o discurso de legalização e incriminação da tortura é apresentado à sociedade como forma de garantir a segurança e o bem-estar da população. Porém, ao mesmo tempo, a própria lei prescreve uma violência física absurda, que se torna normal ou, simplesmente, aceita pelo mero fato de ser ‘legal’. A violência ilegal constituída pela tortura nas delegacias de polícia torna-se legal dentro da penitenciária, com o cumprimento da pena. Aqui não se questiona se o condenado merece a pena prevista para o crime, mas o fato de a lei prescrever uma forma de tortura - o encarceramento - que se torna normal e aceita pela sociedade, em razão de ser legal, apesar das suas condições de implementação.

A constatação de que a lei legitima a tortura leva a que questionemos se a democratização da sociedade é garantia dos direitos humanos. Tornou-se comum, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, incorporada à legislação de vários Estados, a afirmação de que o Estado de direito não mais violava os direitos humanos, sendo antes responsável pela sua garantia e implementação.

Acredita-se então que restaria apenas a violência ilegal, ou seja, a tortura em interrogatórios policiais ou em penitenciárias superlotadas; as execuções por grupos de extermínio; os massacres realizados em áreas rurais e urbanas, etc. Por hipótese, se essas mazelas fossem completamente eliminadas da sociedade, o Estado de direito não seria mais criminoso, mas sim garantidor dos direitos humanos.

Todavia, esta constatação não é suficiente, uma vez que a lei, na maioria das vezes, apenas legitima a violência. Violações dos direitos humanos em regimes ditos democráticos são mais visíveis em países pobres. Na verdade, os países ‘desenvolvidos’ dissimulam melhor a violência do Estado. Um exemplo é o fato de existir pena de morte na maior das democracias ocidentais, os EUA. Pela simples existência de uma lei que condena à morte um indivíduo, o crime de homicídio passa a ser regra. No Brasil e em outros países subdesenvolvidos, onde não existe a pena de morte legal, mas sim grupos de extermínio e policiais que assassinam indiscriminadamente, a idéia de desrespeito completo aos valores democráticos torna-se mais evidente.

Vale recordar o massacre do Carandiru, em outubro de 1992, quando 111 detentos foram executados de uma só vez. O relatório apresentado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), em abril de 2001, comparou a ação dos polícias de São Paulo e os de Nova York, em número de homicídios:

No Estado de São Paulo, o número de civis mortos pela polícia vem aumentando desde 1996. Em 1998 foram 525 civis mortos, em 1999 foram 664, um crescimento de 26% - o maior índice desde 1992, ano em que a polícia matou 111 presidiários em um massacre na casa de detenção do Carandiru, e o total de mortos chegou a 1532. Nos últimos nove anos, 6.672 pessoas foram mortas em ações da polícia militar no Estado de São Paulo. Essa tendência se intensificou ao longo dos seis primeiros meses do ano 2000, quando a polícia de São Paulo matou 489 civis, o que significa um aumento de 77.2% em relação à cifra de 1999. A média de pessoas mortas pela polícia de São Paulo no primeiro semestre de 2000 foi de uma a cada 9 horas, o que representa quase três homicídios por dia. Esse crescimento acompanha a evolução de presos e bate o aumento de 8% no índice geral de homicídios dolosos cometidos no Estado. A polícia de São Paulo mata uma média de 1000 pessoas por ano, enquanto que a polícia de Nova York mata uma média de 20 pessoas por ano, ou seja, a polícia paulista mata quase 50 vezes mais que a nova-iorquina, ou mais de 12 vezes per capita. Para cada policial morto em São Paulo, há 24 civis mortos. Em Nova York, esse número é de 77.

 

Não se pode ter por base apenas as execuções extrajudiciais como parâmetro de comparação. Quando um cidadão é morto em decorrência da pena de morte também se comete uma violação dos direitos humanos. Acreditar que o fato de existir uma lei prescrevendo a morte de outra pessoa afasta a violação consiste em enorme contradição. A pena de morte é um símbolo institucionalizado do terrorismo praticado pelo Estado. Nela estão contidos todos os elementos de um ato terrorista, como a crueldade, o medo, a irracionalidade e, obviamente, a morte. Da mesma maneira, as numerosas execuções de Stálin e Hitler também se fundamentavam na lei.

O degradante em um Estado de direito, que prescreve a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, é verificar que as maiores vítimas das violações dos direitos humanos são os negros, os menores de ruas, os imigrantes, os índios, as mulheres, os desfavorecidos economicamente, etc. Hélio Bicudo analisou a vida da maioria dos negros que vivem na América e explica:

Possivelmente o fator mais marcante da história do homem negro na América espanhola seja a ausência de mudança significativa na sua posição. É sabido que ele deixou de ser escravo, mas, no estado de privação em que vive, o negro ou o mulato hispânico se vêem impedidos de competir pelas maiores honras e posições da sociedade. Espanhóis e portugueses trouxeram os africanos para o Novo Mundo com o propósito de fazê-los desempenhar trabalho manual; passados quatrocentos anos, esta ainda é sua função.

 

A violência rotineira contra as minorias não possui a mesma magnitude de atentado denominado de terrorista. Apresenta-se para a sociedade como um fator internalizado pelas próprias relações sociais e está escondida na calma que essa violência institui; sobrevive e age de modo quase imperceptível. A violência rotineira cuida, entre outras coisas, dos escândalos que ela própria dissimula, impondo-se facilmente e conseguindo suscitar tal resignação geral que o cidadão não sabe mais ao que está resignado - tamanha foi a eficácia do esquecimento da violência. É o que Forrester denomina de violência calma. Negros são discriminados e violentados, crianças são mortas diariamente, os índios são exterminados de forma sistemática, a população carcerária sofre o tratamento degradante, e tudo existe como se não existisse. Para o professor Paulo Sérgio Pinheiro, “as graves violações dos direitos humanos pelo Estado revelam a rotina no cotidiano das populações”

Não são apenas as democracias ocidentais que podem ser consideradas terroristas. Todo Estado lança mão de meios terroristas contra grupos que representem ameaças ao seu poder. A ênfase dada ao Estado de direito explica-se pelo fato destas se apresentarem como entidades civilizadas e garantidoras dos direitos humanos, o que não ocorre na realidade.

De acordo com relatório da Anistia Internacional, existe tortura comprovada em pelo menos 75% dos Estados instituídos mundialmente. Em geral, as vítimas são criminosos ou suspeitos de ter cometido alguma infração penal. Outros alvos são: as minorias étnicas e sexuais, imigrantes, negros, mulheres e crianças. Nos EUA e na Europa, por exemplo, a maior parte das vítimas são negros ou minorias étnicas. Mensalmente, como forma de pressionar governantes, a Anistia Internacional lança a Campanha do Mês, em que divulga abusos cometidos por Estados contra os seus cidadãos.

A Campanha do Mês de março de 2001 divulgou o caso das internações ilegais na China. O governo chinês vem utilizando sistematicamente uma rede de hospitais psiquiátricos como centro de detenção e de tortura contra dissidentes do regime comunista. Essas pessoas são rotuladas pelas autoridades como ‘mentalmente instáveis’, o que justifica a internação e as torturas como forma de ‘recuperação’. De acordo com o pesquisador britânico Robin Munro, o número de dissidentes políticos internados como loucos na China pode chegar a 3.000.

A Namíbia, em caso também divulgado pela Campanha de março de 2001, mandou prender e expulsar os homossexuais do país. A justificativa do presidente Sam Nujoma para esse ato arbitrário foi a de que a Constituição da Namíbia não autoriza esse tipo de comportamento que, além de influenciar negativamente os jovens, também é a principal causa da proliferação da AIDS no país.

No mês de maio de 2001, a Anistia Internacional tornou públicos casos de tortura na Turquia, e prisões arbitrárias no Marrocos e na Tanzânia. Em junho, foram denunciados os casos de prisões arbitrárias na Armênia, onde opositores do serviço militar estão presos, na Arábia Saudita, onde um professor está preso sem julgamento desde 1995, e no Vietnã, onde um monge foi condenado à prisão perpétua em razão da sua opção religiosa.

A lista de violações dos direitos humanos praticadas pelos Estados é extensa e serve apenas para demonstrar e justificar que todos os Estados, sem exceção, cometem crimes diariamente, seja no plano interno, contra seus próprios cidadãos, seja contra outros povos, conforme será analisado no próximo item.

Assim, tendo como referência as características do terrorismo praticado por grupos ‘clandestinos’, apresentadas no capítulo primeiro deste trabalho, pode-se inferir que não existe diferença substancial entre o terrorismo praticado por esses grupos e a violência monopolizada do Estado.

 

4.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica

O terrorismo praticado pelo Estado é de responsabilidade de seus agentes ou o próprio Estado pode ser condenado criminalmente por tais atos? Hitler, Stálin, Pinochet, Pol Pot, Sadam Hussein, George Bush, Benito Mussolini, Silvio Berlusconi, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, devem ser responsabilizados sozinhos por crimes cometidos pelo Estado, ou, independentemente de quem exerça o poder, a pessoa jurídica de direito público, o Estado, pode ser condenada pelos seus atos de terrorismo?

Neste trabalho não será possível fazer um estudo comparado das legislações sobre a possibilidade de imputação de responsabilidade penal à pessoa jurídica do Estado. De modo geral, os países de tradição no direito romano resistem a essa possibilidade. A França, porém, através do Código Penal de 1994, adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Entre outros, foram tipificados os crimes de racismo, de espionagem, contra o meio ambiente, de pesquisa biomédica e de terrorismo. Em todos esses crimes, as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas criminalmente, independentemente da responsabilidade da pessoa física.

No Brasil, a legislação referente ao assunto é recente e polêmica. A Constituição Federal prevê, no seu artigo 225, parágrafo 3°, a possibilidade de aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas que praticam condutas lesivas ao meio ambiente. No artigo 173, §5°, existe a possibilidade de imputação criminal das pessoas jurídicas que cometem crimes contra a ordem econômica e financeira.

A lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre a possibilidade de aplicação de sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente, e prevê especificamente a possibilidade de responsabilização criminal das pessoas jurídicas que incorram nas infrações previstas na lei:

Art. 3. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou do seu órgão colegiado, no interesse e benefício da sua entidade.

 

Parte da doutrina entende que a responsabilização penal da pessoa jurídica é uma afronta aos princípios básicos do direito penal, uma vez que, por ser a pessoa jurídica um ente ficto, não podem ser aplicados os conceitos de dolo, culpa e culpabilidade, por exemplo. Outro obstáculo é a impossibilidade da aplicação de penas corporais às pessoas jurídicas, comuns no direito penal.

O fato de a pessoa jurídica não poder sofrer coação física pode ser substituído pela aplicação de penas alternativas ou penas pecuniárias, que fazem parte do direito penal tradicional. O importante não é o tipo de pena aplicada, mas o reconhecimento de que a pessoa jurídica comete crimes. Neste caso, o apego às tradições do direito penal significa, na verdade, escusa para que atividades delituosas de grupos e de Estados permaneçam protegidas pela teoria da inimputabilidade da pessoa jurídica.

Neste sentido, se admitida a possibilidade de responsabilização penal para a pessoa jurídica no caso de torturas, assassinatos e todo tipo de terrorismo praticado pela instituição, admitir-se-ia, no mesmo passo, que o Estado pode ser criminoso. Isto resultaria numa contradição, posto que o Estado de direito teria que criar uma legislação que o incriminaria a si próprio. Daí, talvez, a grande resistência em se admitir que o Estado pode ser terrorista e, obviamente, criminoso. É mais fácil condenar Pinochet pelos assassinatos no Chile ditatorial do que acusar de criminoso o Estado chileno e o seu aparato repressivo.

No Brasil, em março de 2001, foi aberto um inquérito com base na Lei n. 9.455/97 (Lei da tortura) contra seis policiais, quatro militares e dois civis, por terem espancado Alexandre de Oliveira, que havia sido acusado de estuprar a filha de 1 ano e 7 meses. Posteriormente, descobriu-se que tudo não passou de um mal-entendido. O sangramento na vagina da menina era decorrente de um tumor. Neste caso, somente os policiais podem ser responsabilizados pelo erro e pela tortura cometidos contra o cidadão?

 

5. Dimensões internacionais para o terrorismo de Estado

O Estado de direito e os demais Estados imperialistas não usam a violência apenas contra seus cidadãos. Esses Estados cometem atrocidades fora de seu território. Em geral, os massacres são cometidos por razões humanitárias ou em nome de alguma guerra ‘justa’ e necessária para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As verdadeiras razões, porém, são sempre econômicas e o uso da força faz-se necessário para alcançar os objetivos perseguidos.

Após a II Guerra Mundial, a divisão geopolítica instaurada pela Guerra Fria transformou o planeta num campo de batalha. É neste contexto que devem ser citados os conflitos no Vietnã, Coréia, Afeganistão, Camboja e Cuba, entre outros. Conflitos regionais emergira, ainda, em razão da descolonização e da formação de novos Estados, como Timor Leste e Israel.

Os pesquisadores de relações internacionais e do direito internacional costumam chamar a utilização da força em uma guerra ou em qualquer tipo de ação militar de Diplomacia Coercitiva ou, simplesmente, guerra - nunca de terrorismo. Para Michael Stohl, o Estado utiliza métodos terroristas nas relações internacionais muito mais do que dentro do seu próprio território. Ele define terrorismo como:

A ação deliberada ou ameaça de violência com o fito de gerar medo e/ou um comportamento de aquiescência numa vítima e/ou público da ação ou da ameaça. A legitimidade do estado nacional é ela própria concebida como instância legitimadora de ações que seriam condenadas como ações terroristas caso consistissem em comportamentos de atores não-estatais.

 

Como terrorismo de Estado, Stohl cita, além da guerra, as ações das polícias secretas dos Estados, como CIA e KGB, que em suas ‘operações especiais’ espalharam brutalidade e terror nos locais em que atuaram: Guatemala (1954), Indonésia (1958), Irã (1953) e Cuba (1961) são alguns exemplos. Nesta forma de terrorismo, o objetivo principal do Estado é a desestabilização de governos locais, utilizando ataques armados, assassinatos, tortura e auxílio material e logístico para obter sucesso nos golpes de estado.

Uma das atuações mais marcantes da CIA foi o golpe militar de 11 de setembro de 1973, quando o presidente do Chile, Salvador Allende, foi deposto por um violento golpe militar que contou com a participação direta do serviço de inteligência dos Estados Unidos. O governo estadunidense autorizou créditos de US$ 7 milhões para que a CIA garantisse o sucesso da operação com financiamento e assistência militar aos grupos de oposição ao governo de Allende, como Patria y Libertad.

 

5.1 A guerra no Kosovo e os ‘erros’ da OTAN

O conflito ocorrido na província do Kosovo tem como causas principais as questões históricas referentes à formação e à posterior desintegração da antiga Iugoslávia. Em 1913, as grandes potências européias decidiram conceder à Sérvia a região do Kosovo, à época densamente povoada por albaneses. Assim como em todos os Estados que se formaram com o processo de descolonização, não foram levados em conta aspectos etnográficos na formação territorial da Sérvia.

A partir de meados dos anos sessenta, com o regime de Tito, o Kosovo perdeu parte de seu estatuto jurídico de província autônoma e foi incluída quase que plenamente na estrutura federal. Em 1978, os albaneses detinham 83% da administração kosovar, e os sérvios 9,3%. A expectativa de que a população albanesa rapidamente se incorporasse aos sérvios não se confirmou, e a tensão foi aumentando ao longo dos anos.

Com a deterioração da federação ao longo dos anos oitenta e a subida de Slobodan Milosevic - que não tinha a capacidade mediadora de Tito - ao poder na Sérvia, os conflitos aumentaram, e os sérvios lançaram mão de uma violenta repressão para conter a insatisfação da maioria albanesa. O início da violência generalizada aconteceu com a supressão da autonomia kosovar, em março de 1989. Houve conflitos em todos os outros Estados federados: na Eslovênia, na Croácia e na Bósnia-Herzegovina. Estes, todavia, conseguiram organizar exércitos com condições de lutar pelas suas independências, o que não ocorreu no Kosovo.

A criação de mais um país independente na região dos Bálcãs não interessava à Sérvia de Milosevic, nem aos países ocidentais. Assim, a população kosovar sofreu o terror de dois lados. Por um lado, as tropas sérvias, comandadas por Milowevic, massacraram a população albanesa. Por outro lado, centenas de civis foram mortos ‘por engano’ com os bombardeios da OTAN.

O governo de Milosevic culpava o ELK (Exército de Libertação do Kosovo) pelo início do conflito. Em março de 1998 houve um grande massacre entre a população albanesa do Kosovo. Dezenas de mulheres, crianças e velhos foram executados, acusados de ‘terroristas’ pelo exército sérvio. As manifestações que aconteciam em Pristina, capital do Kosovo, foram duramente reprimidas pelos sérvios. O drama dos refugiados é assim retratado por Coggiola:

A esperada explosão em Kosovo aconteceu e se transformou numa guerra de grande escala. A ofensiva do exército e das forças policiais da Sérvia em Drenitsa e nos povoados da fronteira da Albânia com a Iugoslávia, supostamente o refúgio do Exército de Libertação de Kosovo, transformou a área em um território devastado ‘etnicamente limpo’. Velhos, crianças e mulheres foram novamente as principais vítimas. 107 mil pessoas, a maioria de etnia albanesa - de acordo com a agência da ONU para os refugiados - foram deslocadas dentro de Kosovo, e mais de 43 mil fugiram para Albânia e Montenegro. Outros 20 mil civis, de etnia sérvia, escaparam para o norte, mais para o interior da sérvia, em 1998.

 

Os países da Europa ocidental e os EUA decidiram-se por uma intervenção militar no conflito, através da OTAN. Esta medida trouxe ainda mais terror à população do Kosovo, agora com outra roupagem. A intervenção militar ocidental foi acompanhada de um discurso de preocupação com a situação dos kosovares, e disposição de estancar as mortes que ali ocorriam. Todavia, a intervenção possuía objetivos econômicos, e não humanitários. Quando a Sérvia não aceitou seguir as regras ditadas pelo FMI, os EUA iniciaram uma campanha de desestabilização na região; decidiu-se que a província do Kosovo serviria de passagem para um oleoduto que transportaria o petróleo do Mar Cáspio até aos mercados da Europa ocidental.

Em 24 de março de 1999, a OTAN lançou uma ofensiva contra alvos militares iugoslavos, na qual repetidos ‘erros’ dizimaram centenas de sérvios e de refugiados kosovares. No dia 6 de abril, bombas da OTAN mataram cinco pessoas e feriram dezenas numa área residencial de Belgrado. No dia 12 de abril, a ofensiva acertou um trem de passageiros ao sul de Belgrado; trinta pessoas morreram. No dia 14 de abril, ataques aéreos atingiram um comboio de refugiados em Kosovo, deixando 64 mortos. No dia 7 de maio, a embaixada da China foi bombardeada, deixando 20 pessoas mortas. A lista de ‘erros’ é extensa; segundo dados oficiais, 1.200 civis morreram em conseqüência da ofensiva militar da OTAN.

Esta ofensiva violou algumas normas do direito internacional. A OTAN constitui um pacto de defesa; logo, somente poderia usar a força militar se fosse atacada. O mais grave é que a Organização utilizou forças militares sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU - órgão que detém o monopólio da força em nível internacional. Ademais, durante a Operação Força Aliada, a OTAN nunca esclareceu quais normas do direito internacional humanitário eram aplicadas pelas suas forças, nem de que forma manteria uma interpretação comum dessas normas durante a campanha.

Os membros da Aliança não assinaram os mesmos tratados. Os Estados Unidos, cujos aviões participaram de 80% dos ataques aéreos, não ratificaram o Protocolo I adicional, anexado às Convenções de Genebra de 1949, que proíbe ataques dos quais se pode esperar que causem, acidentalmente, perdas de vidas humanas na população civil, ferimentos de civis, estragos em bens de caráter civil, que seriam excessivos em relação à vantagem militar concreta e diretamente esperada. A França e a Turquia também não. O porta-voz da OTAN, Jamie Shea, repetiu durante toda a campanha que nunca as leis de guerra haviam sido tão respeitadas, sem mencionar diretamente o Protocolo I.

Um dado instigante do conflito é que a intervenção militar da OTAN teve um objetivo humanitário: aquele de pôr fim a um ‘genocídio’ que supostamente o exército sérvio vinha patrocinando no Kosovo. Redes de TV ocidentais afirmaram que 500.000 pessoas teriam sido mortas, outras citam 300.000 mortos. Porém, quando terminou o conflito e foram contados os albaneses mortos, 2.018 corpos foram encontrados. Explica Halimi:

Em Kosovo, na última primavera, as forças iugoslavas fizeram coisas atrozes. Expulsaram centenas de milhares de kosovares albaneses queimando suas casas, e promoveram execuções sumárias. (...) Porém, outras alegações -- morticínio indiscriminado em massa, campos de violação, mutilação dos mortos - não foram confirmadas (...). Militantes kosovares albaneses, as organizações humanitárias, a OTAN e a mídia alimentaram-se uns aos outros, para dar credibilidade aos rumores do genocídio.

 

Sob o pretexto de uma intervenção humanitária com o objetivo de conter um suposto genocídio nunca comprovado, os americanos, através da OTAN, disseminaram o terror entre as populações iugoslava e kosovar. Os crimes cometidos durante a ofensiva foram designados ‘erros’, sem maiores conseqüências para os seus responsáveis. Explica Goggiola:

As preocupações humanitárias do imperialismo são uma hipocrisia. Os Estados Unidos foram os principais instigadores do massacre kosovar. Apresentando-se como o seu protetor e ameaçando Milosevic com a intervenção militar da OTAN, Washington instigou os kosovares a passarem para a ofensiva, sabendo que seriam massacrados ou, mais precisamente, para que fossem massacrados.

 

5.2 Terrorismo russo na Chechênia

Os fatos ocorridos no Kosovo repetiram-se na Chechênia, em 1999, sem receberem, contudo, a mesma publicidade. O exército federal russo cometeu crimes de guerra, deixando para trás centenas de mortos e milhares de refugiados. Cerca de 200 mil pessoas - mais de um terço da população local - foram obrigadas a deixar as suas casas e procurar refúgio na Inguchéia.

A população da Chechênia, que já havia sofrido com a guerra da independência entre os anos de 1994 e 1996, quando 80 mil pessoas foram mortas, voltou a sentir o terror da guerra. A ofensiva começou em setembro de 1999, após a morte de 300 pessoas na Rússia causada por um ataque de grupos guerrilheiros chechenos. O governo russo rapidamente mobilizou o exército e, com o objetivo de acabar com o ‘terrorismo’, iniciou mais um conflito. O verdadeiro objetivo, entretanto, era o de reafirmar a hegemonia russa na estratégica região do Cáucaso.

Em maio de 1999, um oleoduto ligando Baku (Azerbaijão) a Soupsa (Geórgia) foi oficialmente reaberto, sem nenhuma comunicação ao governo russo, e pior, com o beneplácito do Ocidente. Em novembro do mesmo ano, a Turquia, o Azerbaijão e a Geórgia assinaram um acordo para a construção de um novo oleoduto, ligando Baku ao porto turco de Ceyhan, no mediterrâneo, evitando, definitivamente o território russo. O mais grave é que esses novos oleodutos, por atenderem a interesses da Europa ocidental e dos EUA, estavam protegidos pela OTAN.

De acordo com Zbigniev Brzezinski, os serviços de inteligência da Europa central forneceram informações sobre os projetos russos de destruir completamente a Chechênia. Este plano compreenderia 3 etapas: a primeira consistiria no bombardeio maciço das cidades e dos vilarejos chechenos, obrigando todos os que não participavam dos combates a deixar o país; a segunda, a criação de um cerco militar progressivo aos resistentes, que seriam encurralados em concentrações urbanas ou semi-urbanas nas quais os chechenos poderiam imaginar retomar táticas com as quais infligiram perdas pesadas aos russos, no passado; na terceira etapa, os russos não possuíam nenhuma intenção de participar de combates de ruas contra homens entrincheirados. Na verdade, o objetivo final era utilizar explosivos associados a agentes químicos, como gases asfixiantes, e aniquilar todos, sem exceção.

O genocídio previsto não ocorreu, mas as mortes e os crimes que ocorreram na Chechênia foram suficientes para espalhar o terror junto à população. Assim como no Kosovo, questões econômicas determinaram a agressão militar do Estado russo, que justificou a sua ação como forma de combate ao terrorismo. No caso da Chechênia, fica evidente que a realização de um atentado terrorista praticado por grupos separatistas chechenos não explica nem justifica a agressão militar russa ao país, que causou a morte de milhares de pessoas e mais de 300 mil refugiados.

 

5.3 O massacre no Timor Leste e a hipocrisia ocidental

O conflito no Timor teve início em 7 de dezembro de 1975, com a invasão de tropas do general Suharto. A Indonésia mal havia conseguido a sua independência e não queria permitir que a parte oriental da ilha do Timor se tornasse um país independente. A razão era óbvia. Suharto sabia que o Mar do Timor - localizado entre a parte oriental da ilha e a Austrália - é muito rico em petróleo.

Às vésperas da invasão, nos dias 5 e 6 de dezembro de 1975, o Presidente Gerald Ford dos Estados Unidos da América e o secretário de Estado Henry Kissinger estiveram em Jacarta - capital da Indonésia - e asseguraram ao general Suharto que o fornecimento de armas americanas não seria afetado pela ação militar no Timor. Os EUA estavam preocupados em não deixar que a opinião pública soubesse do seu envolvimento no conflito, mas nunca teve por objetivo evitá-lo.

Na invasão foram utilizados aviões de transporte militar Hércules, de fabricação americana, e um arsenal completo de armas produzidas nos EUA. No ano seguinte, o governo americano duplicava o apoio militar à Indonésia, com o fornecimento dos primeiros aviões Bronco OV-10, os mesmo utilizados na guerra do Vietnã.

Na verdade, os americanos estavam preocupados com a expansão de regimes ligados aos soviéticos no sudeste asiático. No Camboja, em 1976, Pol Pot assumiu governo e iniciou o regime comunista. Cerca de duas semanas depois, o Vietnã também seria dominado pelos comunistas. Em abril de 1975, instaura-se no Laos a República Democrática Popular do Laos. O general Suharto, um forte aliado dos americanos, havia liquidado um dos maiores partidos comunistas do mundo (PKI), e um regime comandado pelo general seria a garantia da defesa dos interesses ocidentais na região.

De forma velada, outros Estados ocidentais, como o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Holanda e a Espanha, forneceram armas, além de apoio político e financeiro à Indonésia. Explica Barbedo:

Ao mesmo tempo, procuravam fazer com que uma cortina de silêncio ocultasse as vendas ilegais de armas, feitas contra os princípios da Carta da ONU. O mesmo silêncio cúmplice permitira encobrir a duplicidade de muitos governos e a sua incoerência com os princípios de respeito pelo direito à autodeterminação e pelos direitos humanos que publicamente proclamavam. Foi esse silêncio que permitiu que o genocídio do povo do Timor Leste fosse tão pouco conhecido durante dezesseis anos, tornando-se assim no mais poderoso aliado dos ocupantes indonésios na opressão e massacre dos ignorados e abandonados timorenses.

 

No âmbito da ONU, a primeira resolução do Conselho de Segurança que decidiu pela retirada das tropas indonésias do Timor teve o voto favorável dos EUA; nas seguintes resoluções sobre o assunto, os EUA sempre se abstiveram. Na Assembléia Geral, os americanos votaram contra a todas as resoluções que decidiam pela independência do Timor Leste. Para os EUA e demais países ocidentais, a integração do Timor Leste à Indonésia era fato consumado.

Em 1980, 200.000 timorenses haviam sido mortos pelas tropas do general Suharto, com total apoio das potências ocidentais. Um terço da população do Timor Leste foi morta em nome da defesa dos interesses e dos valores democráticos do Ocidente. A partir de então, o genocídio dos timorenses começou a despertar alguma atenção do restante do mundo. Jornalistas americanos e britânicos começaram a comparar, em termos proporcionais, as mortes dos timorenses com as vítimas de Pol Pot, no Camboja.

Na década de 90, as potências ocidentais mudaram de postura e passaram então a ‘defensoras’ dos Direito Humanos. Agora, o massacre dos timorenses não poderia mais ser aceito. A Indonésia já se havia transformado num paraíso para os investidores estrangeiros, a ameaça comunista fora definitivamente afastada, a indústria bélica havia alcançado grandes lucros na região e a exploração do petróleo na região havia assegurado lucros suficientes aos investidores. O Timor Leste, sem um terço de sua população original, pôde, finalmente, tornar-se um país independente, graças aos ‘esforços’ do ocidente na luta contra regimes antidemocráticos, como o de Suharto. Houve muitos que acreditaram nessa hipocrisia ocidental.

 

5.4 A questão palestina e o terrorismo de Estado sionista

A criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, significou para os árabes que viviam na região da Palestina a saída forçada de suas terras e a subjugação daqueles que ali permaneceram. Estima-se que a população árabe era de 1.300.000 antes da criação do Estado judeu no Oriente Médio, enquanto os judeus não passavam de 500.000. Em 1950, o número de refugiados árabes somava 900.000. Os refugiados palestinos migraram para os países árabes vizinhos - Líbano, Síria, Jordânia, Iraque e Egito - onde permaneceram clandestinamente durante muitos anos.

À exceção da Jordânia, que possibilitou ao refugiado palestino optar pela cidadania jordaniana, nos outros Estados árabes, os refugiados mantinham o status de ‘palestino’. No Líbano, os refugiados ganharam, em sua grande maioria, uma carteira de identidade libanesa, em que constava a ressalva ‘refugiado palestino’. Os refugiados palestinos não enfrentaram apenas problemas legais, mas, principalmente, problemas econômicos.

A integração dos refugiados foi muito difícil em razão do atraso sócio-econômico em que viviam os países árabes vizinhos. Ademais, dentro do conflito geopolítico com o Estado de Israel, a aceitação dos refugiados significaria reconhecer a ocupação israelense e a perda definitiva dos territórios ocupados por Israel. A grande maioria dos refugiados viveu marginalizada, sem uma identificação nacional e em péssimas condições sociais.

A situação dos palestinos que permaneceram nos territórios ocupados foi ainda pior do que aquela dos que se refugiaram nos países vizinhos, porque deveriam obedecer às leis de Israel, sem todavia possuir os mesmos direitos que tinha a população israelense. Não foi permitido aos palestinos freqüentar as escolas e hospitais destinados aos israelenses; o direito ao lazer do palestino é diverso; os ônibus utilizados por palestinos são revistados; o acesso de palestinos a determinados locais do país é proibido; as leis criminais são diversas, etc. O parlamento israelense aprovou, em 1970, uma lei com o título “Lei dos crimes contra o povo judeu”. Com base nessa lei, todo palestino pode ser punido por atos que violem a integridade física de um cidadão israelense. Todavia, a garantia não é válida se o crime for praticado por um israelense contra um palestino. Segundo Noam Chomsky, “não importa quem é a vítima, a reação das autoridades militares é a mesma: castiguem os palestinos”.

Um exemplo de humilhação sofrida pelos palestinos ocorreu na Páscoa dos judeus, em 1995. Um toque de recolher de quatro dias foi imposto a 120.000 palestinos em Hebron, para permitir que 35.000 colonos judeus, levados em ônibus fretados, pudessem comemorar e passear livremente pela cidade, protegidos pelo exército de Israel. Somente na cidade de Gaza, os toques de recolher e as clausuras devastaram a economia palestina e destruíram mais de 100.000 famílias. Para Chomsky, esse trauma somente pode ser comparado ao despejo e à expulsão em massa de palestinos da região em 1948, quando da criação do Estado de Israel.

O povo palestino não sofre apenas humilhações, mas principalmente violência e repressão por parte dos israelenses. Os serviços secretos ocupam lugar de destaque na atividade repressora do Estado de Israel, e funcionam de acordo com as instruções pessoais do Primeiro-Ministro. O principal serviço secreto é o MOSSAD, que comanda os atos de sabotagem, o assassinato de líderes palestinos e ações semelhantes. Outros dois serviços secretos também atuam com os mesmo objetivos, o SHABACK e o MATAM. O grande objetivo de Israel, desde a sua criação, é expulsar os árabes dos territórios conquistados e povoar esses territórios com novos assentamentos judeus. Para tanto, é imprescindível tornar insuportável a vida dos palestinos na região.

Os crimes israelenses não se limitam apenas ao seu território. As populações árabes dos países vizinhos também são vítimas. O Líbano foi completamente devastado pela guerra civil na década de 70, deixando o saldo de 1.5 milhões de desabrigados, 60 mil mortos e 250 mil feridos, que permaneceram sendo castigados pelo exército israelense até ao final da década de 90. Em 1995, mais de 200 libaneses foram mortos pelo exército israelense; destes, pelo menos 14 eram crianças.

No Líbano, Israel patrocinou um dos maiores massacres da história do Oriente Médio. Entre os dias 16 e 18 de setembro de 1982, quase 2.000 palestinos, civis, foram covardemente massacrados por falangistas, com total apoio do governo israelense. Este massacre insere-se no contexto da guerra desencadeada por Israel com o objetivo de exterminar a OLP, que era considerada um grupo terrorista.

O massacre dos Palestinos nos campos de Sabra e Chatila, em Beirute ocidental, significou o golpe final da guerra. O terror durou 40 horas, sem interrupção. O que mais chocou não foram as mortes, mas a crueldade com que foi realizada a matança dos refugiados. De acordo com relatos, os milicianos não se contentaram em torturar e matar; pilharam também. Mãos de mulheres foram encontradas cortadas à altura dos punhos, para que suas jóias pudessem ser retiradas. Crianças foram mortas diante dos seus pais, cabeças de bebês esmagadas junto à parede e corpos encontrados esquartejados.

Os bombardeios maciços de Beirute ocidental pela aviação, artilharia e marinha israelenses, durante o início do conflito, fizeram milhares de mortos e feridos civis, perto de 30.000 (segundo estimativas oficiais), que são classificados como ocasionais ou diversos. O massacre de palestinos dos campos de Sabra e Chatila não permite desculpas e pode ser considerado uma evidência clara de que o Estado de Israel foi e continua a ser um Estado terrorista.

 

Capítulo III- Epifenômeno: os atentados de 11 de setembro e a guerra no Afeganistão

 

1. Os atentados de 11 de setembro: terrorismo ou guerra?

Como entender esse novo fenômeno, ou seja, um atentado de tais proporções sem que nenhum grupo, reconhecido como terrorista, tenha assumido a autoria. A pergunta é particularmente pertinente se lembrarmos que, para o grupo terrorista, a divulgação de sua causa é a razão principal de sua violência.

Guerra ou terrorismo? Não se sabia. Era muito cedo. Nos instantes seguintes aos eventos, todas as hipóteses foram cogitadas e as autoridades americanas prepararam a população para tudo: aviões continuariam a cair sobre o solo norte-americano? Bombas estariam espalhadas pelas grandes cidades? Bactérias seriam espalhadas pelos EUA e a água estaria contaminada? Estariam, inclusive, na iminência de uma guerra nuclear? O caos foi instaurado.

Na verdade, após o grande ato terrorista de 11 de setembro, houve mais violência e muitas dúvidas sobre o que realmente estaria acontecendo permanecem sem esclarecimento.

 

1.1 Os fatos que marcaram o dia 11 de setembro

Em 11 de setembro de 2001, os EUA sofreram o que é considerado o maior ataque terrorista da história estadunidense e mundial. Com uma ação muito bem coordenada e executada, 4 aviões comerciais foram seqüestrados e utilizados como armas contra as torres gêmeas do WTC (World Trade Center) - símbolo da supremacia econômica dos EUA -, em Nova Iorque, e contra o Pentágono - símbolo da supremacia militar americana - , em Washington. Dos quatro aviões, apenas um não se chocou contra alvos em terra. Conforme investigações do FBI, os quatro aviões foram seqüestrados quase ao mesmo tempo e, em cada aeronave, 4 ou 5 seqüestradores garantiram a eficácia da operação, utilizando facas de plástico e luta corporal para dominar a tripulação.

O primeiro avião seqüestrado fazia o vôo 11, um Boeing 767 da American Airlines, que decolou de Boston rumo a Los Angeles, às 7h58. Do mesmo aeroporto e no mesmo horário partiu o vôo 175 da United Airlines, um Boeing 767, também com o mesmo destino, Los Angeles. Do aeroporto internacional de Dulles, na Virgínia, às 8h21, partiu o vôo 77 da American Airlines, um Boeing 757 com destino a Los Angeles. Do aeroporto internacional de Newark decolou, às 8h01, o vôo 93, um Boeing 757 da United Airlines, com destino a São Francisco, na Califórnia.

Às 8h45, o vôo 11 da American Airlines chocou-se contra a torre norte do WTC. Quinze minutos depois, às 9h00, o vôo 175 da United atingiu a torre sul. Às 9h40, o vôo 77 da American chocou-se contra umas das alas do Pentágono, em Washington. E finalmente, às 10h10, o vôo 93 da United caiu em Shanksville, na Pensilvânia.

Os choques dos aviões com as torres do WTC foram registrados pelas câmeras de televisão. Todavia, o mais impressionante ainda estava por vir. Às 10h00 desabou a torre sul, a segunda a ser atingida; e às 10h30 desabou a torre norte, tudo transmitido ao mundo pela televisão, ao vivo. Mais tarde, às 17h25, desabou mais um edifício, que fazia parte do complexo do WTC.

De acordo com informações das empresas aéreas, os vôos estavam lotados; cada aeronave tinha apenas um par de pilotos e nenhum transportava mais de nove comissários. Todos os aviões seqüestrados deveriam percorrer quase todo o território dos EUA, e por isto seus tanques estavam cheios de combustível.

O complexo do WTC possuía 7 edifícios. As duas torres gêmeas destacavam-se em razão da sua altura, 417 metros. Cada torre contava com 110 andares e 50.000 pessoas trabalhavam nos 1.200 escritórios que ali existiam. Estima-se que 150.000 pessoas visitavam diariamente o andar de observação, no alto de edifício, que possibilitava uma visão de 70 quilômetros no horizonte da cidade de Nova Iorque.

Entre as empresas que tinham escritórios nas torres estavam a Xerox, a segunda maior companhia no ramo entre as empresas de tecnologia, a Verizion, a companhia número um de telefonia local nos EUA, a AT&T, um dos maiores grupos de telecomunicações do mundo, e o Morgan Stanley, o terceiro maior banco de investimento dos EUA. Todas tiveram as suas instalações destruídas em razão dos choques das aeronaves.

No Pentágono, o choque do avião causou o desabamento de parte da estrutura e um incêndio que destruiu o lado sudoeste do prédio, onde estavam localizadas as áreas de planejamento e logística do exército dos EUA. No momento do ataque, o secretário de Defesa americano, Ronald Rumsfeld, se encontrava no Pentágono, no lado oposto àquele da área atingida.

As autoridades americanas não têm o número exato das vítimas fatais dos ataques. O Boeing 757 da United Arlines que caiu no Estado da Pensilvânia matou 45 pessoas. Sabe-se também que todos os passageiros e tripulantes dos aviões seqüestrados morreram. No dia 3 de outubro, as autoridades americanas divulgaram um número atualizado dos mortos, que seria de 5.745, dos quais 5.512 em Nova Iorque e 189 no Pentágono. Todavia, essas estimativas são baixas, se comparadas com o número de pessoas que trabalhavam no Pentágono - cerca de 20.000 -, e as 50.000 nas torres do WTC. Por isso, o número de mortos pode ser bem maior do que o divulgado. Estima-se o prejuízo para Nova Iorque em US$ 150 bilhões.

 

1.2 O medo e o papel da mídia

Os choques de dois dos aviões seqüestrados contra as torres gêmeas do WTC foram registrados pela televisão e por cinegrafistas amadores. Pessoas desesperadas, que não conseguiam descer pelas escadas em razão do fogo e da fumaça, jogavam-se do últimos andares dos prédios; tudo filmado. O desabamento das torres, uma em seguida à outra, foi totalmente registrado. A fumaça, a correria das pessoas, os feridos, as ambulâncias, etc., tudo foi transmitido ao mundo pela televisão, ao vivo.

Essas imagens foram mostradas pela CNN, televisão a cabo americana, durante sete dias, ininterruptamente. E todas as outras emissoras do planeta, através dos seus principais noticiários, reproduziam essas imagens quase com a mesma freqüência. Sobre a divulgação dos atentados, afirma o jornalista Nirlando Beirão: “a rigor, tudo o que as outras emissoras fizeram durante a cobertura, inclusive as nossas, foi dublar a CNN “. Foi a verdadeira propaganda paga pelo ‘medo’. Todos queriam ver o que era até então impensável, e as imagens na TV mostraram tudo. A ficção tornou-se realidade e em solo americano. No dia 12 de setembro, um dia após os atentados, o jornal Folha de São Paulo trouxe a seguinte matéria: “TV mundial transmite, consciente, um espetáculo”. Escrito por Nelson de Sá, o artigo retrata a forma como a mídia falada narrou os acontecimentos. Em outra reportagem, a chamada era: “CNN vira porta-voz dos EUA”. De acordo com a matéria, em apenas um dia o sinal da rede foi mais utilizado do que em toda a Guerra do Golfo, que durou 40 dias.

Essas imagens não se restringiram apenas aos noticiários das televisões. Minutos após os atentados, as primeiras fotos já estavam circulando na internet. As principais empresas de comunicação lançaram nos respectivos sites galerias com todas as imagens dos atentados. O Poynter Institute - centro de estudos de jornalismo americano - montou uma página com imagens reduzidas que reproduziam as primeiras páginas das capas de jornais de diversos países.

Na mídia imprensa, os atentados de Nova Iorque foram destaques no mundo todo. Nos EUA, os principais jornais traziam em destaque: The New York Times: “EUA atacados”; USA Today: “Ato de guerra”; The Chicago Tribune: “EUA sob ataque”. Na Argentina, El Clarín: “A guerra”; La Nacion: “Alerta mundial pelo mais grave atentado da história”. Na França, Le Figaro: “Quem é Bin Laden?”; Le Monde: “Os EUA golpeados, o mundo tomado pelo medo”. Na Inglaterra, The Times: “A guerra chega aos EUA”; The Sun: “A devastação”. Na Itália, Corriere della Sera: “Ataque aos EUA e à Civilização. No Japão, Asahi Shimbun: “O terror golpeia os EUA”.

O mundo parou para assistir os ataques aos EUA. Atos de guerra ou simplesmente terrorismo? A dúvida era muito grande, mas imediatamente após aos atentados, especulou-se que o saudita Osama Bin Laden seria o autor intelectual da tragédia. Logo, tratava-se de terrorismo. Bin Laden, o terrorista mais procurado pelos EUA, comanda a Al-Qaeda, uma das principais organizações denominadas de “terroristas” pelo Departamento de Defesa dos EUA. Embora fosse um ataque digno de uma guerra, deveria ser tratado como ato terrorista.

Os meios de comunicação trataram de mostrar o ‘horror’. As cenas mais chocantes retratavam as torres gêmeas do WTC, uma vez que a queda do avião sobre o Pentágono não foi registrada pelas câmeras de TV. Explica Klinemberg:

Por toda parte, os norte-americanos se reúnem em frente de aparelhos de televisão. Logo disponíveis, as imagens desafiam a imaginação: vítimas perfeitamente identificáveis saltam no vazio, ao vivo. Outras, à espera de um socorro impossível, acenam desesperadas, antes de serem tragadas por uma fumaça negra. Os edifícios desmoronam... Não há refúgio algum contra a violência das imagens. Até as emissoras musicais (MTV), esportivas (ESPN) e de diversão (TNN) entram em rede. Durante vários dias, as televisões vão dividir suas transmissões entre um “replay” das cenas mais sinistramente espetaculares e um tratamento contínuo da informação. A maioria das emissoras chega até a acrescentar às imagens uma faixa-texto que amplia a excitação, relatando os últimos desdobramentos: “O sentimento anti-americano aumenta entre os muçulmanos radicais”; “Os europeus fazem três minutos de silêncio”; “a Wallmart vendeu mais de 300 mil bandeiras desde terça-feira”; “Powell: ‘Os países que abrigam terroristas serão tratados como os terroristas’”.

 

Todavia, a auto-censura praticada pelas principais redes de televisão americana impediu que cenas mais trágicas fossem mostradas, como as de cadáveres mutilados ou o suicídio daqueles que não tinha como descer pelas escadas, em razão da fumaça, e se jogaram dos últimos andares das torres do WTC.

A mídia impressa brasileira, seguindo as americanas, tratou de noticiar o dia mais trágico da história americana com as manchetes sensacionalistas. “Inferno”; “É uma carnificina indescritível”; “Os quarteirões do horror”, entre outras manchetes, trataram de potencializar a tragédia americana. Na matéria da revista época, sob o título “Inferno”, ressaltou-se o medo que o mundo viveria a partir dos acontecimentos do dia 11 de setembro: “O terrorismo ousara como nunca. O ato de barbárie, cujas conseqüências são imprevisíveis, pôs o planeta em alerta. Vive-se, agora, o medo”.

Os acontecimentos do dia 11 de setembro são um exemplo evidente daquilo que foi afirmado no inicio desta dissertação, sobre a ‘propaganda armada’ e a cultura do medo explorado pela mídia. Até que ponto o fenômeno ‘terrorismo’ é responsável pelo medo das pessoas e onde começa a exploração indiscriminada da mídia na briga por mais audiência? Esta é um indagação que deve ser enfrentada com mais rigor. Da forma como foi conduzida a cobertura dos acontecimentos, fica a impressão de que antes dos atentados não havia o medo e a sociedade ocidental vivia em paz. Infere-se que o terrorismo traz o medo à sociedade pacífica. Essa conclusão não corresponde à realidade e à verdade.

A revista Veja trouxe o depoimento de um brasileiro que trabalhava no 65° andar da torre norte que, ao descer pelas escadas de emergência, passou pelos andares mais afetados pelo choque do avião. Que viu ele? “Vi pedaços de braços e cabeças sem corpos... alguns corpos estavam incinerados e outros espatifados no chão”.

Publicaram-se frases como: “tropecei em milhares de cadáveres. Encontrei uma mulher e ela não conseguia lembrar o seu nome. O seu rosto estava coberto de sangue [...] vi maletas, pedaços de carne humana, roupa ensangüentada por toda a parte [...]. Parece um campo de batalha com as ruas bloqueadas por cadáveres, sangue e vigas de aço; é uma carnificina inimaginável, devastadora, indescritível [...]. Ela me ligou quando o edifício estava pegando fogo. Ela disse: mamãe, a fumaça está vindo pelas paredes. Eu não consigo respirar. A última coisa que ela disse foi: eu te amo, mamãe, adeus”.

Depoimentos como esse foram publicados às dezenas pela imprensa mundial. Todos relatavam com extrema emoção os momentos mais trágicos dos atentados. O efeito dessas publicações é a transformação da violência denominada de terrorista em algo muito maior do que realmente aquilo que ela representa. O efeito na opinião pública é desproporcional ao fato em si mesmo e à realidade violenta em que o planeta vive. De qualquer forma, essa é a função da mídia e esse é o terrorismo que deve ser publicado e temido.

 

1.3 A reação política e a dicotomia: “Bem x Mal”

George W. Bush, atual presidente americano, visitava uma escola infantil no momento em que ocorreram os acidentes. Às 13h04, do dia 11 de setembro, Bush fez um pronunciamento à nação, afirmando que “A liberdade foi atacada esta manhã por covardes sem face. E a liberdade será defendida [...] a determinação de nosso grande país está sendo testada”. No dia seguinte, 12 de setembro, Bush voltou a falar à nação: “Foram atos de guerra”; “Será uma batalha monumental do bem contra o mal”; “ é diferente de tudo aquilo que já enfrentamos anteriormente”.

Mais uma vez a questão: guerra ou terrorismo? No dia em que tudo aconteceu a palavra “terrorismo” foi usada; o principal suspeito era Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda. No dia seguinte, falou-se em guerra e em retaliação armada do exército americano. O secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, afirmou que “o governo reagirá como se estivesse em guerra”.

No dia 15 de setembro, tudo mudou novamente. O governo norte-americano identifica publicamente Osama Bin Laden como principal suspeito dos ataques. De acordo com as informações oficiais, Bin Laden estaria sob a proteção do regime Taleban, que à época controlava 90% do território Afegão. Do Afeganistão, Bin Laden teria planejado os ataques às cidades de Nova Iorque e Washington. Powell afirmou ainda: “Iremos atrás do grupo terrorista, de sua rede de contatos e daqueles que lhes dão refúgio. Quando dermos um fim a essa rede, daremos início a uma investida global contra o terrorismo em geral”.

As declarações oficiais norte-americanas não explicaram o que havia acontecido. Ficou claro, porém que para o Departamento de Defesa dos EUA os ataques foram responsabilidade de terroristas ligados a Bin Laden e, em razão da magnitude do acontecimento, seriam retaliados como ato de guerra. No dia 17 de setembro, a rede de televisão Al-Jazeera, do Catar, publica declaração de Bin Laden, em que o saudita nega o seu envolvimento nos ataques aos EUA.

Mesmo sem provas necessárias, e apesar da declaração do principal suspeito negando o seu envolvimento nos atentados, os EUA, com o auxílio da OTAN e do Reino Unido, começaram a preparar bombardeios ao Afeganistão. Em seguida aos atentados, chefes de Estado das principais nações do mundo pronunciaram-se repudiando os atentados e afirmando estar dispostos a ajudar os EUA a caçar e punir os responsáveis.

Um aliado inesperado e muito importante foi a Rússia. No mesmo dia, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que os atentados aos EUA não poderiam ficar sem resposta. Em telegrama a Bush, Putin afirmou que “atos terroristas bárbaros contra pessoas inocentes nos causam ira e indignação [...] não há dúvidas que ato tão desumano não deve passar impune. A comunidade internacional inteira se deve unir na luta contra o terrorismo”.

Na Alemanha não foi diferente. O primeiro-ministro Gerhard Schröder condenou os atentados e afirmou que os ataques significam uma “declaração de guerra contra o mundo civilizado”. Outro que rapidamente se dispôs a entrar na guerra contra o terrorismo foi o primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon: “daremos toda a ajuda necessária. A guerra contra o terrorismo é uma guerra mundial, é o mundo livre contra todos aqueles que querem destruir a liberdade”.

O presidente francês Jacques Chirac afirmou que “os EUA foram só a primeira vítima desse fenômeno, que é mundial. As medidas necessárias para exorcizar esse demônio terão que ser tomadas”. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, dispôs-se a organizar a cúpula do G-8 para estudar formas de combate ao terrorismo e afirmou: “é inconcebível deixar os EUA sozinhos em um momento difícil como este”.

Tony Blair, primeiro ministro do Reino Unido, foi quem mais demonstrou vontade de unir seu país aos EUA, na luta contra o terrorismo. Blair declarou estar numa “guerra entre o mundo civilizado e o fanatismo [...] sejam quais forem as questões técnicas ou legais sobre a declaração de guerra, o fato é que estamos em guerra contra o terrorismo [...] o que ocorreu na terça-feira não foi um ataque só contra os EUA. Foi contra o mundo civilizado”.

O primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi foi o mais infeliz em suas declarações, ao afirmar que “devemos estar conscientes da superioridade da nossa civilização, que garantiu o bem-estar, os direitos humanos e a tolerância política e religiosa [...] o ocidente seguirá conquistando povos da mesma maneira que conquistou o comunismo, ainda que isto signifique um enfrentamento com outra civilização, a islâmica, estagnada há mais de 1.400 anos”.

As manifestações de racismo não ficaram restritas a Silvio Berlusconi e seus ‘colegas europeus’. O historiador inglês Paul Johnson deu sua ‘contribuição’ ao ocidente, afirmando em entrevista à revista Veja que o judaísmo e o catolicismo passaram por movimentos de modernização, enquanto o islamismo permaneceu estagnado. Segundo o historiado britânico, “o islamismo não passou por um período correspondente de modernização. Permaneceu uma religião de feições medievais e gerou Estados de feições medievais, nos quais religião e política não se separam uma da outra”.

A “satanização” definitiva do mundo árabe aconteceu quando o presidente dos EUA divulgou a lista dos 22 terroristas mais procurados pelo FBI: eram todos de origem árabe e a lista era liderada pelo saudita Osama Bin Laden. O islamismo, o fundamentalismo, o fanatismo, o extremismo e o terrorismo passaram a ter o mesmo significado. Criou-se então a dicotomia ‘civilização versus não-civilização’ ou ‘Bem versus Mal’. Ocorre que Osama Bin Laden é árabe e está, supostamente, sob a proteção de um regime fundamentalista muçulmano. O mais grave é que, de acordo com o Departamento de Defesa dos EUA, Bin Laden e seus homens estão numa Jihad (guerra santa) contra a civilização ocidental, desrespeitando completamente a religião islâmica. Que um grupo de árabes use a religião islâmica para alcançar objetivos diversos do prescrito no Alcorão não constitui razão justificável para se penalizar toda uma cultura de mais de um 1 bilhão de pessoas espalhados pelo mundo.

O resultado dessa ‘cruzada’ contra o terrorismo criada pelas nações ‘civilizadas’ foi, obviamente, um choque de culturas e a imposição de pena severa a toda a comunidade árabe espalhada pelo mundo. Bush afirmou: “ou está conosco ou está com eles”. O termo “eles” refere-se aos terroristas, personificados na figura de um árabe, Osama Bin Laden.

O ‘terrorismo’ que sempre serviu de justificativa para a utilização da violência oficial, como na Chechênia, em Israel, na Argélia, na Líbia, etc. serve agora para que o ‘mundo civilizado’ acabe com o terrorismo internacional - ainda que para isso práticas terroristas sejam utilizadas contra toda uma cultura, que é, por isso, penalizada. A visão ideológica dicotômica ‘bem versus mal’ havia sido utilizada pelo Ocidente na Guerra do Golfo, o que foi explicado pelo professor Christian Caubet:

A escassez de notícias junta-se à parcialidade ideológica. É tão óbvio que o direito e os princípios do Bem estão do mesmo lado (o nosso) e que o desprezo pela dignidade humana e o despotismo estão do outro lado (o de Saddam Hussein) que sequer se consegue entender como ele - o mal - se atreveu a cometer esse crime. E se ele tem o apoio de tanta gente, em tantos países, não se pode mais que lamentar a ignorância e o fanatismo das massas...

 

1.4 O terrorismo e as restrições à ‘liberdade’ individual

Além da retaliação externa que os EUA preparavam como resposta aos atentados, medidas legais extremas foram adotadas dentro do país para facilitar ao governo investigar, identificar e punir os culpados. A partir do dia 15 de setembro, quatro dias após os atentados, começou a funcionar em Nova York um júri federal de inquérito, com o objetivo de agilizar a investigação do caso.

‘Agilizar’ significa conceder à polícia competente para a investigação, num curto espaço de tempo, mandados de busca e apreensão, prisão de suspeitos, escuta telefônica, etc., sem qualquer prova substancial. Outra medida adotada foi a possibilidade de o acusado de terrorismo não obter autorização para sequer falar com o seu advogado. O que faz lembrar, conforme explicado no primeiro capítulo, os regimes comunistas do pós-guerra.

No dia 16 de setembro, a Assembléia Legislativa de Nova Iorque aprovou em sessão especial a lei que institui a pena de morte para os acusados de terrorismo e os seus cúmplices. Na mesma lei, foi prescrita também a pena de prisão de até sete anos para quem fizer ameaça falsa de bomba, seja por telefone, e-mail, carta ou pessoalmente. Nas mesmas penas incorre aquele que fabricar artefato explosivo falso, com o intuito de espalhar o medo.

O pacote de leis mais severas não se restringiu apenas a Nova Iorque. Várias liberdades individuais e garantias processuais mínimas também foram restringidas, num projeto de lei encaminhado ao Senado pelo advogado-geral dos EUA, John Ashcroft. De acordo com o deputado Richard Gephardt, líder democrata na Câmara, os EUA estão num “mundo novo [...] temos de reequilibrar a liberdade e a segurança. Não aboliremos as liberdades civis da população, mas não teremos a abertura e a liberdade que tínhamos”.

Com fundamento nesta nova lei, supostos terroristas estrangeiros podem ser detidos por até sete dias sem acusação formal ou procedimento de deportação iniciado. A lei institui ainda o crime de “albergue de terrorista”, ou seja, aquele que sabendo da condição de terrorista de um determinado indivíduo e mesmo assim lhe fornecer albergue, será julgado como criminoso. Os pontos polêmicos do pacote americano não se limitam aos artigos relativos à imigração e à privacidade de e-mails e ligações telefônicas. O pacote de leis anti-terroristas prevê, como provas válidas em tribunal, a admissão de gravações e confissões obtidas por meios ilegais (inclusive tortura) desde que a ilegalidade tenha ocorrido fora do território americano.

Sobre essas medidas, o presidente americano comentou: “São exigências ponderadas. São exigências responsáveis. São exigências constitucionais [...]. As pessoas que fizeram isso com a América são más. São a maldade em estado puro. Só conseguem pensar em maldade [...]. A nossa terra valoriza os direitos constitucionais de todos os cidadãos e vamos honrar esses direitos, evidentemente. Mas estamos em guerra''.

Leis draconianas contra o ‘terrorismo’ não são novidades. No início deste trabalho foram analisadas as legislações que surgiram em diferentes países, a partir da metade do século XX, quando qualquer medida violenta contra a segurança do Estado poderia ser considerada prática de terrorismo. Leis especiais que eliminavam garantias processuais e a liberdade individual foram editadas. Em muitos países, a pena de morte foi instituída com o objetivo de acabar com o ‘câncer’ do terrorismo. No caso norte-americano, a edição desse tipo de lei torna-se ainda mais grave por dois motivos. Primeiro, porque os EUA se chamam a si próprios de a maior democracia ocidental e símbolo dessa civilização. Segundo, ao criar uma lei que possui como principal alvo os estrangeiros, traz como conseqüências imediatas o racismo e a xenofobia. Desta forma, a liberdade, que parece a principal causa a ser defendida na luta contra o terrorismo, revela-se uma grande retórica, muito bem articulada com os interesses dos EUA.

 

1.5 O terrorismo biológico: de quem é a culpa?

No dia 5 de outubro de 2001, na Flórida, EUA, o fotógrafo Robert Stevens morreu, vítima, segundo o diagnóstico, do bacilo antraz; no dia 6 de outubro, Ernesto Blanco teve confirmação da presença da bactéria em seu organismo; no dia 11 de outubro, Stephanie Dailey torna-se a terceira pessoa contaminada pelo antraz , e no dia 12 de outubro a direção da rede de TV NBC confirma que um de seus funcionários havia sido contaminado pelo antraz. No dia 14 de outubro, o líder democrata no Senado recebeu uma carta com o bacilo do antraz. No dia 24 de outubro, o antraz chega ao correio da Casa Branca. No dia 27 de outubro, a CIA, a Suprema Corte e o correio de Nova York detectam a presença do antraz. Até ao fim do mês de outubro, o saldo era de 8 infectados e 3 mortos, vítimas do antraz.

Menos de um mês após os atentados de 11 de setembro, os EUA sofrem um novo suposto ataque terrorista - desta feita de tipo biológico. O bacilo do antraz foi espalhado por todo território americano e até em alguns países, através de cartas enviadas pelo correio. Até à morte de Stevens, o último caso de contaminação por antraz na Flórida foi registrado em 1974. Uma das formas graves de contaminação pela bactéria antraz provoca uma doença infecciosa pulmonar e a bactéria está entre as listadas pelos serviços de inteligência norte-americanos como potencial arma biológica de grupos terroristas.

Todavia, o FBI não mencionou que os Estados desenvolvem e utilizam armas biológicas. Em 1763, as tropas britânicas atacaram índios ‘hostis’ à colonização com o vírus da varíola. Os EUA, por exemplo, são acusados de terem produzido 5.000 bombas com esporos de antraz e de terem utilizados armas biológicas na guerra da Coréia. O Japão fez experiências com antraz, tifo, malária, varíola, peste bubônica e cólera com prisioneiros chineses na Manchúria, região que ocupou entre 1932 e 1945. Iraque, Israel, China e Índia são Estados que desenvolvem armas biológicas.

No caso do antraz norte-americano, rapidamente a suspeita recaiu sobre Bin Laden. Para a população americana, estimulada de forma sensacionalista pela mídia, o ataque biológico fazia parte do plano ‘macabro’ de Bin Laden para acabar com a liberdade e a democracia americana. Como estaria Bin Laden, das montanhas do Afeganistão, enviando correspondências de dentro dos EUA? Impossível. Outra hipótese seria que homens de Bin Laden estivessem fazendo o serviço - o que também é improvável, uma vez que após os atentados todo árabe em território estadunidense passou a ser vigiado de perto, principalmente aqueles considerados ligados ao “príncipe da morte”.

Logo, o FBI tratou de afirmar publicamente que não existia elo entre o antraz espalhado pelo correio dos EUA e grupo terrorista de Bin Laden. Para o FBI, o responsável por essa onda de terror biológico reside nos EUA e, provavelmente, trata-se de um cidadão ‘normal’. O FBI acrescentou que os ataques com antraz já estavam preparados antes dos atentados de 11 de setembro e entende ser muito difícil existir qualquer ligação entre as duas formas de terrorismo.

Na verdade, o medo provocado pela onda de terrorismo biológico foi potencializado pela mídia e pela proximidade com os atentados do dia 11 de setembro. Existem três formas de o antraz infectar uma pessoa: pela via cutânea, pulmonar e intestinal. No caso da infecção via cutânea, 20% dos casos não-tratados podem causar a morte. Na infecção pulmonar, a taxa de mortalidade chega a 90%, e na intestinal de 25% a 60% dos infectados acabam morrendo. Quando o antraz espalhado pelo correio dos EUA infecta um indivíduo, a doença geralmente se manifesta na pele, a mais branda de todas as a infecções. Conforme explica o médico Dráuzio Varella:

O antraz das cartas anônimas não tem a menor probabilidade de causar epidemia. O contato dos esporos com o homem quase nunca se caracteriza pela agressividade extrema. Só há casos graves quando os esporos são ingeridos ou inalados e se diagnosticados tardiamente. Para matar em massa, os terroristas precisariam espalhá-los em aerossol sobre cidades, de avião.

 

Para o epidemiologista Naomar de Almeida Filho, professor em Harvard, as distorções da mídia são graves e criam um terrorismo inexistente. De acordo com o professor, os noticiários de televisão dos EUA conduziram intermináveis debates, entrevistas e painéis com autoridades de saúde pública e epidemiologistas. Os âncoras das redes de TV, com tom solene e grave, faziam perguntas macabras aos pesquisadores. Para ele, um cidadão americano comum não tinha, através da cobertura da mídia, como diferenciar o antraz da peste bubônica, muito mais letal.

Naomar formula a questão: por que o antraz? Se o objetivo é causar o terror e destruir a população americana em massa, o antraz não é a arma mais adequada, ainda mais na forma como está sendo disseminado. A varíola, por exemplo, pode causar, em apenas dois meses, 1 milhão de mortes, segundo o professor. Outro dado relevante informado é que a circulação de amostras e cepas de microorganismos é uma prática comum na pesquisa da área e, mais ainda, que se torna um business muito lucrativo.

O pretenso terrorismo biológico causado pelo antraz nos EUA, que rapidamente teve como principal suspeito Bin Laden e seus comparsas terroristas, ainda não foi esclarecido. Distorções da mídia, interesses econômicos dos grandes laboratórios ou ambos? Quando se fala em terrorismo, termos vagos, imprecisos e o medo potencializado pelos meios de comunicação são comuns.

 

2. O ataque ao Afeganistão: guerra ou terrorismo?

George W. Bush afirmou: “Ou estão do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Com essa frase, o presidente norte-americano deu início a uma guerra até então nunca vista contra um só homem, Osama Bin Laden. O interessante é que todas as outras grandes potências apoiaram a iniciativa americana, sem restrições.

Desde o dia 11 de setembro, o governo americano afirmava o direito de legítima defesa e as outras potências bélicas apoiaram essa argumentação; a ‘retaliação’ do exército norte-americano já era esperada. O problema é que os atentados que ocorreram em solo americano não estavam mais sendo tratados como ‘atos de guerra’, e sim como terrorismo.

Nestas circunstâncias, no dia 7 de outubro, uma guerra declarada contra o ‘terrorismo’ teve início no Afeganistão. O governo dos EUA insinuou que poderia atacar qualquer país que abrigasse terroristas. Do ponto de vista das convenções que regem o direito internacional sobre a guerra e da carta das Nações Unidas, esses ataques significaram uma completa violação de tudo que está acordado nesses documentos.

Uma conseqüência ainda mais trágica desses acontecimentos é a punição de toda cultura árabe e dos praticantes da religião muçulmana. De um lado estava o exemplo de civilização e de respeito à liberdade que é a cultura ocidental, a união do mundo ocidental na ‘guerra contra o terror’; de outro lado estavam os islâmicos, que para muitos são todos fundamentalistas (quase loucos). De acordo com Ramonet,

A guerra e a propaganda de hoje pode levar a crer que o único terrorismo que existe é o islâmico. O que é evidentemente falso. No próprio momento em que ocorre este conflito, outros “terrorismos” estão agindo, mais ou menos por toda parte no mundo não-muçulmano. Há o IRA e os unionistas na Irlanda do Norte, há o ETA na Espanha, há as FARC e os paramilitares na Colômbia, há os Tigres tamil no Sri Lanka, etc.

 

Com 90% de apoio da população norte-americana, os EUA iniciaram a guerra contra o terrorismo, bombardeando o Afeganistão, um dos países mais pobres do mundo. Será que o objetivo dos EUA e seus aliados é realmente acabar com o terrorismo? Ou o terrorismo mais uma vez estaria sendo usado como retórica, para que outros objetivos sejam alcançados?

Para tentar chegar a uma resposta às questões formuladas, a própria história dos EUA na luta contra o ‘mal’ pode ser uma indicação. Conforme explica Ignacio Ramonet,

Para compreender essa reação, talvez não seja inútil lembrar que, durante toda a “guerra fria” (1948-1989), os Estados Unidos se lançaram numa “cruzada” contra o comunismo. Que, por vezes, ganhou a feição de uma guerra de extermínio: milhares de comunistas assassinados no Irã, 200 mil adversários de esquerda eliminados na Guatemala, quase um milhão de comunistas liquidados na Indonésia As páginas mais atrozes do “livro negro” do imperialismo norte-americano foram escritas durante esses anos, que também foram marcados pelos horrores da guerra do Vietnã (1962-1975). Já nessa época era “o Bem contra o Mal”. Porém, segundo Washington, apoiar terroristas não era necessariamente imoral. Usando o artifício da CIA, os Estados Unidos receitaram atentados em locais públicos, seqüestros de aviões, sabotagem e assassinatos.

 

Foi no Afeganistão, com o apoio do Paquistão e da Arábia Saudita, que os EUA incentivaram (com armas e dinheiro) a criação de brigadas islâmicas recrutadas no mundo árabe para a guerra contra o comunismo que se alastrava pelo mundo. Foi nesse contexto, como é sabido, que a CIA alistou e formou o hoje célebre Osama Bin Laden. Ademais, desde 1991, com a queda do regime comunista na ex-URSS e no leste europeu, os EUA não possuem um adversário permanente. Apareceram Sadam Hussein e Milosevic, que foram aniquilados rapidamente. Com os atentados de 11 de setembro, o terrorismo passou a ser “o inimigo”, e constituir justificativa suficiente para os EUA iniciarem uma campanha militar no Afeganistão, provável esconderijo de Bin Laden e seus seguidores.

2.1 As provas apresentadas: ‘Dossiê Blair’.

Para dar início à guerra, seria necessário apresentar à opinião pública e aos Estados vizinhos ao Afeganistão as provas que evidenciassem de forma concreta a ligação de Bin Laden aos atentados de 11 de setembro. Com as provas apresentadas, poderia ser alegada a legítima defesa dos EUA e o ataque bélico ao Afeganistão seria justificado. Todavia, conforme será analisado no próximo item, sequer a legítima defesa, prevista na Carta da ONU, pode ser aplicada a este caso.

No dia 14 de setembro, a justiça norte-americana apresentou o nome de 19 suspeitos de terem seqüestrado e causado os ataques aos EUA. Todos os suspeitos eram árabes. Satam Al-Suqami, Waleed M. Alshehri, Wail Alsheri, Mohamed Atta e Abdulaziz estavam no Vôo 11 da American Arlines que se chocou contra a torre norte do WTC. Marwan Al-Shehhi, Fayez Ahmed, Ahmed Alghamdi, Hamza Alghamdi, Mohald Alshehri estavam no avião que se chocou contra a torre sul. No avião que se chocou contra o Pentágono estavam Khalide Al-Midhar, Majed Moqed, Nawaq Alhamzi, Salem Alhamzi e Hani Hanjour. No vôo 93 da United Airlines que caiu em Shanksville estavam Saeed Alghamdi, Ahmed Alhaznawi, Ahmed Alnami e Ziad Jarradi.

Esses nomes foram identificados como suspeitos porque: primeiro, eram todos de origem árabe; segundo, alguns deles possuíam passaportes falsos; terceiro, pelo fato de alguns deles terem residido juntos. Outro dado que teria chamado a atenção das autoridades norte-americanas é o de que Mohamed Atta e Marwan Al-Shehhi teriam sido identificados pela polícia alemã como componentes de um grupo terrorista que planejava ataques contra alvos norte-americanos na Europa. Descobriu-se também que os dois fizeram um curso de pilotagem de avião na Flórida. O nome do grupo terrorista a que supostamente pertenciam Mohamed Atta e Marwan Al-Shehhi não foi divulgado pelas autoridades norte-americanas.

As evidências são frágeis, não só para se acusar os 19 árabes de suspeitos dos atentados, como também para se conectar os seus nomes ao de Bin Laden. O FBI informou que todos os suspeitos viviam normalmente nos EUA há mais de um ano, com as suas esposas e filhos. Não revelou, todavia, as profissões dos acusados e outras informações relevantes que os vinculasse aos ataques de 11 de setembro.

No dia 3 de outubro de 2001, portanto, quatro dias antes do início da ofensiva militar, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, divulgou relatório oficial sobre as provas que, segundo ele, culpavam definitivamente Osama Bin Laden pelos atentados terroristas de 11 de setembro. O documento possui 70 itens divididos em Introdução, Resumo (antecedentes), Fatos sobre Bin Laden e a Al Qaeda, sobre Bin Laden e ataques anteriores, sobre Bin Laden e os ataques de 11 de setembro e Conclusão.

Este documento é curioso. Dos 70 itens apresentados, apenas 9 referem-se especificamente à culpa de Bin Laden pelos ataques aos EUA no dia 11 de setembro. Dos nove itens, nenhum apresentou prova realmente contundente, somente suposições e indícios. O item 61 afirma que, dos 19 supostos seqüestradores, 3 eram associados à Al-Qaeda. Não explica, todavia, por que os outros 16 aparecem como suspeitos. Da forma leviana como foi apresentado, o relatório permite inferir que árabes viajando juntos são possíveis seqüestradores de aviões.

Os três árabes que foram identificados como integrantes do grupo de Bin Laden, segundo o próprio documento, já haviam sido identificados como responsáveis por outros atentados. O documento, no item 61, afirma que um deles (sem citar o nome) seria o responsável pelos atentados contra a embaixada dos EUA no Quênia, no dia 7 de agosto de 1998 e contra o navio de guerra norte-americano USS Cole no porto de Aden, em 3 de janeiro de 2000. O documento não explica, porém, como um terrorista procurado pelo governo norte-americano estariam transitando livremente pelos EUA.

Na verdade, o documento apresentado pelo governo britânico não contém elementos de prova suficientes para embasar uma condenação em qualquer tribunal, seja de direito interno ou internacional. O próprio documento reconhece este fato, ao informar que “este documento não tem por objetivo expor um caso passível de processo contra Osama Bin Laden em um tribunal de justiça. Freqüentemente não se pode usar inteligência como evidência judicial, devido às regras severas de admissibilidade e à necessidade de proteger a segurança das fontes”.

O documento limita-se a contar a história de Osama Bin Laden desde 1989, quando o saudita deixou de trabalhar para a CIA e criou seu próprio exército. O documento narra ainda os principais atentados atribuídos a Bin Laden e evidencia o ódio que ele nutre pelos norte-americanos. Todavia, as provas necessárias para sustentar as acusações não são expostas. Em um trecho do documento afirma-se que “existem evidências de natureza muito específica relacionadas com a culpa de Bin Laden e dos seus associados, mas elas são sensíveis demasiado para divulgação”.

O documento conclui que Osama Bin Laden não seria capaz de conduzir os atentados, sem que houvesse uma aliança entre ele e o Taleban, regime fundamentalista islâmico que governou o Afeganistão. O governo do Afeganistão era reconhecido por três países: Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, e não tinha representantes na ONU. Essa conclusão deixou o país em uma situação pouco confortável, porque acusou o Estado do Afeganistão de também ser responsável pelos atentados de 11 de setembro. Um Estado, historicamente, nunca foi chamado de terrorista. O caso do Afeganistão pode ser uma exceção. Aparentemente, para não se referir ao Estado do Afeganistão como terrorista, o governo dos EUA e os aliados têm afirmado que ação bélica é contra o regime Taleban, que controla 90% do país, e não contra o governo do Afeganistão.

Tropas americanas, justificando-se por meio deste documento, bombardearam o Afeganistão com o objetivo (divulgado) de caçar Osama Bin Laden e acabar com o seu grupo terrorista. É mesmo Bin Laden o objetivo? Pelas provas apresentadas, os atentados de 11 de setembro foram cometidos por árabes comuns que viviam dentro dos EUA e que não eram loucos fanáticos, tal como são considerados os terroristas suicidas. Tratava-se de pessoas ‘normais’, integradas à vida americana, possuíam família e filhos. E o mais importante: eram pessoas extremamente inteligentes, que no mínimo sabiam pilotar aviões comerciais. Por hipótese, teriam esses cidadãos americanos, em nome do fundamentalismo islâmico, cometido os crimes em Nova Iorque e Washington? Se as investigações conduzirem para a comprovação dessa hipótese, os EUA estão combatendo o terrorismo em lugar errado, e, conseqüentemente matando pessoas inocentes.

 

2.2 A guerra e o direito internacional: legítima defesa?

“Eu quero Bin Laden: vivo ou morto”. Com 90% de aprovação da população americana, os EUA iniciaram a guerra contra o Afeganistão, desrespeitando todas os tratados do direito internacional que regulam o uso da força.

Embora Osama Bin Laden seja o terrorista mais procurado do mundo pelo Departamento de Defesa dos EUA e apontado como principal responsável pelos ataques de 11 de setembro, o governo norte-americano entendeu os atentados como ‘atos de guerra’, o que em princípio justificaria a evocação da legítima defesa por parte do governo americano.

O instituto da legítima defesa, no direito internacional, está regulado pelo artigo 51, da Carta da ONU e prescreve que:

Nada da presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

 

O artigo 51 garante o direito de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer “um ataque armado contra membro das Nações Unidas”. Quando utilizada, a legítima defesa deverá, ainda, ser comunicada imediatamente ao Conselho de Segurança e exercida até que este tome as providências necessárias. Cabe ao Conselho de Segurança o monopólio do uso da força no sistema internacional. Desta forma, a legítima defesa constitui exceção à regra.

A legítima defesa, portanto, pode ser utilizada quando um Estado sofre uma agressão armada e precisa defender-se imediatamente. Um exemplo claro foi a invasão do Kuait pelo Iraque. O Kuait tinha o direito de utilizar suas forças armadas contra o Iraque, até que o Conselho de Segurança tomasse as medidas necessárias.

A Carta da ONU, em princípio, regula o uso da força entre Estados soberanos. Porém, nada impede que as medidas adotadas pelo Conselho de Segurança sejam direcionadas contra grupos terroristas. Isto porque o artigo 39 prescreve que o próprio Conselho determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os dispositivos da Carta. Logo, considerando a hipótese de um grupo terrorista praticar atentados contra um Estado, nada impede que o Conselho de Segurança decida que a agressão significa ameaça à paz internacional e resolva adotar as medidas de força que a Carta da ONU lhe outorga.

O artigo 39 concede enorme poder ao Conselho de Segurança, uma vez que admite que o próprio Conselho decidirá se determinado conflito significa ou não ameaça à paz e quais medidas deverão ser tomadas. Com relação aos atentados de 11 de setembro, o Conselho de Segurança da ONU manifestou-se duas vezes. Na primeira, com a Resolução 1368, de 12 de setembro de 2001, foi acordado que todas as medidas necessárias para eliminar o terrorismo deveriam ser tomadas. Garantiu ainda o direito de legítima defesa aos EUA. Na segunda, Resolução 1373, de 28 de setembro, o Conselho ratificou a Resolução 1368 e reforçou o direito de legítima defesa do governo norte-americano.

Se o instituto da legítima defesa está previsto na Carta de São Francisco, por que o Conselho de Segurança teve que reafirmá-lo? Nos ataques de 11 de setembro, embora os aviões tivessem sido considerados armas, não houve a necessidade de utilização do poderio bélico pelo exército norte-americano. A razão é muito simples: os ataques cessaram com a queda dos quatro aviões; logo, não houve tempo nem justificativa para a defesa.

A legítima defesa no direito internacional deve ser imediata e proporcional à agressão sofrida. Não houve guerra contra os EUA. Houve atentados que deveriam ter sido repelidos com base na legítima defesa. Desta forma, o Conselho de Segurança deveria ter-se reunido, não para garantir o direito à legitima defesa aos EUA (que já estava garantido!), mas para decidir sobre as medidas efetivas que deveriam ser tomadas para garantir a segurança internacional. A propósito, explica a professora Monique Chemillier-Gendreau, da Universidade de Paris:

O uso da força não é suprimido. Mas tenta-se torná-lo mais objetivo (portanto, menos mortífero), organizando-o coletivamente. Nesse dispositivo, se o direito à legítima defesa (inspirado pela subjetividade nacional do agredido ou daquele que acredita ser agredido) se mantém, ele só pode ser exercido de modo muito rápido. Se nenhuma disposição da Declaração fere tal direito quando um Estado é agredido, isso é verdadeiro “até que o Conselho tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais”. Revidar, sim, se houver condições de o fazer; porém, enquanto se esperam as medidas tomadas pelo Conselho de Segurança.

 

A mesma opinião é compartilhada pelo jurista Fábio Konder Comparato:

Ora, a Carta de São Francisco só admite a guerra em situação de legítima defesa (art.51), sabendo-se que esta consiste no imediato revide a uma agressão atual ou iminente de um Estado contra outro. Fora disso, o revide não passa de represália, ou seja, uma forma coletiva de vingança. Mesmo em situação de legítima defesa, o Estado-vítima deve comunicar o fato imediatamente ao Conselho de Segurança da ONU, para que esta decida se o revide pode prosseguir ou não.

 

Com relação à utilização da cláusula de defesa mútua prevista no tratado constitutivo da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), cabem ressalvas. A OTAN é uma organização militar de caráter regional, que deve obedecer os mesmos princípios e propósitos estabelecidos na Carta da ONU. Logo, as regras referentes à legitima defesa aplicam-se à OTAN. Se, por hipótese, tropas cubanas invadissem os EUA, a OTAN poderia ser acionada pelo governo norte-americano, no exercício do seu direito à legítima defesa.

A tese apresentada pelos EUA de que o país havia sofrido um ‘ato de guerra’, e portanto deveria exercer o seu direito à legítima defesa, iniciando uma guerra contra o Afeganistão, foi ratificada por todos os países integrantes das Nações Unidas. Esta ratificação unânime coloca dúvidas sobre a validade dos tratados convencionados por estes países. O juiz espanhol Baltasar Garzón questiona: “Que os EUA fossem reagir como anunciaram que fariam, tudo bem, mas a submissão simiesca de todos, não”.

Outro ponto importante a ser esclarecido é: contra quem os EUA teriam o direito de reagir em legítima defesa? A guerra foi declarada contra o terrorismo e contra Osama Bin Laden. Com certeza, para reforçar o prestígio político de governantes ou para aparecer com destaque nas manchetes dos jornais, a guerra contra o ‘terrorismo’ e/ou contra um homem atinge esse objetivos. Todavia, para o direito internacional, após a formação dos Estados modernos, a guerra passou significar ‘conflito entre duas nações’, conforme explica Duroselle:

Assim, podemos refazer a classificação dos conflitos maiores - macroconflitos - distinguindo: a) conflitos ou guerras civis (podendo adquirir a forma de guerras de sucessão); b) conflitos interestatais ou guerras tradicionais entre Estados existentes (sobre um território ou um interesse, por razões de prestígio ou razões ideológicas); e finalmente, c) conflitos com tendências interestatais (guerras de independência ou de secessão).

 

Podem existir dificuldades para traçar os limites conceituais entre determinadas guerras. Diferenciar a guerra civil da guerra tradicional constitui uma tarefa complexa; por vezes, somente a história pode fornecer o conceito definitivo. Entretanto, a história não registra guerras contra um inimigo difuso em nível internacional, como o terrorismo, ou guerras contra um homem. Assim, é possível concluir que as leis do direito internacional estão sendo violadas, ou então que o conceito de guerra está mudando.

Apoiados em um conjunto probatório frágil, violando o que prescreve a Carta da ONU, os EUA iniciaram a guerra no Afeganistão. Isso não é novidade na política norte-americana. Como exemplos dessa política, temos o conflito no Kosovo, em que os EUA iniciaram a guerra contra a Sérvia de Milosevic sem a anuência do Conselho de Segurança, e ainda a ocasião em que os EUA foram condenados pela CIJ (Corte Internacional de Justiça) pelo uso ilegal de forças militares na Nicarágua. Pela decisão da CIJ, de 27 de junho de 1986, entenderam os julgadores que os EUA treinaram, armaram, equiparam, financiaram e supriram forças militares e para-militares a atacar a República da Nicarágua, intervindo de maneira ilegal em assuntos de direito interno de outro Estado soberano.

Em decisão polêmica, o presidente dos EUA, George W. Bush, autorizou a CIA a organizar a sua maior operação, desde a fundação da instituição em 1947. O objetivo desta mega-ação é o de eliminar Osama Bin Laden e destruir toda sua rede terrorista. Para tanto, US$1 bilhão foram liberados para garantir a eficácia da ação dos agentes da CIA. Os EUA, a ‘maior democracia’ ocidental, praticam inúmeras ações políticas e bélicas que tornam o Estado norte-americano um Estado criminoso e terrorista.

 

2.3 O país atacado: Afeganistão

O Afeganistão tem uma população aproximada de 20 milhões de habitantes, dividida em dois grupos etnolingüísticos: iranianos e turcos. Os iranianos subdividem-se em pachtunes, balutches, hazaras, nuristanis, tadjiques e tadjiques do Pamir. Os turcos subdividem-se em: quirguizes, turcomenos e uzbeques (ver mapa, p.142).

 

O país é considerado pela ONU um dos mais pobres do mundo. A situação agravou-se com as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU. A Resolução 1214, de 8 de dezembro de 1998, visou retaliar o regime dos Taleban por supostamente conceder abrigo a terroristas, entre eles o saudita Osama Bin Laden. As sanções incluem a proibição de que os aviões dos Taleban utilizem aeroportos de outros países, incluindo-se aí os da linha aérea afegã Ariana, à exceção de vôos com objetivos humanitários. Os vôos utilizados para transportar peregrinos a Meca necessitam de autorização, à exceção dos vôos com propósitos humanitários.

Fatores geográficos agravam a situação social do Afeganistão. O país vive uma seca que dura 3 anos, considerada a pior dos últimos 30 anos. As regiões em que estão localizadas nas cidades de Kandahar e Farah são as mais atingidas. O inverno é rigoroso no Afeganistão. As temperaturas chegam a -15° C e, em razão do relevo muito acidentado, a temperatura nas regiões das montanhas é ainda mais baixa.

As guerras não são uma novidade para o povo afegão. O país foi invadido pelos soviéticos em 1979 e foi palco de um dos conflitos da chamada ‘guerra fria’. Os norte-americanos apoiaram as milícias afegãs, lideradas por Osama Bin Laden, para lutar contra a invasão comunista, numa guerra que durou 10 anos. Com a expulsão definitiva das tropas soviéticas, o país viveu uma guerra civil entre as diferentes facções que tentavam chegar ao poder. Em 1996, os Talebans controlava do 90% do território afegão e passaram a governar o país, com ajuda do Paquistão. A ‘herança’ desses conflitos é um país devastado, repleto de minas terrestres escondidas.

A fome é outro grande problema que a população afegã sofre e que será agravado nessa guerra contra o terrorismo. De acordo com informações da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), a fome pode ameaçar 7,5 milhões de afegãos e 1 milhão de pessoas podem morrer nos próximos meses. Para Stephan Goedgeburr, chefe da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras, “a situação já era dramática antes da guerra. Há uma catástrofe humana”.

A guerra contra os Talebans e os seus terroristas e os embargos impostos pelo Conselho de Segurança da ONU trarão conseqüências trágicas para a população do Afeganistão. O regime autoritário dos Talebans proibia a população de assistir televisão, de ouvir rádio e outras atividades de lazer. As pessoas estão vivendo a guerra em seu território, sem saber a causa. O cidadão afegão comum não teve acesso, no dia 11 de setembro, às imagens da destruição do WTC. As pessoas também desconhecem a péssima reputação de Osama Bin Laden junto às autoridades do EUA, uma vez que essas informações são veiculadas pela mídia ocidental.

 

2.4 Os interesses econômicos na Ásia central

O Afeganistão situa-se em posição estratégica na Ásia central para os interesses econômicos ocidentais. Em 1997, o governo norte-americano declarou que a bacia do Mar Cáspio possuía 200 bilhões de barris petróleo em reservas. Até ao momento, foram comprovadas a existência de 30 bilhões. Todavia, a certeza do potencial energético da região garante o interesse dos EUA que, desde a Guerra do Golfo, juntamente com o grupo dos países mais ricos do mundo, temem pelo abastecimento mundial de petróleo.

Há algum tempo, as grandes empresas petrolíferas dos EUA e da União Européia, principalmente do Reino Unido, pressionam seus governos para uma política mais atuante na Ásia central como alternativa ao Golfo Pérsico. Contudo, a exploração e o transporte do petróleo nas atuais condições seriam economicamente inviáveis e de difícil realização. A solução mais viável para o problema é a construção de oleodutos que transportem o petróleo produzido na região até ao Oceano Índico ou para o Mar Mediterrâneo.

Os projetos de construção dos oleodutos já existem (ver mapa, p.145). Um dos mais importantes prevê a construção de um oleoduto que nasce nas cidades de Aklao e Tengiz, no Cazaquistão, passa pelo Turcomenistão e termina nas cidades de Gwadar e Karachi, no Paquistão. Para percorrer o trecho Turcumenistão-Paquistão, o oleoduto passa obrigatoriamente pelo Afeganistão. Outro projeto de oleoduto, prevê a sua passagem pelas cidades de Herat, Mazar e-Charif e Cabul, no Afeganistão, chegando às cidades de Islamabad e Peshawar, no Paquistão. Em outro projeto, um oleoduto vai de Kandahar, no Afeganistão, até Nova Deli, na Índia.

 

 

Para a realização destes projetos e a construção dos oleodutos que liguem o petróleo explorado no Cazaquistão, na bacia do Mar Cáspio, ao Oceano Índico, é necessária a anuência do governo do Afeganistão. Todavia, o Afeganistão encontra-se em guerra civil há dez anos, e em 1996 o regime dos Talebans passou a controlar praticamente 90% do território afegão, aí inclusas as principais cidades do país, a capital Cabul, Herat, Kandahar, Mazar e-Charif e Kunduz. Todas estas cidades estão incluídas nos projetos de construção dos oleodutos.

O regime Taleban está sendo acusado pelos EUA de apoiar e hospedar Bin Laden e o seu grupo terrorista, a Al-Qaeda. Segundo o documento oficial contendo as provas dos atentados de 11 de setembro nos EUA, o grupo de Bin Laden não teria condições de executá-los sem o apoio dos Talebans. Cabe então a questão: como realizar a construção de oleodutos sem a colaboração do governo do Afeganistão, um dos países-chave desses projetos? ‘Destruindo esse governo’ parece ser a resposta óbvia.

Sobre os Talebans, é interessante relembrar que no final da década de 70, com a colaboração dos serviços secretos paquistaneses (ISI), os EUA financiaram as diversas facções existente no Afeganistão para resistir à invasão soviética. Três bilhões de dólares foram entregues ao governo do Paquistão, que decidiu qual dos grupos de resistência seria o beneficiado da generosidade americana. O ISI optou por privilegiar grupos que representavam uma pequena parcela da população afegã.

O Paquistão temia que, após a guerra, a maioria pachtun se tornasse um regime hostil aos interesses paquistaneses. Para o Paquistão seria interessante então manter o Afeganistão controlado por um seu aliado, uma espécie de Estado-satélite e não um governo independente, forte. O regime dos Talebans respondia às demandas paquistanesas.

A invasão norte-americana do Afeganistão, apoiando a Aliança do Norte (grupo que controla 10% do Afeganistão) com o objetivo de destruir o regime dos Talebans, torna complicada a situação do governo paquistanês. Por um lado, o Paquistão não pode negar apoio aos interesses norte-americanos, mas por outro lado não pretende destruir totalmente o regime que lhe garante influência junto ao poder no Afeganistão. Ademais, a grande maioria da população paquistanesa é contrária ao apoio de seu país aos bombardeios norte-americanos no Afeganistão, fato que pressiona ainda mais as relações EUA-Paquistão.

À parte o problema com o Paquistão, os EUA devem ainda se entender politicamente com a Rússia que, até ao colapso da União Soviética, no final da década de 80, controlava grande parte da Ásia central. No início da década de 90, os EUA começaram a enviar as suas forças militares para o Uzbequistão, com o consentimento da Rússia. Esta foi incluída nas discussões do grupo dos sete países mais ricos do mundo, formando o grupo G-7 mais a Rússia, aproximando-se ainda mais da União Européia. O Tadjiquistão, outra peça importante na região, ainda sofre forte influência russa e está servindo de passagem para as tropas norte-americanas em guerra no Afeganistão.

Existe outros ‘atores’ importantes na região, com quem os EUA se devem entender para garantir a sua permanência na região. A China já é uma potência econômica e negocia com o Cazaquistão o petróleo do Mar Cáspio. O Irã, embora inimigo do regime Taleban, é historicamente contrário aos interesses norte-americanos na região. Como alternativa, os EUA têm a aliada Turquia, que estimula a construção de oleodutos ligando a Ásia Central ao Mar Negro, como rota alternativa ao Afeganistão.

Se é verdade que os EUA pretendem instalar-se definitivamente na região da Ásia central, então os atentados de 11 de setembro e a caçada a Bin Laden forneceram aos norte-americanos as justificativas necessárias para agir diretamente em favor de seus interesses. Qual dos objetivos é o preponderante nesta operação? A guerra ao terrorismo ou a defesa de seus interesses econômicos? Na Guerra do Golfo, o professor Christian Caubet, em sua obra As verdades da guerra contra o Iraque, concluiu que “a guerra do golfo almeja defender os interesses estratégicos dos membros da coalizão. O petróleo representa o objetivo mais imediato e mais importante”. A guerra contra o terrorismo no Afeganistão não representaria a continuidade da política externa norte-americana, iniciada com a Guerra do Golfo, de garantir o abastecimento de petróleo para o ocidente? É possível que sim.

 

2.5 ‘Guerra contra o terror’ ou terrorismo de Estado?

No dia 07 de outubro de 2001, 26 dias após os atentados de 11 de setembro, os EUA iniciaram a prometida “legítima defesa” contra o regime Taleban lançando os primeiros mísseis contra as principais cidades do Afeganistão. Essa primeira ofensiva utilizou 15 bombardeiros, 25 caças e 50 mísseis de cruzeiro. A operação de ‘guerra contra o terror’, apodada de ‘justiça infinita’ pelo exército norte-americano, “será longa e implacável”, nas palavras do presidente dos EUA, George W. Bush. Questiona-se: existe terrorismo maior do que a guerra?

Para se ter uma idéia da violência dessa guerra, basta relacionar algumas das armas utilizadas pelos EUA no ataque ao Afeganistão. No primeiro dia, foram lançados 50 Mísseis Tomahawk, que pesam 1.587,6 KG cada um; foram utilizados bombardeiros B-1B, que podem carregar até 216.634 KG de bombas, inclusive nucleares; também foram utilizados o bombardeiros B-2 e B-52, que juntos podem carregar quase 250.000 kg de bombas e, por fim, os caça-bombardeiros F/A-18 Hornet, que carregam armamentos de precisão.

Os norte-americanos justificam-se afirmando que os alvos serão apenas militares e que a população civil não será atingida. Essa afirmação não afasta o terror trazido por uma guerra, porque o fato de ver o país bombardeado é suficiente para gerar o medo, elemento essencial do terrorismo. Além disto, nas guerras sempre morrem civis. As guerras do Golfo e do Kosovo, a despeito de os militares norte-americanos garantirem que bombas “inteligentes” dificilmente errariam o alvo, muitos ‘’erros” foram contabilizados, o que causou morte e destruição à população civil.

Na guerra contra o Afeganistão, até ao dia 26 de outubro de 2001, seis grandes “erros” haviam sido registrados. No dia 9 de outubro, um escritório da ONU em Cabul foi atingido e 4 funcionários morreram. No dia 11 de outubro, uma área residencial de Coram foi atingida, e 160 civis foram mortos. No dia 16 de outubro, dois depósitos da Cruz Vermelha foram destruídos, sem vítimas. No dia 22 de outubro, um hospital na cidade de Herat foi destruído e 100 civis foram mortos. No dia 24 de outubro, um vilarejo próximo à cidade de Herat foi destruído e pelo menos 9 pessoas foram mortas. No dia 26 de outubro, outros três depósitos da Cruz Vermelha foram destruídos.

Existem os alvos que não são contabilizados como “erros”, mas atingem civis. No dia 12 de outubro, o Pentágono informou que o exército norte-americano passaria a utilizar as bombas de fragmentação. São bombas que, antes de atingir o solo, entram em rotação, arremessando cargas explosivas em várias direções. O objetivo dessas bombas não é destruir alvos militares e sim atingir e matar um maior número de pessoas. O exército dos EUA afirma que o objetivo é matar soldados, mas “erros” acontecem e civis acabam morrendo. Basta fazer uma comparação bem simples: quando os aviões caíram sobre os EUA, muita gente morreu e quase todos sentiram medo. Quando bombas caem sobre o Afeganistão, muitos morrem, e os que sobrevivem sentem medo. Duas formas de terrorismo.

No dia seguinte aos primeiros ataques ao Afeganistão, a mídia mundial manifestou-se com as manchetes “Contra-Ataque”, El País da Espanha; “Mísseis e Bombas - Ataque ao Afeganistão”, Corriere Della Sera da Itália; “EUA atacam Afeganistão e Bin Laden lança ameaças”, Folha de São Paulo. A rede de televisão norte-americana CNN criou a vinheta “War against terror” para mostrar flashes diários do combate no Afeganistão. Não houve uma rede de televisão, um jornal que tenha denominado de “terrorismo” os ataques do exército norte-americano ao Afeganistão.

O mesmo ocorre no Oriente Médio. Quando um palestino se suicida em uma lanchonete detonando explosivos em seu corpo, matando 17 israelenses, o fato é tratado como “terrorismo”. Ao contrário, quando o exército israelense invade cidades árabes e utiliza tanques de guerra contra palestinos, o fato é chamado de “incursão” ou “ofensiva” militar. Se o objetivo é produzir ciência social, a academia deve primar pela objetividade. Em ambas ações - no terrorismo e na guerra - há mortes, medo, crueldade, violência, etc. Por que apenas a violência gerada por ações extremistas é considerada terrorismo? A legalidade da violência da guerra não responde a esta questão. Na mídia e no Direito é possível identificar as razões desta diferenciação. Na academia, todavia, é possível enxergar com olhos isentos e efetuar análises que lancem a discussão: são estas duas formas de violência - aquela praticada por grupos clandestinos e aquela praticada por Estados - terrorismo?

Em nível internacional, alguns termos como “intervenção humanitária”, “bombas inteligentes” ou “guerra contra o terror” servem para eufemizar a violência praticada pelo Estado. E o termo “terrorismo” aparece como o grande mal a ser combatido. No dia 11 de novembro, o presidente norte-americano tratou de oficializar essa política através da “Doutrina Bush”.

De acordo com essa política, “terrorismo” passou a ser o principal inimigo da humanidade e estão condenados todos os governos que de alguma forma “toleram” o terrorismo nos seus países. Esta política, que desqualifica a violência de grupos clandestinos, dissimula a violência oficial das ações legais e ilegais praticadas pelo Estado. Esta desqualificação ocorre em nível internacional e também internamente, através da atuação dos aparelhos repressivos do Estado.

 

Consideração Finais

Cumpre esclarecer preliminarmente que o ‘terrorismo’, seja praticado por grupos ou pelo Estado, passou a ser utilizado como instrumento político a partir da Revolução Francesa. Esta constatação tem uma explicação bastante lógica, já que os Estados modernos europeus começaram a se constituir como nação no início do século XIX. Ademais, conforme evidenciado nesta obra, não faz sentido falar em ‘terrorismo’ sem a existência de um Estado que monopolize a violência e de grupos que contestem esse poder.

Desde então, o termo ‘terrorismo’ passou a ser utilizado para designar a violência praticada por grupos ou indivíduos contrários a determinados regimes de governo. Foi assim com o anarquismo, com os revolucionários soviéticos, com os movimentos de libertação nacional, com os guerrilheiros da América Latina, com os grupos europeus de esquerda, etc.

Esse terrorismo - O ‘terrorismo dos grupos clandestinos’ - foi bem estudado pela doutrina, tem grande publicidade na mídia e sofre uma forte repressão por parte das autoridades governamentais. A partir destes vetores, criou-se o mito do ‘terrorista’, uma figura fantasiosa, capaz de causar males inimagináveis à sociedade, e que não raro é identificada com figuras demoníacas. Explosões, assassinatos, envenenamento, seqüestro, extorsão, etc., são algumas das ações praticadas pelos terroristas.

A criação da figura mítica do terrorista contribui para a produção da ‘idéia’ de que existe uma espécie de ‘guerra’ dos ‘bons’ contra os ‘maus’. Nesta ‘guerra’, o Estado representa o bem e deve, portanto, vencer essa luta. O estereótipo fabricado para produzir a imagem negativa do terrorista sugere, de forma coerente, que o Estado não pode praticar o terrorismo.

Todavia, a principal constatação desta dissertação é que e o Estado também pode praticar o ‘terrorismo’. Independentemente da ideologia política, do regime de governo ou das inclinações religiosas de um determinado Estado, a utilização da violência legal, por parte do aparelho repressivo estatal, constitui uma das formas de terrorismo. O argumento de que a violência estatal é ‘legalizada’ e, por esta razão, não poderia se classificada como ‘terrorista’, é insuficiente.

Este argumento é insuficiente porque, como foi demonstrado, o ‘terrorismo’, embora seja um fenômeno de difícil conceituação, apresenta características marcantes, tais como: violência física ou psicológica, geração de medo, crueldade, imprevisibilidade, danos materiais e motivação política para a sua realização. Estes elementos aparecem tanto na violência dos grupos clandestinos como, principalmente, na violência praticada pelo Estado. E não importa se o regime de governo é democrático ou ditatorial: ambos podem ser terroristas.

Para os regimes totalitários e ditatoriais convencionou-se denominar de ‘terror’ a violência institucionalizada pelo Estado. Assim, as mortes causadas pelo regime de Stálin na URSS, as 6 milhões de mortes causadas pelo regime nazista na Alemanha de Hitler e a quantidade absurda de mortos, ‘desaparecidos’ e torturados na América Latina pelos regime militares são frutos do ‘terror’ do Estado. Como ‘terrorismo’ significa a pratica sistemática do ‘terror’, não resta dúvida que esses Estados eram terroristas, independentemente de quem fosse o chefe de Estado e qual fosse a ideologia adotada para justificar a existência do regime.

Esta é uma conclusão importante: não há diferença entre ‘terror’ e ‘terrorismo’ quando utilizados como adjetivos para a violência estatal. No caso dos regimes acima citados, aceitar que o Estado, ao assassinar e torturar indivíduos, pratica o ‘terror’, significa na verdade concordar com a idéia de ‘terrorismo de Estado’ para estes casos. Um outro dado importante é que, embora muitas execuções tenham sido realizadas de forma clandestina, a maioria delas foram realizadas com fundamento na lei.

A constatação de que o terrorismo estatal pode ser praticado, inclusive, com base na lei, leva a uma outra conclusão importante: os regimes tidos como ‘democráticos’ também podem praticar o terrorismo de Estado, o qual pode voltar-se contra os seus próprios cidadãos; contra indivíduos de um outro Estado, através de uma guerra, por exemplo; e ainda contra outros grupos étnicos, religiosos, povos, etc. Basta recordar os movimentos de libertação nacional ou a questão palestina.

O terrorismo praticado por um Estado democrático é dissimulado pela crença de que o cumprimento das suas normas proporciona razões suficientes para justificar a utilização do aparelho repressivo estatal. Desta forma, a pena de morte ou a pena restritiva de liberdade são assimiladas normalmente pela sociedade, mas escondem os elementos essenciais de um atentado terrorista, que são: a violência e o medo causado à vítima.

De acordo com a teoria da violência simbólica de Bourdieu, mesmo quando a dominação se exerce pelo uso da força, ela possui uma dimensão simbólica. A violência legal passa a ser algo natural, aceito por todos. O simples fato de existir a polícia e os demais aparelhos repressivos do Estado traz à lembrança a violência extralegal na qual repousa a ordem legal e que a crença na lei pretende ocultar. Desta forma, a violência diária vista das mais diversas forma possíveis, como torturas em delegacias de polícia, pena de morte, assassinatos extrajudiciais, penitenciárias superlotadas, etc., se incorporam ao cotidiano das pessoas. Já o terrorismo dos grupos clandestinos, quando acontece, vem acompanhado de muita publicidade, gerando a impressão de que a suposta paz vivida pela sociedade foi interrompida por um ato tresloucado de violência causado por um atentado terrorista.

Além da violência simbólica, o terrorismo estatal se exerce também pela exibição de seu aparelho repressivo e por sua conseqüente capacidade de praticar uma violência imprevisível. As vítimas da violência institucionalizada servem como exemplo para a disseminação do medo por toda a sociedade. O que leva à conclusão de que o sistema repressivo estatal é fundado na intimidação e no medo da população; a punição de um serve de exemplo para os outros. A legalidade torna-se irrelevante face ao terror disseminado.

O terrorismo estatal não se manifesta somente pela violência racional prevista na lei. O Estado pratica a violência de forma clandestina quando necessário, através de ‘esquadrões da morte’, torturas sistemáticas e violações diárias dos direitos humanos. Existe ainda a violência praticada em nome das razões de Estado. Quando evocadas, todas as garantias individuais podem ser revogadas e todo tipo de violência passa a ser justificado, sem qualquer fundamento tido como democrático.

O mesmo raciocínio empregado para o terrorismo praticado internamente se aplica para o uso da violência externa por parte do Estado, numa guerra, por exemplo. O Estado é terrorista no âmbito internacional quando utiliza as suas forças armadas oficiais contra um outro Estado. Isto pode ocorrer oficialmente ou quando os serviços de inteligência dos Estados realizam operações secretas em outros Estados - por exemplo, a CIA.

Outra forma de manifestação do terrorismo estatal em nível internacional são as chamadas ‘intervenções humanitárias’, que em geral mascaram interesses econômicos e recebem o adjetivo ‘humanitário’ como forma de dissimular a violência e o terror causados por um ataque de tropas oficias a uma determinada população. O Kosovo foi um exemplo.

Os atentados de 11 de setembro e a guerra no Afeganistão materializaram todos os argumentos propostos neste trabalho. Quando aviões destruíram os símbolos econômicos e militares da hegemonia norte-americana, a primeira reação foi entender os fatos como sendo ‘terrorismo’. A mídia mostrou tudo; trouxe reportagens sobre a brutalidade, a crueldade e o desrespeito às vidas humanas demonstrado pelos inevitáveis ‘terroristas’. Os EUA rapidamente editaram uma lei draconiana como forma de combater o terrorismo. Os principais chefes de Estado declararam seu apoio incondicional aos EUA, e a necessidade de se acabar com o terrorismo.

Quando os EUA iniciaram uma guerra totalmente ilegal contra um homem (algo jamais visto até então) que se escondia em um dos países mais pobres do mundo, todos aqueles que condenaram os atentados de 11 de setembro aplaudiram a ‘guerra contra o terror’, como foi denominada. De um lado estava o ‘bem’, representado pelos EUA; de outro estava o ‘mal’, representado por Osama Bin Laden, o maior terrorista de todos os tempos, segundo o governo norte-americano.

Essa suposta luta contra o terrorismo já havia ocorrido na Chechênia, em 1999. Sobretudo se verifica diariamente nos territórios ocupados por Israel na Palestina. A própria ocupação ilegal do território pertencente aos árabes, e os assassinatos diários sofridos por eles são vistos como normais. Já um homem-bomba que utiliza o seu corpo, sacrificando a sua vida para detonar uma grande quantidade de explosivos é visto como um terrorista alucinado.

Como conclusão final, após analisar a violência praticada tanto pelo Estado, como por grupos clandestinos, acredita-se que o terrorismo é, na verdade, um instrumento político que pode ser utilizado por quaisquer grupos armado, inclusive, e principalmente, pelo Estado. O terrorismo não possui uma definição específica justamente porque engloba uma infinidade de condutas violentas, tais como: homicídio, tortura, utilização de bombas, envenenamento, seqüestro, etc. Para que uma dessas condutas seja classificada como ‘terrorismo’, é necessário ainda um requisito essencial, que é a motivação política do ato.

Desta forma, a violência clandestina estatal e a violência do seu aparelho repressivo institucionalizado são utilizadas como instrumentos políticos para garantir o poder. O Estado constitui uma organização terrorista, na medida em que lança mão dessas formas de violência para garantir a obediência da população em geral. A denominação ‘terrorista’ empregada para a classificação de grupos clandestinos torna a violência legalizada, algo necessário e aceito por todos, dominados e dominantes. A legitimação do terrorismo estatal se exerce pela própria existência do Estado. Logo, “ terrorismo” será sempre a violência dos outros.

 

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Relação dos sites na internet:

Anistia Internacional: www.amnesty.org

Afeganistão: www.afgha-web.com

Corte Internacional de Justiça: www.icj-cij.org

Departamento de Defesa dos EUA: www.state.gov

FBI: www.fbi.gov

Fundo para a Conservação da Natureza: www.wwf.org

Humans Rights Watch: www.hrw.org

Jornal espanhol “ el país”: www.elpais.es

Le Monde diplomatique (em português): www.diplo.com.br

Organização das Nações Unidas (ONU): www.un.org

Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura: www.unesco.org

Organização do Tratado do Atlântico Norte: www.nato.int

Organização dos Estados Americanos: www.oas.org

Poynter Institute (Centro de estudos de Jornalismo): www.poynter.org

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: www.undp.org

Simpósio Anual Internacional de Justiça Criminal: www.afgen.com/terrorism1.html

Terrorismo 1: www.globalterrorism.com

Terrorismo 2: www.terrorism.com

União Européia: www.europa.eu.int

Universo Online (uol) : www.uol.com.br

Glossário

Abu Nidal - grupo clandestino, considerado terrorista, fundado em 1973 e liderado por Abu Nidal (Sabri-al Banna). Tem como objetivo principal a destruição do Estado de Israel.

Abu sayaf - grupo de guerrilheiros, fundado em 1991, comandados por Abou Sayaf (Abdurajik Abubakar janjalani). Seu objetivo é retirar do poder o governo filipino, retirar da ilha de Mindanao a maioria cristã e estabelecer um Estado islâmico fundamentalista são os objetivos principais do grupo.

Al Jazeera - rede de televisão do Catar que funcionou como alternativa à rede de televisão norte-americana CNN, durante cobertura da guerra no Afeganistão.

Al Qaeda - ou ‘a a base’, o grupo armado liderado por Osama Bin Laden tem como objetivo principal expulsar os norte-americanos e os demais Estados ocidentais dos territórios muçulmanos. É considerado o mais atuante grupo terrorista do início do século XXI

Aldo Moro - Primeiro-ministro italiano, morto pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas em 1978

Anarquismo - ideologia política que nega a legitimidade de qualquer tipo de autoridade entre os indivíduos. Seu principal precussor foi o russo Mikail Bakunin. Para o senso comum, o anarquismo sempre significou a desordem, o caos, bagunça, etc. Mas na verdade, a ideologia anarquista parte do pressuposto que o homem possui todas os atributos para viver pacificamente em sociedade sem a necessidade de um autoridade.

Antraz - bactéria que pode ser desenvolvida em laboratório e que, em alguns casos, pode causar a morte da pessoa contaminada.

Baader-meinhof - grupo armado alemão, considerado terrorista, de orientação anarquista. Atuou na antiga República Federal da Alemanha (RFA) possuía como líderes principais: Andreas Baader e Ulrike Meinhof.

Caxemira - região é alvo de disputa entre esses dois países e se localiza no norte da Índia e nordeste do Paquistão.

Cibercultura - é o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimentos da utilização do espaço virtual

Cibernético - referente ao estudo das comunicações e do sistema de controle não só nos organismos vivos, mas também das máquinas.

Diktat - em português significa “ditado”, como ficou conhecido o Tratado de Versalhes em razão das pesadas obrigações impostas pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial à Alemanha.

Esquadrão da Morte - grupos de policiais que se reuniam para assassinar adversários políticos, criminosos comuns e qualquer outro que ameaçasse o poder do Regime militar brasileiro (1964-1986).

Faixa de Gaza - parte do território destinado ao povo palestino ocupado de forma contrária às resoluções da ONU e o Direito Internacional pelo Estado de Israel.

Fascismo - a palavra fascismo foi criada por Mussolini a partir do vocábulo italiano fascio, que possui um duplo significado. Por um lado, refere-se ao conjunto de machados reunidos por meio de um feixe de varas, carregados por funcionários que precediam a aparição pública dos magistrados na antiga Roma, os machados significavam o poder do Estado para decapitar criminosos e as varas, a unidade do povo romano em torno do Estado. Por outro lado, refere-se a uma tradição popular do século XIX, em que certas comunidades, lutando por seus direitos, simbolizavam sua luta e unidade pelos fasci. Mussolini criou então os fasci di combatimenti que deram o nome ao fascismo.

Habeas corpus - termo em latin que significa “tenhas teu corpo”. No Direito constitui uma ação constitucional que tem como objetivo impedir que alguém sofra ou seja ameaçado na sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Hamas - ou Movimento de Resistência Islâmica é um grupo armado palestino, considerado terrorista, que objetiva a criação de um Estado palestino independente, com capital em Jerusalém.

Hizbollah - ou Partido de Deus também constitui um grupo armado palestino, considerado terrorista, que objetiva a criação de um Estado palestino independente.

Intifada - Levante da população palestina contra a ocupação israelense do território destinado ao Estado árabe. Até o momento, duas intifadas ocorreram. A segunda, teve início no dia 28 de setembro de 2000 e até o dia 05 de dezembro de 2001 ainda não havia terminado. A primeira, ocorreu entre os anos de 1987 e 1993, 1.200 palestinos morreram. Durante a segunda intifada, 1068 pessoas já haviam morrido até 27 de janeiro de 2002.

Irgun - grupo armado clandestino, composto por judeus, que possuía o objetivo de expulsar as tropas britânicas da região da Palestina e formar o formar o Estado de Israel. Foi considerado terrorista

Jihad - significa "esforço"; também é usado para indicar o que os ocidentais chamam de guerra santa

Jihad Islâmica da Palestina - grupo armado palestino, considerado terrorista, que objetiva a destruição completa do Estado de Israel.

Leviatã - O Leviatã é um grande monstro bíblico referido no livro de Jô, utilizado por Hobbes para representar a força amedrontadora que deve ser o Estado soberano.

Mass mídia - Termo em inglês que significa meios ou vetores de comunicação de massa(s): rádio, TV, cinema, etc. Comunicação unilateral simultânea para multidões. A palavra é “os média” (com ou sem acento, conforme se queira grafar o termo alatinado ou aportuguesado), que é o plural do substantivo latino medium ou meio (no caso, meios de comunicação). No Brasil se convencionou traduzir isto não por "os media", como seria lógico fazer, mas por "a mídia".

MATAM - serviço de operações especiais de Israel

Mein Kampf - Obra escrita por Adolf Hitler, quando preso depois do putsch de Munique. Expressa a ideologia nazista e apresenta o que viria a ser o programa do seu partido

MOSSAD - direção de espionagem e operações especiais de Israel

Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) - grupo armado, considerado terrorista, fundado em 1983. Seu objetivo principal era implantar um regime comunista no Peru.

Narodnaya Volya - grupo revolucionário russo que se autodenominava “terrorista” e foi responsável por grande número de atentados no início do século XX.

Osama Bin Laden - indivíduo de origem saudita, considerado pelo Departamento de Defesa dos EUA como o maior terrorista da história.

Pentágono - sede do comando militar dos EUA

Pravda - principal jornal da União Soviética em 1918.

Propaganda armada - a propaganda veiculada pela mídia é paga pelos anunciantes. Como no caso do terrorismo não existe um produto a ser anunciado, mas mesmo assim o assunto atraem o público, convencionou-se denominar de ‘propaganda armada’.

Resolução - norma de natureza recomendativa que pode ser aprovada pela Assembléia Geral ou pelo Conselho de Segurança da ONU.

Sabra e Chatila - campos de refugiados palestinos em Beirute ocidental que foram totalmente destruídos pelas milícias cristãs libanesas, durante a invasão israelense ao Líbano, em 1982. Estima-se que cerca de 1000 palestinos foram massacrados, com a anuência do atual primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharom.

Sendero luminoso - grupo armado, considerado terrorista, fundado em 1969. Seu principal objetivo era a criação de uma luta armada camponesa para destruir o Estado e instalar um regime comunista no Peru.

SHABACK - serviço de espionagem geral e de contra espionagem de Israel

Site - endereço eletrônico na internet.

Taleban - regime fundamentalista islâmico que governou 90% do Afeganistão, de 1996 a novembro de 2001.

Tel-aviv - uma as cidades mais importantes do Estado de Israel

Tratado - significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação.

Tribunal de Nuremberg - o Tribunal de Nuremberg foi um tribunal de exceção organizado por americanos, russos, ingleses e franceses para o julgamento dos crimes cometidos pelo regime nazista durante a guerra. Tem esse nome em razão do julgamento ter sido realizado na cidade de Nuremberg, na Alemanha.