Artigo

O contador e o novo código civil
Moacyr Boer *


RESUMO DO DIREITO DE EMPRESA
1. Após mais de vinte anos em tramitação no Congresso Nacional, veio a lume, finalmente, pela Lei nº 10.406, de 10/01/2002, o novo Código Civil, que passará a vigorar a partir de 11 de janeiro de 2003, em substituição ao atual Código de 1916.

A parte que compõe o Livro II do novo código contém matéria com a qual o profissional da contabilidade lida cotidianamente nas pequenas e médias empresas e, por esse motivo, a ela dedicamos este artigo, embora abordando-a de forma ligeira e resumida.

2. Uma importante novidade no que diz respeito aos profissionais da contabilidade está no fato de o novo Código trazer, no Livro II da Parte Especial, a normatização do Direito de Empresa, tema até agora regido parcialmente pelo vetusto Código Comercial de 1850, no Decreto nº 916, de 24 de outubro de 1890 e na lei das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, mais precisamente o Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919.

Esse Livro II está subdividido nos Títulos I a IV, que tratam, respectivamente do Empresário, da Sociedade, do Estabelecimento e dos Institutos Complementares. Neste último, o Capítulo IV trata da Escrituração (artigos 1.179 a 1.195).

A Sociedade, por sua vez, é dividida em Sociedade Não Personificada e Sociedade Personificada.

3. Como Sociedade Não Personificada, o código trata da sociedade enquanto não inscritos seus atos constitutivos, e da sociedade em cota de participação.
O subtítulo que rege as Sociedades Personificadas já é bem mais extenso e aí é que estão as principais novidades.

4. Começa pelo que o Código chama de Sociedade Simples ( arts. 997-1038 ), que corresponde à atual sociedade civil, determinando que o contrato social seja inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sede, no prazo de trinta dias de constituição. Vale lembrar que a sociedade civil tem fundo econômico, porque as entidades sem fins econômicos são as associações e destas trata o código nos artigos 43 e 53/61. Essa distinção entre associações e sociedades civis, que no atual código é algo indefinida, passa agora a ser bem nítida.

A sociedade simples, tal como no código vigente, pode constituir-se sob a forma de uma das sociedades empresárias (art. 983). Deve a sociedade simples possuir capital social, ao contrário do atual código, que não faz tal exigência.

5.Seguem as sociedades em nome coletivo (arts. 1039-1044), em comandita simples (arts. 1045-1051), sociedade limitada (arts 1052-1087), sociedade anômina (arts. 1088-1089), sociedade em comandita por ações (arts. 1090-1092) e sociedade cooperativa ( arts. 1093-1096).

Todas são atualmente regidas pelo Código Comercial e leis especiais, não trazendo o novo Código grandes novidades, salvo quanto às sociedades limitadas que, efetivamente, sofreram profundas modificações, adiante comentadas.

DO EMPRESÁRIO
6. Ao tratar do Empresário – não se fala mais em comerciante – o Código diz que considera como tal quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Exclui desse conceito quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores (art. 966).

Nesse passo, o novo código é mais explícito que a legislação atual, que não conceitua o comerciante e nem cuida do exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística.

7. Quanto a estas últimas atividades, entretanto, o código faz uma ressalva, considerando empresarial o exercício da profissão que constituir elemento de empresa (art. 966, parágrafo único), deixando em aberto, sem conceituação, o que se deva entender por “constituir elemento de empresa”. Assim, fica-se em dúvida acerca dos parâmetros a partir dos quais um contador, por exemplo, que exerce atividade intelectual como proprietário de escritório de contabilidade, passa a ser considerado empresário.

Maria Helena Diniz, com o pré na doutrina diz que, quem exerce as referidas atividades é considerado empresário “se investir capital, formando uma empresa, ofertando serviços mediante atividade econômica, organizada, técnica e estável” (Código Civil Anotado,Saraiva, 2002, p. 572).

Convenhamos que tal explicação nada esclarece. Todo profissional investe algum capital, pelo menos em equipamento de trabalho, e oferta serviço com finalidade econômica. E quando é que se caracteriza a formação de uma empresa? Organização, técnica e estabilidade são requisitos de todo profissional competente, e não são características exclusivas de empresário.

Os doutrinadores do direito comercial até hoje não falam a mesma língua quando se trata de conceituar o ato de comércio e o comerciante. Parece que, pelo novo código, a caracterização do empresário continuará a constituir motivo de divergências.

8. Ao contrário da legislação atual, o novo código permite que o incapaz, em certos casos e com autorização judicial, possa ser empresário (art. 974).

9. Curiosa novidade, que contraria frontalmente o direito vigente, está no artigo 978: “O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integram o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”.

Esse dispositivo pode ser chamado de revolucionário, porque o empresário, tal como o comerciante atual, é pessoa física, não adquire personalidade jurídica e, portanto, não tem dois patrimônios distintos, isto é, um vinculado à empresa e outro dela separado.

DA SOCIEDADE
10. A sociedade entre marido e mulher passa a ser proibida quando o regime do casamento for o de comunhão universal ou o de separação obrigatória (art. 977). No primeiro caso, pela evidente razão de que não faz qualquer sentido a sociedade sob tal regime porque os bens já se comunicam mesmo sem a sociedade; no segundo, porque os bens se comunicariam na sociedade e o regime obrigatório restaria fraudado.

A morte de um sócio na sociedade de dois, obviamente a extingue. Na ocorrência de só restar um sócio, o código concede à sociedade uma sobrevida pelo prazo de 180 dias para que ela se restabeleça; não ocorrendo o ingresso de novo(s) sócio(s), nesse prazo, sua dissolução se verifica de pleno direito. Não esclarece o código, entretanto, como a sobrevida naquele prazo é possível quando o único sócio remanescente não for o que tinha poderes de administração.

11. Na parte societária, a maior novidade está na sociedade limitada, não mais chamada de “sociedade por cotas de responsabilidade limitada” mas, simplesmente, “sociedade limitada”.

A designação do administrador – a lei não fala mais em sócio-gerente – poderá constar do contrato social ou de documento à parte e, ao contrário da lei atual, não precisa ser sócio.

O código traz normas específicas para o Conselho Fiscal, cuja instituição, entretanto, é facultativa, permitindo-lhe ser assistido, no exame dos livros, dos balanços e das contas, por contabilista legalmente habilitado (arts. 1.066/1.070).

12. Importante novidade está na forma das deliberações sociais. Atualmente basta os sócios assinarem um instrumento de alteração do contrato social e depois arquivá-lo na Junta Comercial.

Agora, o contrato deve prever que as deliberações sejam tomadas em reunião ou em assembléia, sendo esta última modalidade obrigatória se o número de sócios for superior a dez.

O código enumera os assuntos que devem ser objeto de deliberação dos sócios, entre eles a aprovação das contas da administração e a alteração do contrato social.

13. As reuniões devem ser reguladas no contrato social e, na omissão deste, devem ser observadas as normas sobre a assembléia.

Se as deliberações não forem unânimes, como na alteração do contrato social, por exemplo, não basta mais a assinatura da maioria absoluta do capital. Será necessário convocar a assembléia mediante publicação do respectivo anúncio, por três vezes. Se a deliberação for em reunião, a convocação deve ser regulada no contrato social.

14. As deliberações serão tomadas por maioria de votos segundo o valor das quotas de cada sócio, mas para as alterações contratuais, são necessários 2/3 do capital. Para a aprovação das contas da administração basta a maioria dos presentes.

15. As atas das reuniões ou da assembléia serão arquivadas na Junta Comercial, pelo que não mais será necessário lavrar instrumento formal de alteração contratual.

16. A assembléia deve realizar-se pelo menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social para tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico e designar administradores quando for o caso.

17. Há outras exigências similares às das sociedades anônimas, como a de colocar os balanços à disposição dos sócios até trinta dias antes da data marcada para a assembléia.

18. Um dispositivo do código pode ser altamente embaraçoso nos casos em que o sócio ou sócios minoritários estão em conflito com os majoritários. Dispõe o § 2º do artigo 1.074: “Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente”.

Os problemas que podem surgir em decorrência desse dispositivo são evidentes e não existem pela legislação atual.

19. Como se conclui, as sociedades limitadas tornaram-se mais burocratizadas e, se com mais de dez sócios, aproximam-se muito das sociedades anônimas. Aliás, essa aproximação fica mais nítida no artigo 1.057, que permite, na omissão do contrato, que o sócio possa ceder sua quota a outro sócio sem a concordância dos demais sócios, ou mesmo a estranhos, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

20. Parece-nos que as sociedades limitadas, no geral, não têm esse número de sócios, de sorte que as deliberações poderão ser tomadas em reunião e não em assembléia. Todavia, será preciso que todas as sociedades por quotas promovam alterações em seus contratos sociais para adaptá-los ao novo código, e as que tenham menos de dez sócios – a maioria, segundo acreditamos – devem regular no contrato social com muito cuidado a realização das reuniões para as deliberações dos sócios porque, as que não o fizerem, ficarão sujeitas às rígidas normas das assembléias (art. 1.072, § 6º).

21. No artigo 1.097 é criada a figura das sociedades coligadas, não existente na atual legislação fora da lei das sociedades por ações e do direito tributário, e são divididas em sociedade controlada, sociedade coligada ou filiada, e de simples participação. O código não disciplina quanto às implicações e efeitos dessas figuras, limitando-se a dizer, no parágrafo único do art. 1.188, que lei especial disporá sobre as informações que acompanharão o balanço patrimonial dessas sociedades coligadas

22. O novo código traz, ainda, preceitos sobre a transformação, incorporação, fusão e cisão de sociedades (arts.1.113/1.125) os quais, de um modo geral, não são muito diferentes dos atualmente em vigor na lei das sociedades por ações. Omite-se, entretanto, quanto ao conceito e procedimentos pertinentes à cisão, que é modificação freqüente na vida das sociedades.

23. O artigo 1.122 estabelece um prazo de noventa dias após a publicação dos atos de incorporação, fusão ou cisão para o credor anterior pedir judicialmente a anulação desses atos se por eles prejudicados.
Isto significa que, a partir da vigência do novo código, as sociedades limitadas que promoverem atos de incorporação, fusão ou cisão também deverão publicar os respectivos atos.

DO ESTABELECIMENTO
24. Dá, ainda, o futuro Código Civil, o conceito de Estabelecimento, dizendo que ele constitui o complexo de bens organizados para exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária (art. 1.142). Pode o Estabelecimento ser objeto unitário de direitos e negócios jurídicos, por exemplo, devendo o contrato de sua alienação, usufruto ou arrendamento ser averbado à margem da inscrição do empresário ou sociedade empresária na Junta Comercial e, ainda, ser publicado na imprensa oficial.

25. Nos artigos seguintes, são reguladas as responsabilidades do alienante e do adquirente acerca de dívidas do estabelecimento, prescrevendo: (a) que o adquirente responde pelos débitos anteriores desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente responsável pelo prazo de um ano; (b) que o alienante não pode fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subseqüentes ao da transferência ou, se for o caso, durante o prazo do arrendamento. Prescreve, ainda, outras normas que suprem lacunas da legislação atual, que quase nada dispõe a respeito.

DO NOME EMPRESARIAL
26. Nos artigos 1.155 a 1.168, o CC dispõe sobre o nome empresarial, estabelecendo que se considera como tal a firma ou a denominação, sem trazer novidades. Reza o parágrafo único do artigo 1.164 que o adquirente do estabelecimento por ato entre vivos pode, se o contrato o permitir, aditar à sua firma, a designação de “sucessor de...”, o que já é permitido pelo Decreto nº 916, de 24-10-1890.

Depois de prescrever regras sobre os Prepostos – e o contabilista foi colocado como preposto ou auxiliar, a exemplo do que dispõe o mais que centenário Código Comercial atual – o código passa ao último Capítulo desse Livro II, que dispõe a respeito da Escrituração.

DA ESCRITURAÇÃO
27. Poucas novidades traz este Capítulo nos artigos 1.179 a 1.195, que prescrevem, logo de início, a obrigatoriedade de levantamento anual do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico, este último correspondente à atual Demonstração de Resultado do Exercício.

Fica dispensado de manter escrituração o pequeno empresário, sem que o código, no entanto, dê a conceituação do que considera pequeno empresário. A legislação atual considera pequeno comerciante quem, possuindo um só estabelecimento, exerce atividade artesanal ou outra em que predomine seu próprio trabalho ou de pessoas da família, auferindo receita bruta anual não superior a 100 (cem) salários mínimos (Decreto n. 64.567/69).

28. Fica mantida a obrigatoriedade apenas do livro Diário, admitida sua substituição por fichas no caso de escrituração mecânica ou eletrônica, sendo permitido o uso de códigos de números ou de abreviaturas, desde que constem de livro próprio regularmente autenticado.

O artigo 1.185 permite a substituição do livro Diário, quando for adotado o sistema de fichas, pelo livro Balancetes Diários e Balanços, devidamente autenticado, do qual deve constar: (a) a posição diária de cada uma das contas ou títulos contábeis, pelos respectivos saldos, em forma de balancetes diários; e (b) o balanço patrimonial e o de resultado econômico do encerramento do exercício.
Esse livro de Balancetes Diários e Balanços, em substituição ao livro Diário, é atualmente previsto para os bancos pela Lei n. 4.843, de 19–11–65, de cujo texto foram reproduzidas praticamente as mesmas disposições das letras (a) e (b) supra.

Por outro lado, o Decreto Federal nº 64.567, de 22–05–69, regulamentando o Decreto-Lei nº 486/69, que dispôs sobre os livros de escrituração mercantil, autoriza, em seu artigo 11, para todas as empresas, a adoção de “livro próprio para inscrição do balanço, de balancetes e demonstrativos dos resultados do exercício social”, sempre que for adotado o processo de fichas, livro esse que deverá ser autenticado pelas Juntas Comerciais.

Assim, o livro de Balancetes Diários e Balanços, agora previsto no novo Código Civil, não inova; apenas estende para todas as empresas o sistema autorizado para os bancos, pelo que é de se entender que o livro previsto no Decreto n. 64.567/69 acima referido, não será mais permitido.

29. O código inova, para pior, ao estabelecer, nos incisos do artigo 1.187, preceitos sobre a avaliação de bens e valores do ativo. O inciso I trata da avaliação dos bens destinados à exploração da atividade (imobilizado), determinando que serão avaliados pelo custo de aquisição, devendo ser criados fundos de amortização (sic) para registrar as depreciações.

No inciso II são prescritas as regras para avaliação dos estoques, permitindo a opção entre o de custo de aquisição ou de fabricação e o preço corrente, acrescentando que, se a opção for pelo preço corrente ou venal e este for superior ao do custo de aquisição ou fabricação, a diferença “não será levada em conta para a distribuição de lucros, nem para as percentagens referentes a fundos de reserva” (sic).

No caso do inciso I, o critério de avaliação está conforme os princípios de contabilidade, sendo, no entanto, inaceitável a expressão “fundos de amortização”, de há muito superada em contabilidade.

Quanto ao inciso II, é evidente o conflito com a legislação atual e com os princípios de contabilidade. O valor corrente ou venal não pode ser opcional. É obrigatório sempre que for inferior ao custo de aquisição ou fabricação (Princípio da Prudência), e é vedado quando for superior (Princípios do Registro pelo Valor Original, da Prudência, da Competência e da Continuidade).

30. O parágrafo único do mesmo artigo 1.187 dispõe que, entre os valores do ativo e desde que amortizados anualmente, podem constar as despesas de instalação da sociedade, até o limite de 10% do capital.

Nesse dispositivo, o código mais uma vez desafina. Ao permitir que no ativo constem as despesas de instalação da sociedade até o limite de 10% do capital, o código vem impedir que no ativo constem as despesas pré-operacionais, de reformulações administrativas, de pesquisas de produtos, de grandes campanhas de venda e outras que influenciam os resultados de anos futuros.

Na economia empresarial moderna, grandes empreendimentos por vezes levam anos para entrar em operação normal e seu financiamento geralmente é feito com capitais de terceiros. As despesas acima mencionadas são de vulto e podem facilmente ultrapassar os 10% do capital próprio.

As normas da atual lei das sociedades por ações, em consonância com os princípios fundamentais de contabilidade, há mais de 22 anos contemplam perfeitamente tais despesas e nem estabelecem o limite de 10% do capital.

Nem se alegue que o código legislou para as sociedades não anônimas porque, em se tratando de princípio contábil, não se justifica a distinção entre diferentes tipos societários.

É fácil entender a razão dos desacertos acima apontados. Tanto o inciso I quanto o inciso II e o parágrafo único do citado artigo 1.187, foram inspirados no artigo 129, parágrafo único, letras “a”, “b” e “d”, do antigo Decreto-Lei nº 2.627/40, que regia as sociedades por ações antes do advento da atual lei nº 6.404/76. Aqueles dispositivos do código civil usam as mesmas expressões destes dispositivos do DL 2.627/40, dos quais são cópias quase literais. Os conteúdos são exatamente iguais.

Por isso, o inciso I fala em “fundos de amortização” e o inciso II refere-se a “fundos de reserva”, que são expressões do Decreto de 1940 já caídas em desuso há muito tempo. Por que falar em “fundos de reserva”, se o código não exige a constituição de nenhum tipo de reserva nas sociedades por ele reguladas? Os incisos citados são cópias e mal feitas.

A doutrina contábil e a legislação evoluíram muito após 1.940. Não se justifica o retrocesso.

31. O artigo 1.189, ao falar sobre o balanço de resultado econômico, equipara essa denominação à antiga demonstração da conta de lucros e perdas, à qual faz alusão expressa, e diz que dela constarão crédito e débito.

O sempre respeitado Prof. A. Lopes de Sá elogia essa norma dizendo que, “doravante as empresas deverão demonstrar o resultado, evidenciando, como se faz nos Balanços, em duas partes (o conceito de balanço está preso ao de equilíbrio de débitos e créditos)”1

Data vênia do grande mestre, pensamos de maneira diferente. A forma atual da Demonstração de Resultado do Exercício (DRE), expondo os valores na forma vertical, com sucessivas deduções, ganha extraordinariamente em clareza e transparência, sendo inteligível até para os leigos em contabilidade. A transição da antiga demonstração da conta lucros e perdas para a atual DRE foi, sem dúvida, um avanço que não deveria ser anulado.

De todo modo, aquele artigo 1.189 fala que o balanço de resultado econômico com crédito e débito, acrescentando que este fica na dependência de “lei especial”. Como já se antevê que essa “lei especial” ficará para as calendas gregas, haverá um vácuo legislativo permanente sobre esse balanço.

32. Como não poderia deixar de ser, dispõe o código no artigo 1.182, que a escrituração ficará a cargo de contabilista legalmente habilitado e, logo em seguida, no § 2º do art. 1.184, determina que o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devem ser assinados pelo empresário ou sociedade empresária e – acrescenta textualmente – por “técnico em Ciências Contábeis”.

Causa estranheza essa expressão “técnico em Ciências Contábeis”, o que aparenta certo despreparo do legislador, porque Ciências Contábeis é curso de nível superior, que outorga o grau de bacharel, e não de técnico, que é a denominação do formado em nível médio.

De todo modo, como a palavra “técnico” está grafada na lei com letra inicial minúscula, é lícito entender que o legislador não pretendeu usá-la para identificar o grau de formação escolar. Por outro lado, a denominação “Ciências Contábeis”, com iniciais maiúsculas, não deixa dúvida quanto à intenção do legislador: ele quis se referir ao bacharel em ciências contábeis, que é o profissional formado em curso de nível superior.

Portanto, é nosso entendimento que, a partir da vigência do novo Código Civil, os balanços só poderão ser assinados por Contador, assim entendido aquele que tem habilitação profissional de nível superior, o bacharel em Ciências Contábeis, ressalvado, entretanto, o direito adquirido dos atuais Técnicos em Contabilidade com diploma já registrado nos CRC’s.

DO PRAZO PARA ADAPTAÇÕES
33. As sociedades existentes na data do início da vigência do código – 11 de janeiro de 2003 – deverão se adaptar às suas disposições dentro do prazo de um ano a partir da referida data; igual prazo é concedido aos empresários (artigo 2.031)

DAS PUBLICAÇÕES
Todas as publicações ordenadas no Livro II (Direito de Empresa), deverão ser feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede, e em jornal de grande circulação (art. 1.152, § 1º). O anúncio da primeira convocação da assembléia dos sócios da sociedade limitada será publicado por três vezes ao menos, com um prazo mínimo de oito dias entre a data da primeira publicação e a da realização da assembléia, e de cinco dias para as posteriores (§ 3º).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
34. O novo Código Civil supre algumas lacunas na legislação atual, mas não traz avanços significativos em relação aos temas aqui abordados. A velha dúvida sobre o que vem a ser ato de comércio e quando alguém é havido como comerciante, praticamente não é resolvida. Agora não se fala mais em comerciante, mas em empresário, e nem em sociedade comercial, mas em sociedade empresária, assim chamadas, em certos casos, até mesmo aquelas atualmente designadas por sociedade civil.

35. Quantos às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, as lacunas da lei atual, apontadas por todos os comercialistas, se transformaram numa excessiva regulamentação, que as colocou próximas das sociedades por ações o que, a nosso ver, vai dificultar a vida desse numeroso tipo societário. Mas, até por isso, a velha divergência sobre a natureza jurídica das sociedades por quotas de responsabilidade limitada – se são sociedades de pessoas ou sociedades de capitais – fica em parte atenuada, posto que foram colocadas mais próximas das sociedades de capital.

36. O contabilista, como dito, continua sendo tratado como um simples preposto (arts. 1.177/1.178), de forma muito semelhante àquela que consta do velho Código Comercial de 1850.

37. E, no tocante à escrituração contábil, nenhum avanço se nota e, em certos aspectos, retroage à já extinta legislação das sociedades por ações de 1940, como já destacado.

38. O Decreto nº 3.995, de 31-10-2001, conferiu à Comissão de Valores Mobiliários poderes para expedir normas sobre padrões de contabilidade para as companhias abertas. É praticamente certo que esses padrões não vão contemplar o balanço de resultado econômico em forma de crédito e débito, de sorte que, doravante, é possível que haverá dois padrões vigentes para essa demonstração: o das companhias abertas e o das demais empresas. Não é boa política.

39. Além de cópia, e mal feita, de legislação de 1940, como já anotado, há mais sinais de outras impropriedades legislativas no código como, por exemplo, o artigo 1.079 repetindo os mesmos termos do § 6º do artigo 1.072, além de remissões a artigos que não fazem sentido.

Em suma, pelo menos nesse Livro do Direito de Empresa, o novo Código Civil não recomenda o legislador pátrio, ao contrário do atual Código, de 1916, que é tido como um monumento à cultura jurídica do país.
Apesar das novidades, o avanço, se existe, é muito discreto.

* Moacyr Boer – Contador, professor aposentado do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Estadual de Londrina
E-mail: moacyrboer@tdk.com.net

1 A.Lopes de Sá. O novo Código Civil e o balanço de resultados. Jornal do CFC nº 49 – junho de 2002.

Fonte: www.crcpr.org.br

Revista do CRCPR
Ano 27 • nº 134
3º Quadrimestre de 2002